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A ICAR é uma instituição castradora:
• Castradora através do Celibato Obrigatório que, sendo uma imposição contra-natura, tem-se manifestado em gravíssimos desvios sexuais (padres pedófilos, taxas elevadas de homossexualismo entre o clero). Eugene Drew
ermann (ex-padre) reconhece, fruto da sua experiência de psicoterapeuta, que a percentagem de homossexuais dentro da Igreja católica é grande, como consequência principal da sua moral repressiva e da atitude quanto ao celibato, quer entre religiosos de sexo masculino como do sexo feminino, chegando aos 25% os jovens seminaristas que, de forma permanente ou esporádica, se dedicam a práticas homossexuais. Homossexualidade que era considerada pela Igreja como uma das formas mais graves de pecado (os acusados pelo "crime nefando" eram sentenciados à fogueira pela Santa Inquisição). Se fosse agora, muito havia que queimar!
• Castradora através de seus Dogmas que cerceiam a liberdade de expressão. Quem tem medo do diálogo franco e aberto, escuda-se nos dogmas e na disciplina eclesiástica.

A Igreja Católica, continua Drewermann (“Funcionários de Deus“), «falsifica a neurose em santidade, a doença em eleição divina e a angústia em confiança em Deus», separando, como realidades opostas, o pensamento da sensibilidade, a actividade intelectual da vivência emocional. Filosofia própria de uma religião que «é inimiga da natureza e oposta ao amor» e que tem como objectivo não a sua libertação, mas a subjugação do homem: a sua destruição como indivíduo livre e senhor do seu destino.

publicado às 14:47


Bergoglio e a Igreja do ‘não’

por Thynus, em 15.04.13
 
Nada como um dia após o outro, ensina a sabedoria popular. Com o novo papa, começam a aparecer indicativos consistentes de a renúncia de Ratzinger não decorrer apenas da falta de condições físicas e da situação de ingovernabilidade de uma Cúria mergulhada em escândalos e lutas intestinas pelo poder. Pelos indícios, Ratzinger parece ter-se conscientizado de estar fora de época e, assim, inadaptado para governar a Igreja.
Ratzinger mergulhou no obscurantismo e nada sobrou do jovem e renovador teólogo que auxiliou na elaboração dos trabalhos preparatórios do Concílio Vaticano II. Para Hans-Jürgen Schlamp, do Der Spiegel, o papado de Ratzinger foi trágico “pela sua incapacidade de entender os tempos”.
Durante o seu pontificado, prevaleceu a Igreja do “não” e a enfadonha repetição da condenação ao relativismo. Trocando em miúdos, a não aceitação, mundo afora, daquilo entendido por ele como princípios imutáveis e definitivos. No particular, Ratzinger levou a sério a infalibilidade estabelecida, em 1868, no Concílio Vaticano I e, também, o étimo do termo latino pontifex, ou seja, o de único guia capaz de conduzir por um caminho reto.
O emérito Ratzinger percebeu não possuir o carisma do antecessor Wojtyla para manter a Igreja do “não”. Além disso, escolheu o trapalhão Tarcisio Bertone para, como secretário de Estado, cuidar da Cúria. Para se ter uma ideia, Bertone, a misturar homofobia e ignorância, sustentou a correlação entre homossexualidade e pedofilia ( Veja: "O sol ainda gira em volta da terra?" ). Só para exemplificar, a Igreja do “não” de Ratzinger é aquela que nega a Eucaristia aos divorciados. De nada adiantou a pressão do Episcopado da Alemanha para a mudança. Mais ainda, é a Igreja do “não” à inseminação artificial, às pílulas anticoncepcional e do dia seguinte. A do “não” ao uso da camisinha e ao casamento de clérigos.
Também é a Igreja dos vetos ao testamento biológico, ao sacerdócio feminino (o antigo Santo Ofício, sob o cardeal Ratzinger, proibiu a divulgação, nos Estados Unidos, do livro Mulheres no Altar, da então sóror Lavinia Byner), à masturbação entre os adolescentes, ao sexo antes do casamento e à união homossexual. A que, segundo os prelados norte-americanos, adotou expressões inadequadas no novo “Catequismo da Igreja”. É aquela em que o papa Ratzinger reprova a nova tradução inglesa da Bíblia e de textos litúrgicos, por entendê-los “modernos e muito feministas”.
Nessa Igreja do “não” prevaleceu, durante anos, a lei do silêncio a encobrir crimes de pedofilia. A respeito, o teólogo Hans Küng frisou ter o então cardeal Ratzinger, em 28 de maio de 2001, recordado aos bispos do mundo todo que para as questões de ética sexual valia o segredo pontifício. E Küng: “Durante anos, e como pontífice, Ratzinger não mudou uma vírgula dessa praxe infeliz. Esse homem foi o responsável pela ocultação desses abusos em nível mundial e tinha o dever de pronunciar um mea-culpa”.
Para o lugar de Ratzinger buscou-se um papa de perfil diverso, humilde, popular, contra o fausto e a favor dos pobres. Muitos estão a comparar o papa Francisco ao saudoso Albino Luciani. Em agosto de 1978, com 101 votos dados por 111 participantes, Luciani, com o nome de João Paulo I, aboliu a missa de coroação e se recusava a sentar no trono nas cerimônias solenes. Luciani disse, sendo criticado por uma Cúria que o tachava de inadequado ao encargo, termos um Deus pai e mãe. E ele trombou com a Cúria ao afirmar que a Igreja não deveria contar com poder ou com riqueza. Sua intenção era, inicialmente, distribuir aos pobres 1% da riqueza da Igreja. A irritar o secretário de Estado Jean Villot, Luciani sustentou que não se deve proibir de modo simplista os anticoncepcionais, isso a contrariar a encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI.
O pontificado de Luciani durou 33 dias. Na cabeceira do leito de morte estava um exemplar do Il Mondo, com novos escândalos do Banco do Vaticano, dirigido por Paul Marcinkus. Pouco antes, Luciani havia se inteirado de uma lista de clérigos inscritos na Loja Maçônica P2, protagonista do escândalo do Banco Ambrosiano. Do elenco constava Jean Villot, o secretário de Estado. (Veja:  "Às 9:30 da noite fechou a porta de seu quarto e o sonho acabou...")
A causa-morte de Luciani foi atestada como infarto do miocárdio. Mas cardiologistas registraram que o falecido não apresentava na face a expressão da dor que acomete todos os infartados. Não houve autópsia e correu a suspeita de envenenamento. Existem contradições sobre quem teria por primeiro ingressado no quarto papal. Em nota oficial, informou-se ter sido o secretário particular, John Magee. Na véspera, fora apontada a sóror-camareira Vincenza Taffarel. Uma terceira voz indicava Jean Villot, o dissidente secretário de Estado. Para o escritor investigativo inglês David Yallop, autor do livro Em Nome de Deus (6 milhões de cópias vendidas), a morte não foi natural.
Pano rápido. Vamos esperar para ver se Bergoglio, como tentou Luciani, será capaz de mudar a Igreja do “não” para a Igreja do “sim”.

