Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
A Igreja sempre se considerou com o direito de intervir na coisa pública. Esse direito é legítimo. Por duas razões: sendo uma grandeza da sociedade, a Igreja pode e deve ter uma palavra a dizer no que se refere à realidade política, social, económica... Por outro lado, e sobretudo, o Evangelho não permite que a Igreja, ao contrário da vontade de muitos, seja encurralada na esfera do meramente privado, por outras palavras, no espaço das sacristias. O Evangelho, embora exija a autonomia das realidades terrestres, transporta necessariamente consigo consequências nos domínios do político, do social, do económico... E a Igreja tem não só o direito mas também o dever de intervir nesse campo, em nome da dignidade inviolável da pessoa humana e, conse-quentemente, dos seus direitos inalienáveis.
Mas há agora um fenómeno novo. Este fenómeno novo consiste em que também a sociedade civil considera ter o direito e o dever de se pronunciar sobre temas que a Igreja julgava pertencerem ao seu domínio exclusivo, ou seja, à esfera da sua vida interna, de tal modo que seria abusivo alguém intrometer-se nesse campo. Exemplos desta intervenção são os debates da opinião pública em geral, portanto, incluindo pessoas que nem sequer são membros da Igreja, sobre questões como a liberdade na Igreja, a igualdade da mulher na Igreja, o celibato dos padres... Fundamenta-se este direito de intervenção no facto de se tratar de questões de humanidade, que, por isso mesmo, não são da competência exclusiva da Igreja e podem e devem ser discutidas por todos os homens.
Devido inclusivamente a uma série de escândalos que, nos últimos tempos, causaram enorme perplexidade, a opinião pública tem-se tornado particularmente sensível à questão do celibato enquanto lei (sublinhe-se: enquanto lei). Muitos homens e mulheres, tanto fora como dentro da Igreja, sensíveis ao Evangelho, à dignidade e à liberdade, interrogam-se sobre a legitimidade da lei do celibato. Poderá a Igreja impor como lei aquilo que o Evangelho entrega à liberdade?
Parece não haver dúvidas: enquanto continuar o celibato como lei, a Igreja estará sob o fogo da suspeita. Por isso, a Igreja talvez não fizesse mal em ouvir alguns dos seus membros melhores, mais lúcidos, empenhados e competentes. Herbert Haag, por exemplo, o famoso exegeta da Universidade de Tubinga, declara expressamente que a lei do celibato contradiz o Evangelho. Bernhard Haering, o célebre renovador da teologia moral, exprimiu a opinião segundo a qual o celibato enquanto lei pode ser desumano e é contra o Evangelho. Ora, estas vozes são tanto mais significativas quanto provêm de pessoas que, quando se pronunciaram, nem sequer eram parte interessada: para lá do mais, tanto um como o outro eram professores jubilados e preparavam-se para morrer com dignidade.
A Igreja não tem que ter medo nem existe para salvaguardar o poder. O seu lema só pode ser o do Evangelho: "a verdade libertar-vos-á, a verdade far-vos-á livres".
Se houver anjos, até eles cobriram o rosto com vergonha. De facto, os relatórios chegados ao Vaticano desde 1995 sobre os abusos sexuais de padres com religiosas, e agora apresentados pela prestigiada revista católica norte-americana National Catholic Repórter, são demolidores. Trata-se de cinco relatórios elaborados por religiosas de várias congregações e um padre norte-americano. São referidos concretamente vinte e três países dos vários continentes, mas com predomínio para a África. Contam como, em troca de favores, padres querem sexo; como sobretudo em África, onde a SIDA alastra, as freiras jovens são solicitadas por constituírem, em princípio, baixo risco para relações sexuais; como sacerdotes engravidam religiosas e as aconselham a abortar.
