Nada existe de mais perigoso do que o fanatismo.
(Voltaire)
Todos nós cremos em muito mais coisas do que pensamos, abrigamos intolerâncias, cultivamos prevenções sangrentas e, defendendo nossas ideias com meios extremos, percorremos o mundo como fortalezas ambulantes e irrefragáveis. Cada um é para si mesmo um dogma supremo; nenhuma teologia protege seu deus como nós protegemos nosso eu; e este eu, se o assediamos com dúvidas e o colocamos em questão, é apenas por uma falsa elegância de nosso orgulho: a causa está ganha de antemão.
Como escapar ao absoluto de si mesmo? Seria preciso imaginar um ser desprovido de instintos, que não portasse nenhum nome e a quem fosse desconhecida sua própria imagem. Mas tudo no mundo nos devolve nossos traços; e a própria noite nunca é bastante espessa para impedir que nos miremos.
Demasiado presentes a nós mesmos, nossa inexistência antes do nascimento e depois da morte só influi sobre nós como ideia e apenas alguns instantes; sentimos a febre de nossa duração como uma eternidade falsificada, mas que, entretanto, permanece inesgotável em seu princípio.
Está ainda por nascer quem não se adore a si mesmo. Tudo o que vive se aprecia; de outro modo, de onde viria o pavor que faz estragos nas profundidades e nas superfícies da vida? Cada um é para si o único ponto fixo no universo. E se alguém morre por uma ideia, é porque é sua ideia, e sua ideia é sua vida.
Nenhuma crítica de nenhuma razão despertará o homem de seu “sono dogmático”. Poderá abalar as certezas irrefletidas que abundam na filosofia e substituir as afirmações rígidas por outras mais flexíveis, mas como, por um método racional, conseguirá sacudir a criatura, adormecida sobre seus próprios dogmas, sem fazê-la perecer?
(EMIL CIORAN - BREVIÁRIO DE DECOMPOSIÇÃO)