(Wálter Maierovitch)
 

publicado às 12:13


Os Papas e o Sexo

por Thynus, em 11.03.13
A Santa Mãe Igreja não digere nem nunca digeriu insinuações sobre a conduta sexual dos seus membros, servos de Cristo. Tudo isso é rotulado como "fofocas", "difamações", "infâmias". Mas há quem nunca acreditou nesta versão, e que, após tomar conhecimento, já não poderá mais acreditar. Eric Frattini volta a desafiar a Igreja católica com um ensaio bem documentado e perturbador em que desfilam século após século, os papas e seus vícios inomináveis: pelo menos 17 papas pedófilos, 10 incestuoso, 10 rufiões, 9 estupradores. E para cúmulo, apesar das contínuas condenações da homossexualidade, do matrimónio e do concubinato entre os religiosos, dezenas de papas casados, homossexuais, travestis, concubinários, para não mencionar os sádicos e os masoquistas, voyeurs e assim por diante: por incrível que pareça, muitos destes foram mesmo canonizados. "Nenhuma religião do mundo discutiu tanto a intimidade sexual como o catolicismo", diz Frattini, e nenhuma impôs tão detalhamente os seus códigos de comportamento: até hoje, a tolerância zero para os casais de facto, o aborto, a contracepção e a inseminação artificial. Ora bem, desde as Sagradas Escrituras até Bento XVI, Frattini dá as boas-vindas à epopeia sexual da Igreja Católica.

 

Aqui vai um pequeno trecho:
"Os papas não eram apenas bispos de Roma, Vigários de Cristo, sucessores do Príncipe dos Apóstolos, princípes dos bispos, pontífices supremos da Igreja universal, primazes da Itália, arcebispos e bispos metropolitanos da província romana, servos dos servos de Deus (servus servorum Dei), pais dos reis, pastores do rebanho de Cristo e soberanos da cidade-estado do Vaticano, mas também homens casados e pederastas, estupradores e homossexuais, fetichistas e cafetões, nepotistas e ioncestuosos, sádicos e masoquistas, simoníacos e zoofilistas, “papi padri di papi e papi figli di papi”, papas filhos de padres e papas adúlteros, travestis e voyeurs, falsificadores e assassinos. Todos protegido por Deus e pelo Espírito Santo. Esta é a sua longa história."

 

Eric Frattini: Nascido em Lima no ano 1963, é professor universitário, jornalista e escritor eclético, apaixonado por história e política. Correspondente no Médio Oriente, analista político e morou por diversos anos na Polinésia, Paraguai, Líbano, Chipre e Israel. Dirigiu também numerosos documentários para as principais redes de televisão espanholas, com as quais colabora assiduamente. É autor de uma vintena de livros, traduzidos em todo o mundo.

publicado às 03:05


Bento XVI renunciou, viva o papa!

por Thynus, em 28.02.13

Assim se proclamava, nas monarquias, quando um rei morria ou era deposto e o sucessor vinha saudado. Mais importante do que o panegírico do que partia, era hora de olhar para a frente, com esperança ou receios.
Eu estava numa reunião no palácio São Joaquim, aqui no Rio, em 2005, durante o último conclave, almoçando com os bispos auxiliares, quando foi anunciada a fumaça branca. Saímos da mesa e corremos à televisão. Foi quando eu disse: “Não sei quem será, mas vai chamar-se Bento XVI”. Quando Ratzinger saiu no balcão, alguns me olharam como se eu tivesse feito uma adivinhação. Na verdade, foi uma aposta por eliminação. O novo papa certamente não retomaria a série dos Pios, não seria um seguimento de João ou de Paulo, nem do composto João Paulo. Restava, no século XX, um papa, Bento XV, que ficara poucos anos, de 1914 a 1922, mas que interrompera a caça antimodernista de Pio X. Não saiu papa um reacionário como o secretário de estado espanhol Merry Del Val (o Sodano ou o Bertone daquele momento). Era um bispo de uma diocese importante, Bolonha, que fora pouco antes denunciado de modernista, em carta, a seu antecessor.O novo papa abriu a missiva, lacrada por ocasião da morte de Pio X e convocou o assustado acusador.
Uma lógica destas apontaria, indo um pouco mais atrás, na eleição de 1878, para um possível futuro Leão XIV. O papa anterior do mesmo nome também interrompera a prática de seus dois antecessores reacionários, Gregório XVI e Pio IX. E indicou que esperassem o próximo consistório, para verem seu novo estilo. E foi então quando nomeou cardeal o grande teólogo John H. Newman, convertido da Igreja Anglicana, crítico do Vaticano I e mal visto pelo outro cardeal inglês, Henry Manning. Aliás, o papa Bento XVI tinha Newman em grande admiração e o beatificou em 2010 (alguns historiadores, para incômodo de muitos, falaram de um companheiro de toda a vida, enterrado junto com ele, numa possível porém incerta relação homosexual, o que não diminuiria em nada seu enorme valor). Mas atenção, voltando ao presente, as lógicas não se repetem e o futuro é sempre inesperado.
Com o atual precedente, um papa pode (e até deve, em certos casos) deixar o poder ainda em vida, num movimento que passa dos poderes absolutos e pro vita, para uma visão com possíveis prazos para o exercício de um poder que aparecia nos últimos séculos como irrenunciável .
O importante agora é descobrir o que estará diante do futuro papa. Tudo parece indicar que João Paulo I morreu ao tomar consciência da dimensão dos problemas que o esperavam. Carlo Martini (que tantos sonhamos como um possível “Papa bianco”), em 1999 lembrou temas estratégicos a serem enfrentados por possíveis futuros concílios: a posição da mulher na sociedade e na Igreja, a participação dos leigos em algumas responsabilidades ministeriais, a sexualidade, a disciplina do matrimônio, a prática do sacramento da penitência, a relação com as Igrejas irmãs da ortodoxia e, em um nível mais amplo, a necessidade de reavivar a esperança ecumênica. Poderíamos agora dizer que são temas colocados hoje diante do papa que vem aí.
Cada vez é mais importante desbloquear posições congeladas. Uma, urgente, seria superar o impasse criado por Paulo VI em 1968, no seu documento Humanae Vitae, sobre a contracepção. Tratar-se-ia de aceitar, ao nível do magistério, o que já é uma prática normal de um número enorme de fiéis: o uso dos contraceptivos.
Mas nos textos de teólogos espanhóis, sacerdotes alemães e austríacos, declarações de bispos australianos, estão outros pontos da agenda. Haveria que começar por superar a dualidade e uma hierarquia rígidas entre ministérios ordenados (dos padres) e não ordenados, abrindo para uma pluralidade de ministérios (serviços), como na Igreja dos primeiros séculos. E aí se coloca o tema da ordenação das mulheres. No dia da ressurreição, as mulheres foram as primeiras a serem enviadas (ordenadas) a anunciar a Boa Nova (Mateus, 28,7; Marcos, 16,7:”Ide dizer aos discípulos e também a Pedro…”; Lucas, 24,9; João, 20,17).
Teria também que desaparecer o que é apenas próprio da Igreja latina desde o milênio passado: o celibato obrigatório. O celibato é próprio da vida religiosa em comunidade e não necessariamente dos presbíteros (sacerdotes). Os escândalos recentes de uma sexualidade reprimida e doentia estão exigindo uma severa revisão. Isso levaria a ordenar homens e mulheres casados.
Há que levar a sério a ideia da colegialidade do Vaticano II, sendo o bispo de Roma o primeiro entre todos no episcopado. Numa visão ecumênica, o segundo seria o Patriarca de Constantinopla, que vive no Fanar, um bairro grego pobre de Istambul, onde estive no ano passado. Os encontros fraternos e a oração em comum de João XXIII e de Paulo VI com o patriarca Atenágoras, foram abrindo caminho nessa direção.
Claro, são antes de tudo anseios, mais do que possibilidades certas. Mas a história é inexorável e, pouco a pouco, posições que pareciam petrificadas podem ir sendo revistas ou, pelo menos, vão crescendo pressões nesse sentido. A Igreja, arejada por tempos novos na sociedade, seculares e republicanos, não poderá ficar à margem de um processo histórico contagiante. Talvez temas congelados terão que esperar futuros pontificados ou outros concílios, mas estarão cada vez mais presentes e incômodos, num horizonte que desafia os imobilismos.

