Para mim, há uma nítida relação entre a adúltera e o suicida.
Aquela que trai e aquele que se mata estão fazendo um
julgamento do mundo.
(Nelson Rodrigues, em A MENINA SEM ESTRELA)
Este livro é escrito sob o espírito da adúltera. A mulher que representa a condição humana como escrava do desejo. Que experimenta o tédio miserável da carne. Que conhece a tristeza da cobiça. Que sente o peso do abandono e da mentira social. Que peca como respira. Que é bela como uma miserável. Que realiza a vocação mais antiga da mulher. Que reconhece o quanto se perde em si mesma e como é autodestrutiva. Mas que, ainda assim, não consegue deixar de abrir as pernas para o homem que não é seu marido, que chupa seu sexo engolindo o desejo líquido que brota dele, traindo a confiança de seu marido infeliz e de seus filhos, e que assim se faz representante de toda a humanidade em sua miséria. Deus ama a adúltera e pede a ela que reze por nós. Nelson sabia disso muito bem.
Eis o que quero dizer: vou me repetir, mas, sem minhas repetições, sou um nada. Claro que estou citando o Nelson. Este livro é um misto de filosofia e jornalismo, e jornalismo é muitas vezes redundância, porque se sabe que o leitor é sempre um coitado, como todos nós, um efêmero. E a filosofia é a arte de tornar a vida um espanto. E o espanto precisa sempre se repetir para fazer efeito.
E mais: volto à adúltera. Não existe mulher mais desgraçada.
(Luiz Felipe Pondé - A Filosofia da Adúltera: ensaios selvagens)