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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
O amor é um sentimento e, enquanto tal, é difícil de descrever. Sendo a fonte e a razão da vida (uma vida com amor tem muito mais sabor e côr), muitas e muito divergentes podem ser as definições de amor. Definir frio e calor, fome e sede, saúde e doença é facil, mas, sendo o amor um sentimento tão íntimo e peculiar, torna-se complicado para nós humanos dar uma definição abrangente do Amor. Para entendê-lo somos quase que forçados a recorrer a três dimensões do amor sugeridas por três grandes mestres espirituais: Eros (Platão), Philia (Aristóteles) e Ágape (Jesus Cristo). Poderíamos talvez dizer que o ser humano não precisa de amor, mas de amores. Precisa sim de três: Ágape, Eros e Philia, para que seja um ser (quase) completo. Completo como um ente único manifestando três aspectos do amor humano e divino que se complementam e são transferidos para os objetos desses amores, interagindo com outros entes também únicos.
Platão, no diálogo O Banquete, define o amor como Eros que podemos traduzir como desejo ou falta.(1) Amor na ausência ou falta. Quem nunca ouviu a expressão "amor platónico"?
"Afinal, amamos mesmo o que desejamos. E não há quem não deseje. O que lhe faz falta, claro. Amor pela cunhada, por exemplo. Pelas metas e resultados a alcançar. Pelo lucro esperado. Pela fatia de mercado que ainda teima em ser do concorrente.(Veja como Clóvis Barros Filho define "Eros" a partir de 9:22)
Na sequência, Aristóteles. Philia.(2) Amor na presença, desta vez. Pelo que já é nosso. Pelo encontro vivido. Pelo que alegra (philia é alegria). Pelo regozijo. Amor mais raro que o primeiro, certamente. Afinal, ir atrás do que se deseja é movimento de qualquer um. Mas conseguir se alegrar com a mesma mulher um quarto de século depois do matrimônio, aí, sim, já exige um pouco de sofisticação. De elevação. Não por acaso o filósofo Baruch Spinoza definiu a alegria como "passagem ao estado de maior potência do próprio ser", sendo a tristeza "passagem ao estado de menor potência do próprio ser". Enquanto o amor de Platão é amor na ausência (desejo) do ser amado, contrariamente, para Aristóteles, é amor na presença.(Veja como Clóvis Barros Filho define "Philia" a partir de 23:30)
Faltava um terceiro amor. Os dois primeiros foram rápidos demais. Ágape, claro. Por que não tinha pensado antes? Minha salvação. Amor muito diferente dos dois primeiros. Amor pelo próximo. Por qualquer um. Por isto mesmo não se confunde nem com o desejo nem com a alegria de quem ama.
Afinal, não desejamos qualquer um – hum, depois de uma certa idade, não sei não. Tampouco nos alegramos com qualquer um. Como seria boa a vida e a convivência se assim fosse. Mas no mundo que nos cabe viver, o que mais tem é mala, convenhamos.
Ágape é afeto do amante, centrado no amado. Que por ele e sua alegria muito fará. Amor que faz bem a ambos. Bem demais. Confere às vidas colorido maior. Questão de descolar do próprio umbigo. Transcender o útil. Sentimento de muitos por seus filhos pequenos ajuda a esclarecer."(Veja como Clóvis Barros Filho define "Ágape" a partir de 41:36)
(Clóvis de Barros Filho - A Filosofia explica as Grandes Questões da Humanidade)
“O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei.” (Jo 15,12)
NOTAS:
(1) "É EM O Banquete QUE PLATÃO EXPÕE A VISÃO SOCRÁTICA DO AMOR. LEMBRAMOS DESSE MARAVILHOSO DIÁLOGO — O PRIMEIRO QUE EU MESMO DESCOBRI NA ADOLESCÊNCIA —, SOBRETUDO O CÉLEBRE DISCURSO DE ARISTÓFANES. O POETA EXPLICA QUE, ANTES, ÉRAMOS FORMADOS APENAS DE UM CORPO DUPLO. OS MACHOS TINHAM DOIS SEXOS MASCULINOS, AS FÊMEAS, DOIS SEXOS FEMININOS, E OS ANDRÓGINOS, UM SEXO DE CADA GÊNERO. INFELIZMENTE, ZEUS DECIDIU CORTAR EM DOIS NOSSOS DISTANTES ANCESTRAIS. DESDE ENTÃO, PROCURAMOS INCESSANTEMENTE NOSSA METADE, QUE, QUALQUER QUE SEJA NOSSO SEXO, PODE SER HOMEM OU MULHER, SEGUNDO A NATUREZA DE NOSSA DUPLA ORIGEM. PARA ARISTÓFANES, ESSA BUSCA É JUSTAMENTE O QUE CHAMAMOS DE AMOR. O AMOR É O DESEJO DE ENCONTRAR NOSSA UNIDADE ORIGINAL PERDIDA. E ELE OFERECE A MAIOR FELICIDADE QUANDO NOS PERMITE reencontrar nossa metade e restaurar nossa plena natureza.