(Luiz Alberto Gómez de Souza)

publicado às 17:08

Quem acompanhou o noticiário dos últimos dias acerca dos escândalos dentro do Vaticano, trazidos ao conhecimento pelos jornais italianos “La Repubblica” e o “La Stampa”, referindo um relatório com trezentas páginas, elaborado por três Cardeais provectos sobre o estado da cúria vaticana deve, naturalmente, ter ficado estarrecido. Posso imaginar nossos irmãos e irmãs piedosos que, fruto de um tipo de catequese exaltatória do Papa como “o doce Cristo na Terra” devam estar sofrendo muito, pois amam o justo, o verdadeiro e o transparente e jamais quereriam ligar sua figura a notórios malfeitos de seus assistentes e cooperadores.
         O conteúdo gravíssimo destes relatórios reforçaram, no meu entender, a vontade do Papa de renunciar. Ai se comprovava uma atmosfera de promiscuidade, de luta de poder entre “monsignori”, de uma rede de homossexualismo gay dentro do Vaticano e desvio de dinheiro do Banco do Vaticano. Como se não bastassem os crimes de pedofilia em tantas dioceses que desmoralizaram profundamente a instituição-Igreja.
         Quem conhece um pouco a história da Igreja – e nós profissionais da área temos  que estuda-la detalhadamente- não se escandaliza. Houve épocas de verdadeiro descalabro do Pontificado com Papas adúlteros, assassinos e vendilhões. A partir do Papa Formoso (891-896) até o Papa Silvestre (999-1003) se instaurou segundo o grande historiador Card. Barônio a “era pornocrática” da alta hierarquia da Igreja. Poucos Papas escapavam de serem depostos ou assassinados. Sergio III (904-911) assassinou seus dois predecessores, o Papa Cristóvão e Leão V.
         A grande reviravolta na Igreja como um todo, aconteceu, com consequências para toda a história ulterior, com o Papa Gregório VII em 1077. Para defender seus direitos e a liberdade da instituição-Igreja contra reis e príncipes que a manipulavam, publicou um documento que leva este significativo título “Dictatus Papae” que literalmente traduzido significa “a Ditadura do Papa”. Por este documento, ele assumia todos os poderes, podendo julgar a todos sem ser julgado por ninguém. O grande historiador das idéias eclesiológicas Jean-Yves Congar, dominicano, considera a maior revolução acontecida na Igreja. De uma Igreja-comunidade passou a ser uma instituição-sociedade monárquica e absolutista, organizada de forma piramidal e que vem até os dias atuais
         Efetivamente, o cânon 331 do atual Direito Canônico se liga a esta compreensão, atribuindo ao Papa poderes que, na verdade, não caberiam a nenhum mortal, senão somente a Deus: ”Em virtude de seu ofício, o Papa tem o poder ordinário, supremo, pleno, imediato, universal” e em alguns casos precisos, “infalível”.
         Esse eminente teólogo, tomando a minha defesa face ao processo doutrinário movido pelo Card. Joseph Ratzinger em razão do livro “Igreja:carisma e poder” escreveu um artigo no “La Croix”(8/9/1984) sobre o “O carisma do poder central”. Ai escreve:”O carisma do poder central é não ter nenhuma dúvida. Ora, não ter nenhuma dúvida sobre si mesmo é, a um tempo, magnífico e terrível. É magnífico porque o carisma do centro consiste precisamente em permanecer firme quando tudo ao redor vacila. E é terrível porque em Roma estão homens que tem limites, limites em sua inteligência, limites em seu vocabulário, limites em suas referencias, limites no seu ângulo de visão”. E eu acrescentaria ainda limites em sua ética e moral.
         Sempre se diz que a Igreja é “santa e pecadora” e deve ser “sempre reformada”. Mas não é o que ocorreu durante séculos nem após o explícito desejo do Concílio Vaticano II e do atual Papa Bento XVI. A instituição mais velha do Ocidente incorporou privilégios, hábitos, costumes políticos palacianos e principescos, de resistência e de oposição que praticamente impediu ou distorceu todas as tentativas de reforma.
         Só que desta vez se chegou a um ponto de altíssima desmoralização, com práticas até criminosa que não podem mais ser negadas e que demandam mudanças fundamentais no aparelho de governo da Igreja. Caso contrário, este tipo de institucionalidade tristemente envelhecida e crepuscular definhará até entrar em ocaso. Os atuais escândalos sempre houveram na cúria vaticana apenas que não havia um providencial Vatileaks para  trazê-los a público e indignar o Papa e a maioria dos cristãos.
         Meu sentimento do mundo me diz que  estas perversidades no espaço do sagrado e no centro de referencia para toda a cristandade – o Papado – (onde deveria primar a virtude e até a santidade) são consequência desta centralização absolutista do poder papal.  Ele faz de todos vassalos, submissos  e ávidos por estarem fisicamente perto do portador do supremo poder, o Papa. Um poder absoluto, por sua natureza, limita e até nega a liberdade dos outros, favorece a criação de grupos de anti-poder, capelinhas de burocratas do sagrado contra outras, pratica  largamente a simonía que é compra e venda de vantagens, promove  adulações e destrói os mecanismos da transparência. No fundo, todos desconfiam de todos. E cada qual procura a satisfação pessoal da forma que melhor pode. Por isso, sempre foi problemática a observância do celibato dentro da cúria vaticana, como se está revelando agora com a existência de uma verdadeira rede de prostituição gay.
         Enquanto esse poder não se descentralizar e  não outorgar mais participação de todos os estratos do povo de Deus, homens e mulheres, na condução dos caminhos da Igreja o tumor causador desta enfermidade perdurará. Diz-se que Bento XVI passará a todos os Cardeais o referido relatório para cada um saber que problemas irá enfrentar caso seja eleito Papa. E a urgência que terá de introduzir radicais transformações. Desde o tempo da Reforma que se ouve o grito: ”reforma na Cabeça e nos membros”. Porque nunca aconteceu, surgiu  a Reforma como gesto desesperado dos reformadores de fazerem por própria conta tal empreendimento.