Um dos relatórios mais pormenorizados é o da irmã Maura O'Donohue, médica e membro da Ordem das Missionárias Médicas de Maria. "Com grande tristeza", escreveu, "as irmãs informaram-me que os sacerdotes as exploram sexualmente porque eles também temem ficar infectados pela SIDA". Num determinado país, perante a recusa da proposta de um grupo de sacerdotes a solicitar que numa comunidade as irmãs fossem postas à sua disposição, eles explicaram que não teriam outro remédio senão ir à cidade à procura de mulheres, com a consequente possibilidade de contrair SIDA. À secretária do cardeal espanhol Eduardo Martínez Somalo, prefeito da Congregação para a Vida Religiosa, chegou documentação dramática, apontando casos concretos. Num país africano, o bispo local dissolveu a direcção de uma congregação diocesana, após a queixa de que 29 das irmãs tinham engravidado em contacto com sacerdotes. Num outro caso, o sacerdote que levou uma religiosa a abortar presidiu, após o seu falecimento na operação, ao funeral.
Que nalguns países o celibato não seja considerado um valor espiritual e sobretudo a posição de inferioridade da mulher na sociedade e na Igreja serão algumas das razões explicativas de algumas religiosas não recusarem favores sexuais a um clérigo. Diz o relatório da irmã Mary MacDonald (O Problema do abuso das religiosas africanas na África e em Roma), elaborado em 1998: "Estes homens são vistos como figuras de autoridade que devem ser obedecidos". De qualquer forma, em princípio a situação das religiosas que engravidam acaba por ser mais dramática e dolorosa do que a do padre: em geral, são expulsas da congregação, tendo de criar os filhos a maior parte das vezes sozinhas, havendo inclusivamente casos em que a única saída poderá ser ir para a rua como prostitutas.
Diz-se que, quando leu os relatórios pela primeira vez, o cardeal Martínez Somalo chorou amargamente. Perante abusos degradantes e tragédias pessoais, tinha razões para isso. E haverá sanções adequadas, que, como está previsto no Código de Direito Canónico, podem chegar à secularização ou redução ao estado laical dos sacerdotes.
Esquece-se, porém, a raiz do problema. O Evangelho manifesta compreensão para com o pecador, todos os pecadores. Mas aqui o que está em questão é, antes de mais, o sistema e a sua inverdade. Contra a vontade de Jesus, a Igreja foi transformada numa instituição com duas classes - clero e leigos - e impôs-se o celibato como lei aos padres. Deste modo, há o risco real de tudo continuar na mesma enquanto não houver a coragem evangélica de acabar com a lei do celibato, entregando-o à liberdade. E precisamente da liberdade também nasce a entrega generosa: com a notícia destes escândalos e ignomínias apareceu uma outra: ao longo dos últimos dez anos mais de 600 missionários foram assassinados, isto é, deram testemunho do Evangelho, isto é, da dignidade livre e da liberdade na dignidade, até à morte.
(Anselmo Borges - "Janela do (In)Visível")
Bishop Of Arundel Kieran Conry seen leaving his home in Kent and out shopping at his local waitrose with a mystery woman |
HYPERLINKS:
* Celibato e pedofilia: o rei vai nu!
*Há correlação entre celibato e pedofilia?
* A sexualidade é uma espécie de patologia do cristianismo e da Igreja
* Entre a batina e a aliança
* Sexo e Contradições na Igreja Católica
*Sexo e confessionário
* Celibato obrigatório, o veneno que asfixiou a Igreja romana
* A Hipocrisia do Celibato Católico Romano
* O Calvário Vergonhoso da Igreja Romana
* Pedofilia e Igreja romana: O problema é do celibato imposto?