O AMOR É MESMO O DESEJO DE ALGO QUE NOS FALTA. É O MOTIVO PELO QUAL O AMOR NÃO PODE SER DIVINO: OS DEUSES NÃO SENTEM FALTA ALGUMA! “O QUE NÃO TEMOS, O QUE NÃO SOMOS, AQUILO DE QUE SENTIMOS FALTA: SÃO ESSES OS OBJETOS DO DESEJO DO AMOR”, EXPLICA SÓCRATES ( O Banquete, 200E). PARTINDO DESSA CONSTATAÇÃO, O FILÓSOFO VAI FALAR DO AMOR, EVOCANDO OUTRO MITO, O DE EROS. E, COISA BASTANTE RARA, QUE VALE SUBLINHAR, ELE PRETENDE TER RECEBIDO ESSE ENSINAMENTO DE UMA MULHER: DIOTIMA. ESSA MULHER DE MANTINEIA LHE ENSINOU QUE O AMOR, NÃO PODENDO SER UM DEUS, FEZ-SE UM daimon, UM MEDIADOR ENTRE OS DEUSES E OS HOMENS. SEMPRE INSATISFEITO, SEMPRE EM MOVIMENTO, SEMPRE EM BUSCA DE SEU OBJETO, SEMPRE MENDIGANDO, EROS LEVA OS HOMENS A DESEJAREM COISAS TÃO DIVERSAS COMO A RIQUEZA, A SAÚDE, AS HONRARIAS, OS PRAZERES DOS SENTIDOS ETC. MAS, EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, O QUE ELES DESEJAM ACIMA DE TUDO É A IMORTALIDADE. É O MOTIVO PELO QUAL ELES FAZEM FILHOS E CRIAM OBRAS, QUER DE ARTE, QUER DO ESPÍRITO. APESAR DE TUDO ISSO, CADA UM SABE NO FUNDO DE SI MESMO QUE A MORTE PERMANECE UMA REALIDADE INCONTORNÁVEL, E QUE NEM O AMOR DE NOSSOS FILHOS NEM O DE NOSSAS OBRAS jamais nos levará a uma felicidade durável." ((Frédéric Lenoir - Sócrates, Jesus, Buda, três mestres de vida)
(2) "MUITO ANTES DE JESUS, ARISTÓTELES, BRILHANTE DISCÍPULO DE PLATÃO, JÁ HAVIA FEITO EVOLUIR A NOÇÃO DE AMOR. PARA ELE, O AMOR NÃO É APENAS DESEJO. ELE TAMBÉM PODE SE MANIFESTAR NA AMIZADE QUE PERMITE AOS SERES HUMANOS SE ALEGRAREM JUNTOS NUMA PARTILHA RECÍPROCA. SOBRE ESSE AMOR DE AMIZADE, QUE ELE CHAMA DE philia, PARA DIFERENCIÁ-LO DE eros, ARISTÓTELES NÃO HESITA EM AFIRMAR QUE ELE CONSTITUI, COM A CONTEMPLAÇÃO DIVINA, A MAIS NOBRE ATIVIDADE DO HOMEM, AQUELA QUE LHE PERMITE SER VERDADEIRAMENTE FELIZ ( Ética a Nicômaco). ESSA VISÃO NÃO RESTRINGE ABSOLUTAMENTE A VISÃO SOCRÁTICA, MAS A COMPLETA: SEM CHEGAR À CONTEMPLAÇÃO DIVINA, O AMOR HUMANO PODE DESABROCHAR NO PRAZER E NA ALEGRIA; ELE NÃO É MAIS APENAS UMA PULSÃO, UM DESEJO FUNDAMENTALMENTE AMBIVALENTE, NEM SEMPRE UMA FALTA OU INSATISFAÇÃO. ARISTÓTELES FAZ, assim, do amor uma experiência alegre e uma virtude.
JESUS DIRÁ AINDA SOBRE O AMOR UMA COISA QUE NÃO ANULA AS CONCEPÇÕES DE eros E DE philia. É POR ISSO QUE OS AUTORES DOS EVANGELHOS PROCURARÃO NA LÍNGUA GREGA UMA TERCEIRA PALAVRA PARA DESIGNAR A CONCEPÇÃO CRISTOLÓGICA DO AMOR: ágape. PARTINDO DO DISCURSO DE JESUS, ESSA palavra introduz uma nova dimensão que vai além do desejo-eros, ou da amizade-philia. Ágape é um amor no qual dominam a benevolência e o dom." (Frédéric Lenoir - Sócrates, Jesus, Buda, três mestres de vida)