         Para ilustração dos cristãos e dos interessados em assuntos eclesiásticos, voltemos à questão dos escândalos. A intenção é desdramatizá-los, permitir que se tenha uma noção menos idealista e, por vezes, idolátrica da hierarquia e da figura do Papa e libertar a liberdade para a qual Cristo nos chamou (Galatas 5,1). Nisso não vai nenhum gosto pelo Negativo nem vontade de acrescentar desmoralização sobre desmoralização. O cristão tem que ser adulto, não pode se deixar infantilizar nem permitir que lhe neguem conhecimentos em teologia e em história para dar-se conta de quão humana e demasiadamente humana pode ser a instituição que nos vem dos Apóstolos.
         Há uma longa tradição teológica que se refere à Igreja como casta meretriz,  tema abordado detalhadamente por um grande teólogo, amigo do atual Papa, Hans Urs von Balthasar (ver em Sponsa Verbi,  Einsiedeln 1971, 203-305). Em várias ocasiões o teólogo J. Ratzinger se reportou a esta denominação.
A Igreja é uma meretriz que toda noite se entrega à prostituição; é casta  porque Cristo, cada manhã se compadece dela, a lava e a ama.
          O  habitus meretrius da instituição, o vício do meretrício, foi duramente criticado pelos Santos Padres da Igreja como Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Jerônimo e outros. São Pedro Damião chega a chamar o referido Gregório VII de “Santo Satanás” (D. Romag, Compêndio da história da Igreja, vol 2, Petrópolis 1950,p.112). Essa denominação dura nos remete àquela de Cristo dirigida a Pedro. Por causa de sua profissão de fé o chama “de pedra”mas por causa de sua pouca fé e de não entender os desígnios de Deus o qualificou de “Satanás”(Evangelho de Mateus 16,23). São Paulo parece um moderno falando quando diz a seus opositores com fúria: ”oxalá sejam castrados todos os que vos perturbam”(Gálatas 5.12).
         Há portanto, lugar para a profecia na Igreja e para a denúncias dos malfeitos que podem ocorrer no meio eclesiástico e também no meio dos fiéis.
         Vou referir outro exemplo tirado de um santo querido da maioria dos católicos brasileiros, por sua candura e bondade: Santo Antônio de Pádua. Em seus sermões, famosos na época, não se mostra  nada doce e gentil. Fez vigorosa crítica aos prelados devassos de seu tempo. Diz ele: “os bispos são cachorros sem nenhuma vergonha, porque sua frente tem cara de meretriz e por isso mesmo não querem criar vergonha”(uso a edição crítica em latim publicada em Lisboa em 2 vol em 1895). Isto foi proferido no sermão do quarto domingo depois de Pentecostes ( p. 278). De outra vez,  chama os prelados de “macacos no telhado, presidindo dai o povo de Deus”(op cit  p. 348).  E continua:” o bispo da Igreja é um escravo que pretende reinar, príncipe iniquo, leão que ruge, urso faminto de rapina que espolia o povo pobre”(p.348). Por fim na festa de São Pedro ergue a voz e denuncia:”Veja que Cristo disse três vezes: apascenta e nenhuma vez tosquia e ordenha… Ai daquele que não apascenta nenhuma vez e tosquia e ordena três ou mais vezes…ele é um dragão ao lado da arca do Senhor que não possui mais que aparência e não a verdade”(vol. 2, 918).
         O teólogo Joseph Ratzinger explica o sentido deste tipo de denúncias proféticas:” O sentido da profecia reside, na verdade, menos em algumas predições do que no protesto profético: protesto contra a auto-satisfação das instituições, auto-satisfação que substitui a moral pelo rito e a conversão pelas cerimônias” (Das neue Volk Gottes,  Düsseldorf 1969, p. 250, existe tradução português).
         Ratzinger critica com ênfase a separação que fizemos com referencia à figura de Pedro: antes da Páscoa, o traidor; depois de Pentecostes, o fiel. “Pedro continua vivendo esta tensão do antes e do depois; ele continua sendo as duas coisas: a pedra e o escândalo… Não aconteceu, ao largo de toda a história da Igreja, que o Papa, simultaneamente, foi o sucessor de Pedro, a “pedra” e o “escândalo”(p. 259)?
         Aonde queremos chegar com tudo isso? Queremos chegar ao reconhecimento de que a igreja- instituição de papas, bispos e padres, é feita de homens que podem trair, negar e fazer do poder religioso negócio e instrumento de autosatisfação. Tal reconhecimento é terapêutico, pois nos cura de toda uma ideologia idolátrica ao redor da figura do Papa, tido como praticamente infalível. Isso é visível em setores conservadores e fundamentalista de movimentos católicos leigos e também de grupos  de padres. Em alguns vigora uma verdadeira papolatria que Bento XVI procurou sempre evitar.
         A crise atual da Igreja  provocou a renúncia de um Papa que se deu conta de que não tinha mais o vigor necessário para sanar escândalos de tal gravidade. “Jogou a toalha” com humildade. Que outro mais jovem venha a assuma a tarefa árdua e dura de limpar a corrupção da cúria romana e do universo dos pedófilos, eventualmente puna, deponha e envie alguns mais renitentes para algum convento para fazer penitência e se emendar de vida.
         Só quem ama a Igreja pode fazer-lhe as críticas que lhe fizemos, citando textos de autoridade clássicas do passado. Quem deixou de amar a pessoa um dia amada, se torna indiferente à sua vida e destino. Nós nos interessamos à semelhança do amigo e  de irmão de tribulação Hans Küng, (foi condenado pela ex-Inquisição) talvez um dos teólogos  que mais ama a Igreja e por isso a critica.
         Não queremos que cristãos cultivem este sentimento de  de descaso e de indiferença. Por piores que tenham sido seus erros e equívocos históricos, a instituição-Igreja guarda a memória sagrada de Jesus e a gramática dos evangelhos. Ela prega libertação, sabendo que geralmente são outros que libertam e não ela.
          Mesmo assim vale estar dentro dela, como estavam São Francisco, Dom Helder Câmara, João XXIII e os notáveis teólogos que ajudaram a fazer o Concílio Vaticano II e que antes haviam sido todos condenados pela ex-Inquisição, como De Lubac, Chenu, Congar,  Rahner e outros. Cumpre  ajuda-la a sair deste embaraço, alimentando-nos mais do sonho de Jesus de um Reino de justiça, de paz e de reconciliação com Deu e do seguimento de sua causa e destino do que de simples e justificada indignação que pode cair facilmente no farisaísmo e no moralismo.