* Bispo inglês renuncia após revelar relacionamento amoroso com uma mulher casada seis anos atrás
A pedofilia é um problema antigo na Igreja Roma. Não acredita? Analise a história dos Papado ao longo de dois mil anos de cristianismo (Entre outras páginas do Shvoong, pode ver: Factos "edificantes" e "piedosos" de alguns Papas http://pt.shvoong.com/humanities/religion-st udies/1972960-factos-edificantes-piedosos-alguns-papas/)... Se hoje emergem escândalos de pedofilia na igreja, não é porque o fenômeno se tenha agravado, mas sim porque as vítimas perderam o medo e saíram do silêncio para denunciarem os abusos. Por paradoxal que pareça, a salvação parte sempre de baixo, das bases.
É graças à coragem das vítimas que se manifesta a falibilidade, real e humana, do infalível pontífice, que teve que pedir perdão, de qualquer modo mas não o bastante, reconhecendo a necessidade de arrepiar caminho. Foi graças às vítimas que muitos bispos, padres e doutores tiveram que inclinar as cabeças e, finalmente demitir-se, para voltar à sua condição humana descendo do pedestal da sacralidade. É graças a eles que a igreja católica, que se crê “indefectível”, mostrou o seu rosto mais real, de realidade defectível, precária e humana.
A pedofilia é um crime, mas a pedofilia dos padres católicos é muito mais perigosa e extremamente gravosa. O “ sagrado”, as pessoas sagradas, lugares e templos sagrados, enquanto tal “separados” tendem a anular a sacralidade da existência normal, excluem a sacralidade de tudo e, assim, tornam-se fonte de confronto e violência.
Os episódios de pedofilia que, pouco a pouco, vão-se manifestando por todo o mundo, evidenciam contradições estruturais da instituição Igreja. É claro que cada pedófilo deve responder individualmente perante as vítimas e perante a justiça, mas a responsabilidade individual não absolve a responsabilidade da instituição.
Bento XVI e grande parte dos bispos falam de tolerância zero para com os padres pedófilos, curiosamente utilizando uma linguagem de extrema direita, mas ignoram a procura das raízes do fenômeno na estrutura da própria instituição eclesial. Tinha que ser aí mesmo, na estrutura do sagrado, que se deveria aplicar a tolerância zero. É por demais conhecida a relação estreita entre sexo e poder. Já para os gregos e romanos o falo era símbolo do poder. Na Roma antiga, as dimensões e a forma do pénis não raramente favoreciam a carreira militar e política. Tudo o que se ergue aprece ter uma referência fálica. Obeliscos, campanários, torres, o báculo, a pastoral, a mitra episcopal, que coisa são se não símbolos fálicos?! Não é por acaso que na igreja romana o poder é reservado ao sexo masculino e negado em absoluto às mulheres.
A pedofilia é interna a esta relação entre sexo e poder. Quem procura crianças para satisfazer o seu apetite sexual, fá-lo para exprimir a própria sede de domínio para com uma criatura mais frágil. É esta sede de domínio a raiz mais profunda da pedofilia. É esta sede de domínio que deveria ser extirpada da estrutura do sagrado.
E que dizer das lavagens cerebrais feitas nas homilías e nas catequeses ou nas aulas de moral onde se procura incutir nos fiéis o sentimento de culpa e de pecado. Como uma mãe possessiva a Igreja parece querer manter os seus fiéis numa perene condição infantil. Não querendo ser mal interpretado, vem a vontade de chamar a tudo isso “pedofilia estrutural” da Igreja que endoutrina homens e mulheres de forma acrítica de modo a permanecerem perenemente crianças. E a sacralização do poder eclesiástico, a teologia e a pastoral do desprezo do corpo, do sexo e do prazer, a condenação das relações entre sexos que não seja consagrada pelo sacramento do matrimónio, não pertence tudo isso ao domínio da violência?
É hora de criar-se um movimento em grande escala para restituir ao cristianismo o sentido da libertação do sagrado, enquanto realidade separada, libertação não apenas de opressões econômicas e políticas, mas também psicológicas, ético-morais, simbólicas. Talvez a pedofilia não desapareça de vez, mas sem dúvida sofrerá um golpe profundo e não apenas os padres pedófilos.