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“Os velhos mestres repudiam o realismo.”
Otto Maria Carpeaux
 
É urgente sobrevivermos ao ridículo do mundo contemporâneo. E, para sobreviver a ele, devemos desprezá-lo de alguma forma, como dizia o mestre Carpeaux (maior intelectual que já viveu entre nós no Brasil) acerca do realismo. Segundo ele, como cito na abertura deste capítulo, os grandes mestres repudiam o realismo. A verdadeira sabedoria passa, em algum momento, pelo desprezo do mundo a sua volta.
Em mil anos seremos esquecidos. Nossa época não ocupará mais do que um parágrafo nos livros de História no futuro. Passarão da bomba atômica – que verão com bons olhos porque terão recuperado a consciência dos verdadeiros riscos do mundo (sem a bomba atômica a guerra no Japão teria durado, no mínimo, mais um ano e mais gente teria morrido; só os idiotas da paz não entendem isso), ao contrário de nós, que nos afogamos em mimos de gente rica e chique que falam de um mundo melhor enquanto tomam vinho chileno em segurança – para as grandes trevas do final do século XXI, causadas por nossas manias com saúde, luxo, alimentação, sexualidade (aquilo que os picaretas das Ciências Humanas chamam de “gênero”), opções sexuais, democracia, direitos humanos, liberdade e narcisismo. A Idade Média perderá seu título de era das trevas e nós receberemos essa maldição. Lembrarão de nós como mimados, ressentidos e covardes. Rirão de nosso apego ao voto democrático e de nossa fé em manifestações do povo. Ouvirão falar vagamente de nossas redes sociais e de nossa crença em seu potencial revolucionário, como hoje ouvimos falar, com desdém, da crença antiga no poder de se ler o futuro nas entranhas dos animais. Aliás, a própria ideia de revolução será vista como uma forma de animismo. Levarão mais a sério os gregos, romanos e hebreus, porque verão neles povos que buscavam o conhecimento, e não suas próprias imagens no rosto do universo.
Uma agenda para o contemporâneo é um ato de coragem. Sua missão é nos fazer ver quem somos numa época afogada em narcisismo. Assim como quem atravessa o deserto, sem água e comida, alguns de nós, contemporâneos, que não desistimos do fardo animal de nossa consciência, apontaremos o dedo indicador em direção ao horizonte, acreditando que pensar, trabalhar, falar e escrever ainda são as melhores formas de resistir ao nosso abandono na Terra. Continuaremos a retirar o sentido das pedras, como antes de nós faziam nossos patriarcas pré-históricos, porque ele não habita nenhum outro espaço a não ser o das nossas entranhas. Ofereço esta agenda a todos que, como eu, estão fugindo das modas de um mundo viciado em seus ridículos fantasmas de sucesso. Assim como Freud traiu nossa falsa inocência infantil, pretendo trair nossa mediocridade.
 
(Luiz Felipe de Cerqueira e Silva Pondé - A Era do Ressentimento)

publicado às 17:02



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