Leonardo Boff

publicado às 15:36


Sexo e confessionário

por Thynus, em 12.12.12

Tendo o corpo se tornado microscopicamente pecaminoso, tanto como receptáculo da tentação quanto como provocador dela, ocorrerá com ele o mesmo que assinalamos a respeito dos sete pecados capitais, isto é, a sexualização de todos os pecados reaparece agora como sexualização do corpo inteiro.
Nesta perspectiva, o pecado da palavra, que São Paulo colocara como um pecado específico (podendo ser contra Deus ou contra o próximo, como a blasfêmia ou a calúnia), torna-se também pecado sexual.
A sexualização dos pecados e do corpo significa, simplesmente, a preocupação cristã com todas as formas da concupiscência, visto ser esta a manifestação da fraqueza da carne, e, conseqüentemente, a preocupação está voltada para a percepção, captura e controle de tudo quanto desperte prazer. É pela via da caça ao prazer que os pecados e o corpo vão sendo sexualizados. E é pela via do prazer que a palavra passará a ser um pecado sexual. Faladas, escritas ou simplesmente pensadas em silêncio (isto é, sem comunicação), ouvidas ou lidas, estão submetidas a rigoroso exame. A peculiaridade da palavra, sob o regime da confissão, não se acha apenas no fato de haver um vocabulário sexual que precisa ser usado com moderação e através dos eufemismos, e sim no fato de que toda e qualquer palavra, dependendo de quem a usa, como, quando e por que a usa, estar investida de prazer sexual. Donde, em muitas ordens religiosas, a obrigatoriedade do voto de silêncio. Mas o espantoso da palavra, descoberta que o confessor hábil consegue produzir no penitente, é que a pronunciamos sem saber o que dizemos e que ela nos faz dizer o que não suspeitávamos existir em nós (um dia, isso receberá nome: inconsciente e retorno do reprimido).
A confissão é o corpo e o mundo postos sob suspeita; mas a palavra é ainda acrescida de outro atributo: é reveladora e por isso mesmo perigosa.
Uma síntese da suspeição-revelação e de seu perigo, ligado ao conhecimento e à diminuição da censura, aparece admiravelmente no romance de Umberto Eco, O Nome da Rosa, no qual o crime, a suspeita, o pecado, o poder e a queda estão distribuídos à volta de um centro, um local feito apenas de palavras: a biblioteca. E o livro proibido, aquele que entre todos os da biblioteca ninguém poderá ler, os que o fizeram tendo sido assassinados, é um livro de elogio ao riso à alegria, ao humor e à graça. Nesse romance, as meditações de Santo Agostinho sobre o pecado da curiosidade ligado diretamente ao conhecimento intelectual e inconscientemente ao prazer sexual constitui uma das tramas da narrativa: ler e escrever são janelas e portas preferenciais do Diabo, por isso a biblioteca não tem janelas e sua única porta é guardada a chaves, antecedida por um corredor onde jazem ossadas. E o guardião do livro proibido, que para protegê-lo assassina, é cego.
Porém, o quadro confessional ainda não está completo.
Nas Confissões, perplexo e atormentado, Santo Agostinho escrevia que todos os esforços de controle da vontade, realizados durante a vigília, eram inteiramente perdidos durante o sono: sonhava pecados.
Assim, à lista dos pecados e de suas ocasiões, o confessor acrescentará os sonhos. Quando nosso corpo e nossa alma relaxam para o descanso, melhor oportunidade dão ao demônio para infiltrar-se sem que haja como combatê-lo e vencê-lo. Donde as regras que serão estabelecidas para diminuir o risco de sonhar: as preces antes de adormecer (para as crianças, a invocação do Anjo da Guarda), a frugalidade da refeição vespertina (o que mostra a relação entre gula e sexo), o cuidado com os divertimentos noturnos para que não deixem a alma preparada para a infiltração demoníaca (donde a recomendação da leitura de vidas de santos, dos livros de oração, da Bíblia; a reticência religiosa face aos bailes e festas noturnas; aregulamentação das ocasiões em que a relação sexual conjugal pode acontecer), e o elogio, levado ao máximo no protestantismo, do trabalho, pois ”mente desocupada, oficina do diabo” (o que mostra a relação entre preguiça e sexo).


A confissão é, poderíamos dizer, uma técnica da fala. O confessor atua num crescendo: indaga inicialmente se houve ato pecaminoso ou intenção pecaminosa; sendo afirmativa a resposta, indaga: houve deleitação?, pois a falta é maior em caso de prazer. Afirmativa a resposta, indaga quais os órgãos que se deleitaram (a falta variando de gravidade conforme os órgãos de prazer), quanto tempo durou a deleitação (a gravidade da falta sendo proporcional ao tempo de prazer), quantos se envolveram nela e onde aconteceu (havendo uma codificação do pecado conforme o número de participantes e os locais). Por fim, o confessor indaga se o penitente está arrependido, pronto para a contrição verdadeira e para não mais pecar. Exige, portanto, que o pecador diga a verdade sobre a sexualidade e que essa verdade, através do ato de contrição ou do arrependimento, atue sobre o comportamento futuro, modificando o ser do penitente. É na exigência da modificação que o controle melhor manifesta o papel da repressão sexual: não se trata apenas de proibir atos, palavras e pensamentos, mas de conseguir que outros venham colocar-se no lugar dos pecaminosos.
Algo também é exigido do próprio confessor, posto que é um ser humano, apesar da graça santificante recebida pelo sacramento da Ordem: não deve pecar ao ouvir a confissão. Esse risco existe se o confessor sentir prazer no que ouve, fantasiar a partir do que escuta, tornar-se cúmplice involuntário do penitente, fazendo-o alongar a fala e detalhar o próprio prazer. O risco da confissão para o confessor foi admiravelmente descrito pelo romancista Eça de Queiroz num romance intitulado O Crime do Padre Amaro.


