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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
É DISCUTÍVEL O PRESSUPOSTO de que os gatos não sabem amar. Eles simplesmente amam à sua maneira. A questão é que nos esforçamos para ser amados por pessoas que não nutrem amor por nós. Contra esse vício improdutivo, John W. Gardner fez a seguinte reflexão, em “Personal Rene wal” (Renovação pessoal):
O que se aprende na maturidade não são coisas simples, como adquirir habilidades e informações. Aprende-se a não voltar a ter condutas autodestrutivas, a não desperdiçar energia por conta da ansiedade. Descobre-se como dominar as tensões e que o ressentimento e a autocomiseração são duas das drogas mais tóxicas. Aprende-se que o mundo adora o talento, mas recompensa o caráter. Entende-se que quase todas as pessoas não estão a nosso favor nem contra nós, mas absortas em si mesmas. Aprende-se, finalmente, que, por maior que seja nosso empenho em agradar aos demais, sempre haverá pessoas que não nos amam. Trata-se de uma dura lição no início, mas que no fim se mostra muito tranquilizadora.
(Allan Percy - "Nietzche para Estressados")
OSCAR WILDE DIZIA QUE os prazeres simples são o último refúgio dos homens complicados.
Um dos precursores da autoajuda, Henry David Thoreau, quis experimentar a vida simples e por isso viveu dois anos no meio da floresta. Dessa experiência surgiu seu livro Walden, publicado em 1854 e referência até hoje.
Estas são algumas das conclusões às quais chegou Thoreau em seu retiro campestre:
• A pessoa mais rica é aquela cujos prazeres são os menos dispendiosos.
• Nossa civilização consiste em milhões de seres vivendo juntos, num espaço restrito, em total solidão.
• A natureza é o único local onde um ser humano pode se encontrar consigo mesmo.
• As coisas não mudam – nós mudamos.
• Seguir a trilha dos próprios sonhos e viver a vida que desejamos é garantia de sucesso.
• Investir em bondade é o melhor negócio que você pode fazer.
(Allan Percy - "Nietzsche para estressados")
Vida e morte não são, para nós humanos, simples acontecimentos biológicos. Como disse um filósofo, as coisas aparecem e desaparecem, os animais começam e acabam, somente o ser humano vive e morre, isto é, existe. Vida e morte são acontecimentos simbólicos, são significações, possuem sentido e fazem sentido.
Viver e morrer são a descoberta da finitude humana, de nossa temporalidade e de nossa identidade: uma vida é minha e minha, a morte. Esta, e somente ela, completa o que somos, dizendo o que fomos. Por isso, os filósofos estóicos propunham que somente após a morte, quando terminam as vicissitudes da vida, podemos afirmar que alguém foi feliz ou infeliz. Enquanto vivos, somos tempo e mudança, estamos sendo. Os filósofos existencialistas disseram: a existência precede a essência, significando com isso que nossa essência é a síntese final do todo de nossa existência. “Quem não souber morrer bem terá vivido mal”, afirmou Sêneca.
Num de seus ensaios, Que filosofar é aprender a morrer, Montaigne escreve:
Qualquer que seja a duração de nossa vida, ela é completa. Sua utilidade não reside na quantidade de duração e sim no emprego que lhe dais. Há quem viveu muito e não viveu. Meditai sobre isso enquanto o podeis fazer, pois depende de vós, e não do número de anos, terdes vivido bastante.
E conclui:
Meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu de servir; nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal; saber morrer nos exime de toda sujeição e coação.
Morrer é um ato solitário. Morre-se só: a essência da morte é a solidão. O morto parte sozinho; os vivos ficam sozinhos ao perdê-lo. Resta saudade e recordação.
Viver é estar com os outros. Vive -se com outrem: a essência da vida é a intercorporeidade e a intersubjetividade. Os vivos estão entrelaçados: estamos com os outros e eles estão conosco, somos para os outros e eles são para nós. No ensaio O filósofo e sua sombra, Merleau-Ponty nos diz:
De “morre-se só” para “vive-se só” a conseqüência não é exata, pois se apenas a dor e a morte forem invocadas para definir a subjetividade, então, para ela, a vida com outros e no mundo serão impossíveis… Estamos verdadeiramente sós apenas quando não o sabemos. Essa ignorância é a solidão… A solidão de onde emergimos para a vida intersubjetiva é apenas a névoa de uma vida anônima e a barreira que nos separa dos outros é impalpável.