(Marilena Chaui – “Repressão Sexual”)

publicado às 08:23


"O que há-de ser de mim?"

por Thynus, em 07.12.12
É um poema comovente. De António Nobre. Ao Papa Leão XIII. Foi seleccionado por Eugênio de Andrade para a sua Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa. Diz assim:

"Ó Padre Santo! Meu Irmão! Ó meu amigo
Do velho mundo antigo
- Dá-me consolação, e prova-me que há Deus; 
Resolve-me a equação estrelada dos céus;
Admite-me ao Conselho amigo dos Cardeais:
Deixa-me ler, também, na letra dos missais!
Muito que te contar! Não conheces o mundo?
Nunca desceste, Padre!, a esse poço profundo?
Metido nessa cela ideal do Vaticano,
Há quanto tempo tu não vês o Oceano?
Nunca viste um bordel! Sabes o que é a desgraça?
Ouviste acaso o 'pschut'! delas, a quem passa?
Sabes que existem, dize, as casas de penhores?
No teu palácio, há, porventura, amores?
Viste passar, acaso um bêbado, na rua?
Já viste o efeito que na lama imprime a lua?
Ouve: tiveste já torturas de dinheiro?
Já viste um brigue no mar? Já viste um marinheiro?
Que ideia fazes tu das crenças dos rapazes?
Já viste alguém novo, Padre? Que ideia fazes,
Santo Leão!, do Boulevard dos Italianos?
Recordas com saudade os teus vinte e três anos?
Ó Leão XIII! Ó Poeta, essa é a minha idade!,
Como tu vês, estou na flor da mocidade!,
Ainda não contei metade de cinquenta.
Começa-me a nascer a barba, o mundo tenta
A minha alma: ah, como é lindo esse Demónio!
Nasci em Portugal, chamo-me António; / (...)
Em pequenino, Padre, ajoelhado na cama,
A erguer as mãos a Deus, ensinou-me a minha ama;
Sabia de cor mil e trezentas orações,
Mas tudo esqueci no mundo aos trambolhões...
Nossa Senhora te dirá se isto é assim!
- O que há-de ser de mim?"

É isso. Se os que se dizem amigos e representantes de Cristo na terra soubessem do mundo em toda a sua crueza, não dariam a mão à jovem que, desesperada, abortou? Se fizessem ideia de que o ser humano é um ser histórico e que há amores que morrem e que ninguém pode ser obrigado a viver num inferno, fechariam as portas ao homem ou à mulher que,depois de um divórcio, quiseram retomar na dignidade a vida com outro alguém? Se fosse preciso negar a mesa dos sacramentos de Jesus, então que fosse aos exploradores dos pobres e aos fabricantes de guerras, mas não aos que sufocam na solidão. Se soubessem das pulsões que palpitam num corpo jovem, haveria a compreensão que cura, e o seu discurso não se enrolaria em preservativos, mas dialogaria sobre a dignidade de corpos conscientes e livres e incentivaria a educação aberta para a sexualidade. Se soubessem do deserto que atravessa a existência de tantos, haviam de colocar no centro das preocupações da Igreja as reais aspirações da humanidade pelo sentido da vida e pela procura do Deus vivo e não as fórmulas dogmáticas ou o direito canónico, o anúncio do Deus que liberta e não do Deus que ridiculariza e oprime, a reconsideração do celibato, que, enquanto lei, é contra o Evangelho, bem como da confissão, que, em vez de ser o espaço do perdão misericordioso de Deus, tem sido, tantas vezes, na sua prática concreta, o lugar da violência inquisitorial do mais íntimo das pessoas, com o risco de violação dos direitos humanos... Se soubessem de beleza, as liturgias haviam de explodir em alegria e festa.
Então, até Nietzsche havia de vir, pois foi ele que escreveu que "só acreditaria num deus que soubesse dançar". E António Nobre havia de ver resposta para a sua dor: "O que há-de ser de mim?"

(Anselmo Borges - "Janelas do (In)Visível")

publicado às 20:12

A Igreja sempre se considerou com o direito de intervir na coisa pública. Esse direito é legítimo. Por duas razões: sendo uma grandeza da sociedade, a Igreja pode e deve ter uma palavra a dizer no que se refere à realidade política, social, económica... Por outro lado, e sobretudo, o Evangelho não permite que a Igreja, ao contrário da vontade de muitos, seja encurralada na esfera do meramente privado, por outras palavras, no espaço das sacristias. O Evangelho, embora exija a autonomia das realidades terrestres, transporta necessariamente consigo consequências nos domínios do político, do social, do económico... E a Igreja tem não só o direito mas também o dever de intervir nesse campo, em nome da dignidade inviolável da pessoa humana e, conse-quentemente, dos seus direitos inalienáveis.
Mas há agora um fenómeno novo. Este fenómeno novo consiste em que também a sociedade civil considera ter o direito e o dever de se pronunciar sobre temas que a Igreja julgava pertencerem ao seu domínio exclusivo, ou seja, à esfera da sua vida interna, de tal modo que seria abusivo alguém intrometer-se nesse campo. Exemplos desta intervenção são os debates da opinião pública em geral, portanto, incluindo pessoas que nem sequer são membros da Igreja, sobre questões como a liberdade na Igreja, a igualdade da mulher na Igreja, o celibato dos padres... Fundamenta-se este direito de intervenção no facto de se tratar de questões de humanidade, que, por isso mesmo, não são da competência exclusiva da Igreja e podem e devem ser discutidas por todos os homens.
Devido inclusivamente a uma série de escândalos que, nos últimos tempos, causaram enorme perplexidade, a opinião pública tem-se tornado particularmente sensível à questão do celibato enquanto lei (sublinhe-se: enquanto lei). Muitos homens e mulheres, tanto fora como dentro da Igreja, sensíveis ao Evangelho, à dignidade e à liberdade, interrogam-se sobre a legitimidade da lei do celibato. Poderá a Igreja impor como lei aquilo que o Evangelho entrega à liberdade?
Parece não haver dúvidas: enquanto continuar o celibato como lei, a Igreja estará sob o fogo da suspeita. Por isso, a Igreja talvez não fizesse mal em ouvir alguns dos seus membros melhores, mais lúcidos, empenhados e competentes. Herbert Haag, por exemplo, o famoso exegeta da Universidade de Tubinga, declara expressamente que a lei do celibato contradiz o Evangelho. Bernhard Haering, o célebre renovador da teologia moral, exprimiu a opinião segundo a qual o celibato enquanto lei pode ser desumano e é contra o Evangelho. Ora, estas vozes são tanto mais significativas quanto provêm de pessoas que, quando se pronunciaram, nem sequer eram parte interessada: para lá do mais, tanto um como o outro eram professores jubilados e preparavam-se para morrer com dignidade.
A Igreja não tem que ter medo nem existe para salvaguardar o poder. O seu lema só pode ser o do Evangelho: "a verdade libertar-vos-á, a verdade far-vos-á livres".

Se houver anjos, até eles cobriram o rosto com vergonha. De facto, os relatórios chegados ao Vaticano desde 1995 sobre os abusos sexuais de padres com religiosas, e agora apresentados pela prestigiada revista católica norte-americana National Catholic Repórter, são demolidores. Trata-se de cinco relatórios elaborados por religiosas de várias congregações e um padre norte-americano. São referidos concretamente vinte e três países dos vários continentes, mas com predomínio para a África. Contam como, em troca de favores, padres querem sexo; como sobretudo em África, onde a SIDA alastra, as freiras jovens são solicitadas por constituírem, em princípio, baixo risco para relações sexuais; como sacerdotes engravidam religiosas e as aconselham a abortar.
Um dos relatórios mais pormenorizados é o da irmã Maura O'Donohue, médica e membro da Ordem das Missionárias Médicas de Maria. "Com grande tristeza", escreveu, "as irmãs informaram-me que os sacerdotes as exploram sexualmente porque eles também temem ficar infectados pela SIDA". Num determinado país, perante a recusa da proposta de um grupo de sacerdotes a solicitar que numa comunidade as irmãs fossem postas à sua disposição, eles explicaram que não teriam outro remédio senão ir à cidade à procura de mulheres, com a consequente possibilidade de contrair SIDA. À secretária do cardeal espanhol Eduardo Martínez Somalo, prefeito da Congregação para a Vida Religiosa, chegou documentação dramática, apontando casos concretos. Num país africano, o bispo local dissolveu a direcção de uma congregação diocesana, após a queixa de que 29 das irmãs tinham engravidado em contacto com sacerdotes. Num outro caso, o sacerdote que levou uma religiosa a abortar presidiu, após o seu falecimento na operação, ao funeral.
Que nalguns países o celibato não seja considerado um valor espiritual e sobretudo a posição de inferioridade da mulher na sociedade e na Igreja serão algumas das razões explicativas de algumas religiosas não recusarem favores sexuais a um clérigo. Diz o relatório da irmã Mary MacDonald (O Problema do abuso das religiosas africanas na África e em Roma), elaborado em 1998: "Estes homens são vistos como figuras de autoridade que devem ser obedecidos". De qualquer forma, em princípio a situação das religiosas que engravidam acaba por ser mais dramática e dolorosa do que a do padre: em geral, são expulsas da congregação, tendo de criar os filhos a maior parte das vezes sozinhas, havendo inclusivamente casos em que a única saída poderá ser ir para a rua como prostitutas.
Diz-se que, quando leu os relatórios pela primeira vez, o cardeal Martínez Somalo chorou amargamente. Perante abusos degradantes e tragédias pessoais, tinha razões para isso. E haverá sanções adequadas, que, como está previsto no Código de Direito Canónico, podem chegar à secularização ou redução ao estado laical dos sacerdotes.
Esquece-se, porém, a raiz do problema. O Evangelho manifesta compreensão para com o pecador, todos os pecadores. Mas aqui o que está em questão é, antes de mais, o sistema e a sua inverdade. Contra a vontade de Jesus, a Igreja foi transformada numa instituição com duas classes - clero e leigos - e impôs-se o celibato como lei aos padres. Deste modo, há o risco real de tudo continuar na mesma enquanto não houver a coragem evangélica de acabar com a lei do celibato, entregando-o à liberdade. E precisamente da liberdade também nasce a entrega generosa: com a notícia destes escândalos e ignomínias apareceu uma outra: ao longo dos últimos dez anos mais de 600 missionários foram assassinados, isto é, deram testemunho do Evangelho, isto é, da dignidade livre e da liberdade na dignidade, até à morte.

(Anselmo Borges - "Janela do (In)Visível")

Bishop Of Arundel Kieran Conry seen leaving his home in Kent and out shopping at his local waitrose with a mystery woman
 


HYPERLINKS:
* Celibato e pedofilia: o rei vai nu!
*Há correlação entre celibato e pedofilia?
* A sexualidade é uma espécie de patologia do cristianismo e da Igreja
* Entre a batina e a aliança
* Sexo e Contradições na Igreja Católica
*Sexo e confessionário
* Celibato obrigatório, o veneno que asfixiou a Igreja romana
* A Hipocrisia do Celibato Católico Romano
* O Calvário Vergonhoso da Igreja Romana
* Pedofilia e Igreja romana: O problema é do celibato imposto?
* Bispo inglês renuncia após revelar relacionamento amoroso com uma mulher casada seis anos atrás

publicado às 20:55

 

A sexualidade e o prazer sempre esteve muito próximo da Igreja, assim como uma extensa gama de implicações das duas realidades íntimas do elemento humano. São poucos os que duvidam de que a sexualidade na Igreja não tem credibilidade e que haja conflito a respeito. A sexualidade é uma espécie de patologia do cristianismo e da Igreja, para tanto basta mencionar o celibato (solteirismo) obrigatório dos presbíteros (que refuta a tradição e o princípio da autoridade, os jejuns, o Purgatório, os votos monásticos. Lutéro em rebeldia sacrílega destruia todas as crenças que constituía a alma da Idade Média), a valorização moral dos métodos de controle da natalidade e o trato pastoral aos divorciados que voltaram a se casar e seus filhos, o casamento de homossexuais, etc., a influência do estoicismo que só aceita o prazer sexual quando orientado para a procriação, o dualismo platônico, entendendo que o corpo é o cárcere da alma, o néo-platonismo com verdadeiras aberrações, além de assuntos não inerentes ao cotidiano religioso e que foram preocupações de Agostinho, Clemente de Alexandria, Tomás de Aquino e outros, além do ascetismo e a castidade como meios privilegiados para alcançar a vida pura e mais apta à contemplação.