A ética é o mundo das relações intersubjetivas, isto é, entre o eu e o outro como sujeitos e pessoas, portanto, como seres conscientes, livres e responsáveis. Nenhuma experiência evidencia tanto a dimensão essencialmente intersubjetiva da vida e da vida ética quanto a do diálogo. Ouçamos ainda uma vez Merleau-
Ponty:
Na experiência do diálogo, constitui-se entre mim e o outro um terreno comum, meu pensamento e o dele formam um só tecido, minhas falas e as dele são invocadas pela interlocução, inserem-se numa operação comum da qual nenhum de nós é o criador. Há um entre-dois, eu e o outro somos colaboradores, numa reciprocidade perfeita, coexistimos no mesmo mundo. No diálogo, fico liberado de mim mesmo, os pensamentos de outrem são dele mesmo, não sou eu quem os formo, embora eu os aprenda tão logo nasçam e mesmo me antecipe a eles, assim como as objeções de outrem arrancam de mim pensamentos que eu não sabia possuir, de tal modo que, se lhe empresto pensamentos, em troca ele me faz pensar. Somente depois, quando fico sozinho e me recordo do diálogo, fazendo deste um episódio de minha vida privada solitária, quando outrem tornouse apenas uma ausência, é que posso, talvez, senti-lo como uma ameaça, pois desapareceu a reciprocidade que nos relacionava na concordância e na discordância.
Porque a vida é intersubjetividade corporal e psíquica, e porque a vida ética é reciprocidade entre sujeitos, tantos filósofos deram à amizade o lugar de virtude proeminente, expressão do mais alto ideal de justiça. Num ensaio, Discurso da servidão voluntária, procurando compreender por que os homens renunciam à liberdade e voluntariamente servem aos tiranos, La Boétie contrapôs a amizade à servidão voluntária, escrevendo:
Certamente, o tirano nunca ama e nem é amado. A amizade é nome sagrado, coisa santa: só pode existir entre gente de bem, nasce da mútua estima e se conserva não tanto por meio de benefícios, mas pela vida boa e pelos costumes bons. O que torna um amigo seguro de outro é a sua integridade. Como garantias, tem seu bom natural, sua fidelidade, sua constância. Não pode haver amizade onde há crueldade e injustiça. Entre os maus, quando se juntam, há uma conspiração, não sociedade. Não se apóiam mutuamente, mas temem-se mutuamente. Não são amigos, são cúmplices.
Assim também Espinosa afirma que o ser humano é mais livre na companhia dos outros do que na solidão e que “somente os seres humanos livres são gratos e reconhecidos uns aos outros”, porque os sujeitos livres são aqueles que “nunca agem com fraude, mas sempre de boa-fé”.
Se perguntarmos quais são, afinal, os valores, os motivos, os fins e os comportamentos éticos, responderemos dizendo que são aqueles nos quais buscamos eliminar a violência na relação com o outro, ao mesmo tempo em que procuramos manter a fidelidade a nós mesmos. Ético é não desaprender “a linguagem com que os homens se comunicam” e deixar “o coração crescer” para sermos mais nós mesmos quanto mais formos capazes de reciprocidade e solidariedade.
A ética se move no campo das paixões, dos desejos, das ações e dos princípios, possuindo uma dimensão valorativa e normativa. Por um lado, valores e normas são exteriores e anteriores a nós, definidos pela Cultura e pela sociedade onde vivemos; mas, por outro lado, somos sujeitos éticos e, portanto, capazes tanto de interiorizar valores e normas existentes, quanto de criar novos valores e normas.