Anedoticamente podemos contar o que se passava com uma personagem de Gabriel Garcia Márquez, que devia abster-se de toda relação sexual no domingo para comemorar a ressurreição de Cristo; segunda-feira, por ser consagrada aos mortos; quinta-feira por comemorar a paixão de Jesus; sexta-feira, por comemorar sua morte e o sábado, para honrar a Virgem. Terças e quarta-feiras ganhava o consentimento para a prática sexual. Parecia haver aí o dedo de Wilhelm Reich, que pretendia chegar à total superação de toda repressão sexual para encontrar desse modo o chamado “homem natural”.
A discussão sobre o celibato dos padres é deveras curioso. Não se pode  esquecer o romance entre a freira Lucrezia Buti e o pintor renascentista Fra Filippo Lippi (1406-1469). Em 1421, depois de fazer seus votos de monge carmelita no monastério de Santa Maria del Carmine, em Florença, Lippi descobriu sua vocação para a pintura e isto após interessar-se pelos afrescos de Masaccio (1401-1428) da capela local. Financiado pela família Médici, o artista executou trabalhos para conventos e igrejas. Em 1456, enquanto pintava no convento de Santa Margherita, em Prato, apaixonou-se pela freira Lucrezia. Esta posou  para um quadro do pintor como uma Madonna (em italiano: minha senhora!). O relacionamento escandaloso de ambos não foi oficializado até 1461, quando o papa Eugene, amigo de Lippi, o liberou de seus votos. O casal teve dois filhos, Alessandra e Filippino (1457-1504) que tornou-se pintor como o pai.
Na Igreja brasileira constam inumeros casamentos de religiosos. Este assunto mexe nos dias de hoje com a Igreja. No episódio em que Eva, a primeira mulher, desobedece a Deus e morde a fruta da árvore proibida, há metaforicamente uma reflexão sobre as conseqüências das escolhas que as pessoas fazem pela vida afora.

(Albertino Aor da Cunha – “A Mentira Nua e Crua”)

publicado às 20:32


Entre a batina e a aliança

por Thynus, em 05.12.12


Edlene Silva conta em livro a conturbada trajetória da abstenção sexual desde a Idade Média à criação do Movimento de Padres Casados


Entre a batina e a aliança existem milhares de homens de fé tentados pelo desejo. Só no Brasil, estima-se que pelo menos quatro mil padres deixaram a função sacra para casar e ter uma família. Pesquisa da Universidade de Brasília revela que a dificuldade de se mant
er casto diante do afloramento da sexualidade sempre existiu entre sacerdotes, desde a Idade Média. “A história mostra que celibato é uma prática insustentável”, afirma Edlene Silva.


A pesquisadora conta a conturbada trajetória do celibato, desde a sua criação pela igreja no século XII à recente fundação do Movimento de Padres Casados, na década de 1970, no livro Entre a Batina e a Aliança: Sexo, Celibato e Padres Casados. A publicação, fruto de uma tese de doutorado defendida em 2008, no Departamento de História, chega às mãos dos leitores às 18h desta quarta-feira, 30 de março, na livraria Sebinho, na Quadra Comercial 406, da Asa Norte.


A professora Edlene investigou a questão da abdicação do celibato entre sacerdotes. Para isso, ela investigou a institucionalização do Movimento de Padre Casados no Brasil, fundado em 1979 no Rio de Janeiro. “Na década de 1970, eram 30 casais. Hoje são milhares de padres em todo o país”, observa. “Busquei compreender como esse movimento se formou e quem são essas pessoas que vivenciam o conflito de largar a batina para se casar”, completa a professora.


Antes de chegar aos dias de hoje, a pesquisadora baiana buscou as raízes do celibato, que se tornou obrigatório para o clero latino no século XII. Ela encontrou evidências de que, desde a sua criação, a abstenção sexual de padres sempre esteve rodeada de conflitos, violência e dramas pessoais. “O concubinato (união entre casais não formalizada pelo casamento religioso) foi o crime mais cometido na igreja tanto na Idade Média como na Idade Moderna. Uma resposta a uma imposição”, conta.


A pesquisadora avalia a obrigatoriedade do celibato como uma demonstração de força e uma forma de diferenciar o clérigo das pessoas comuns. “Em meados do século XVI, com a Reforma Protestante, o celibato foi radicalizado e reforçado como uma resposta da igreja aos questionamentos de Lutero”, conta. “Foi nesse período de conflitos, em que a Inquisição perseguia fortemente o concubinato, que a igreja abriu os primeiros seminários para formação dos chamados homens santos”, observa.


O concubinato só veio a ser debatido publicamente pela igreja no início da década de 1960, com o Concílio Vaticano Segundo. Na época, a pressão social pelo desligamento de padres casados ilegalmente e ainda em atividade levou a instituição a autorizar a concessão de licença para os sacerdotes que desejassem abdicar da atividade como padre para se casar na igreja. “Houve uma debandada geral de padres em todo mundo, o que revelou um problema escondido pela repressão”, avalia.


CRISE – A perda de padres para o casamento levou o papa João Paulo II a endurecer a postura da igreja diante do concubinato. “Apesar de não proibir a prática, a igreja classificava os dissidentes como infelizes, imorais, infiéis e doentes”, relata Edlene. A postura rígida continuou após a morte de João Paulo II, em 2005, e permanece até os dias de hoje na figura do papa Bento XVI. “Ele é um dos mais duros em relação ao celibato”, afirma. “Entraves para a concessão da licença, que chega a levar 15 anos para sair, e críticas ao sexo mesmo no casamento são comuns no Vaticano”.


E é nesse contexto de crise que o Movimento dos Padres Casados do Brasil se encontra. “A história desses homens revela a necessidade de se debater um tema que ainda é visto como tabu e, sob o meu ponto de vista, mostra-se insustentável”, afirma Edlene. Segundo ela, apesar de largar a batina para se casar, a grande maioria deles ainda se considera padre. “O casamento não desfaz os vínculos com a igreja e com a fé”, conta ela, que chegou a encontrar padres que rezavam missas clandestinamente.


Pela falta de material de pesquisa sobre o assunto, Edlene buscou informações em registros encontrados em jornais, revistas, internet e em entrevistas com líderes do movimento. “É um tema muito pouco pesquisado, mas creio que o livro permite ao leitor fazer seu julgamento sobre o olhar que lancei sobre a história”, avalia ela.

publicado às 14:20


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