Minha liberdade, escreve um filósofo, é o poder fundamental que tenho de ser o sujeito de todas as minhas experiências. Por atos de liberdade, interpretamos nossa situação – valores, normas, princípios – e dessa interpretação nasce em nós a aceitação ou a recusa, a interiorização ou a transgressão, a continuação ou a criação. A ação mais alta da vida livre, disse Nietzsche, é nosso poder para avaliar os valores.
O filósofo grego Epicuro escreveu: “O essencial para nossa felicidade é nossa condição íntima e dela somos senhores”. Ser senhor de si – isto é, autônomo – e ser capaz de philia – isto é, de reciprocidade, de relação intersubjetiva como coexistência e não-violência – é o núcleo da vida ética. Como disse Epicuro, “a justiça não existe por si própria, mas encontra-se sempre nas relações recíprocas, em qualquer tempo e lugar em que exista entre os humanos o pacto de não causar nem sofrer dano”.
(Marilena Chauí - "Convite à filosofia")
OS CÍNICOS COSTUMAM se esconder por trás da maldade do mundo para dar asas à própria perversão. No entanto, os atos alheios nunca justificam os nossos.
Nesta reflexão, Nietzsche faz referência às dificuldades da vida como uma escola que pode nos endurecer ou até nos transformar em pessoas cruéis, ainda que, no final, essa seja uma opção pessoal. Contra os determinismos negativos, Viktor Frankl comentou no livro Em busca de sentido que até nas circunstâncias mais adversas o ser humano tem o direito de decidir qual será sua postura diante do mundo. Sobre sua passagem pelo inferno de Auschwitz, Viktor relatou que alguns prisioneiros se embruteciam e colaboravam em atos de tortura, agindo contra os próprios companheiros, ao passo que outros consolavam os doentes acamados e dividiam com eles seu último pedaço de pão.
Referindo-se ao conceito budista de dor e de sofrimento, ele afirmou: “Mesmo que não esteja em suas mãos mudar uma situação dolorosa, é sempre possível escolher a forma de lidar com o sofrimento.”
(Allan Percy - "Nietzche para Estressados")
O CONTRÁRIO DO AMOR não é o ódio, mas a indiferença. Quem parece nos detestar nutre, no fundo, uma admiração oculta por nós. A inveja funciona da mesma forma. A fúria do invejoso sempre se direciona para um êxito.
Schopenhauer, filósofo que inspirou Nietzsche, afirmou o seguinte a esse respeito: “A inveja dos homens mostra quão infelizes eles se sentem e a atenção constante que dão ao que fazem os demais mostra como sua vida é tediosa.”
Isso não quer dizer que não devemos tomar cuidado com os invejosos, que, cegos pela paixão negativa que os move, podem nos criar problemas. Como falar sobre a inveja não resolve nada – ninguém reconhece essa disfunção emocional –, o mais sensato é evitar envolver o invejoso em nossos planos, pois sua tendência inconsciente será tentar nos boicotar.
Quando falamos sobre um projeto promissor a uma pessoa dessas, ela logo trata de apontar as falhas para nos desanimar, para que não sigamos adiante. Por esse mesmo motivo, convém ocultar nossos êxitos sempre que possível. Dessa forma poupamos sofrimento e evitamos a carga emocional negativa que
poderia nos atingir.
(Allan Percy - "Nietzche para Estressados")
NUMA ENTREVISTA CONCEDIDA no auge da fama, o músico e ator David Bowie afi rmou: “Eu sempre quis ser algo mais que humano.”
Talvez por isso tenha protagonizado o filme O homem que caiu na Terra, que conta a história de um alienígena chamado Newton que vem em busca de uma salvação para a seca que ameaça seu planeta. No intuito de construir uma nave que o leve de volta ao seu mundo, vende artigos de tecnologia avançada e fica milionário.
Esse argumento psicodélico revela uma questão bastante humana: nós nos sentimos parte deste mundo e ao mesmo tempo fora dele. Isso explica por que tanta gente acredita em anjos e fenômenos paranormais em geral.
Nietzsche destaca essa semente divina que vive no espírito humano. Nenhuma outra espécie foi capaz de voar aos céus e, ao mesmo tempo, rastrear as profundezas marinhas. Se conseguimos tudo isso utilizando apenas a décima parte de nosso cérebro, como afirmam alguns cientistas, aonde seríamos capazes de chegar?
Pense nisso quando estiver se escondendo atrás de suas supostas limitações.
(Allan Percy - "Nietzche para Estressados")
O idealista, assim como o eclesiástico, carrega todos os grandes conceitos em sua mão (e não apenas em sua mão!); os lança com um benevolente desprezo contra o “entendimento”, os “sentidos”, a “honra”, o “bem viver”, a “ciência”; vê tais coisas abaixo de si, como forças perniciosas e sedutoras, sobre as quais “o espírito” plana como a coisa pura em si – como se a humildade, a castidade, a pobreza, em uma palavra, a santidade, não tivessem causado muito mais dano à vida que quaisquer outros horrores e vícios... O puro espírito é a pura mentira... Enquanto o padre, esse negador, caluniador e envenenador da vida por profissão for aceito como uma variedade de homem superior, não poderá haver resposta à pergunta: Que é a verdade? (1). A verdade já foi posta de cabeça para baixo quando o advogado do nada foi confundido com o representante da verdade.
É contra este instinto teológico que guerreio: encontro vestígios dele por toda parte. Todo aquele que possui sangue teológico em suas veias é cínico e desonrado em todas as coisas. Ao pathos (2) que se desenvolve dessa condição denomina-se fé: em outras palavras, fechar os olhos ante si mesmo de uma vez por todas para evitar o sofrimento causado pela visão de uma falsidade incurável. As pessoas constroem um conceito de moral, de virtude, de santidade a partir dessa falsa perspectiva das coisas; fundamentam a boa consciência sobre uma visão falseada; após terem-na tornado sacrossanta com os nomes “Deus”, “salvação” e “eternidade” não aceitam mais que qualquer outro tipo de visão possa ter valor. Descubro este instinto teológico em todas direções: é a mais disseminada e mais subterrânea forma de falsidade que se pode encontrar na Terra. Tudo que um teólogo considera verdadeiro é necessariamente falso: aqui temos praticamente um critério da verdade. Seu profundo instinto de autopreservação não lhe permite honrar ou sequer mencionar a verdade. Onde quer que a influência dos teólogos seja sentida, há uma transmutação de valores, os conceitos de “verdadeiro” e “falso” são forçados a inverter suas posições: tudo que é mais prejudicial à vida é nomeado “verdadeiro”, tudo que a exalta, a intensifica, a afirma, a justifica e a torna triunfante é nomeado “falso”... Quando teólogos, através “consciência” dos príncipes (ou dos povos), estendem suas mãos ao poder, não há qualquer dúvida quanto a este aspecto fundamental: que o anseio pelo fim, a vontade niilista, aspira ao poder...
(Friedrich Nietzsche - "O AntiCristo")
(1) - Alusão à passagem do evangelho segundo João 18:38 na qual Pilatos pergunta a Jesus: “Que é a verdade?”
(2) - O termo phatos vem do grego, significando “sentimento”, “emoção” “paixão”. Opõe-se a logos, pensamento racional, lógico.
EM UM DE SEUS AFORISMOS mais célebres, Buda disse que “a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional”. Do nascimento à morte, a vida está repleta de dor, mas o sentido que damos a essa dor só depende de nós. Se a encararmos de forma trágica, ela se transformará em sofrimento. Uma coisa é o que acontece no exterior e outra é o que se dá no interior de cada indivíduo. Aquele que tem medo de enfrentar a dor a receberá sempre como uma maldição. Ele nunca saberá o que fazer com a escuridão que toma conta de sua vida, que antes parecia tão feliz. O filósofo lida com a dor e tenta extrair dela um benefício em forma de conhecimento. Mesmo os momentos mais duros da vida, como quando sofremos uma terrível perda, são portas abertas em direção a algo que precisávamos conhecer. Se estivermos conscientes de que todo fi m é ao mesmo tempo um começo, a dor e o possível sofrimento serão para nós uma escola que nos permitirá entender mais profundamente o que significa ser humano.
(Allan Percy - "Nietzsche para estressados")