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Hoje temos ampla liberdade de organização partidária e de expressão. Mas 
a rádio e a TV pertencem a grupos empresariais que as abrem pouco ao contraditório,
ao diálogo. Nossa discussão política é fraca. A manipulação do eleitorado,
pelo poder de Estado e do capital, é frequente. Os poderes constitucionais
e o quarto poder, a imprensa, entendem melhor os direitos proprietários do 
que os outros. Daí que a prioridade de nossa democratização 
esteja nos direitos políticos e nos sociais, em que mais somos deficitários.
(Renato Janine Ribeiro - A Democracia)
 
Se o ouro é a primeira potência desse mundo, a segunda é a
imprensa. Convém que os nossos presidam a direção de
todos os jornais, em todos os países. U ma vez donos
absolutos da imprensa, poderemos mudar a opinião pública
sobre a honra, a virtude e a retidão, e desfechar o primeiro
assalto à instituição familiar. S imulemos o zelo pelas
questões sociais que estão na ordem do dia. Convém
controlar o proletariado, inserir nossos agitadores nos
movimentos sociais para poder sublevá-los quando
desejarmos, impelir o operário às barricadas e às revoluções,
e cada uma dessas catástrofes nos aproximará do nosso
único fim: o de reinar sobre a Terra, como foi prometido ao
nosso primeiro pai, Abraão. E ntão, nossa potência crescerá
como uma árvore gigantesca, cujos ramos trarão os frutos
que se chamam riqueza, gozo, felicidade e poder, a fim de
compensar a condição odiosa que, por longos séculos, foi a
única sorte do povo de Israel.
Assim terminava, se bem me lembro, o relatório sobre o
cemitério de Praga.
(Umberto Eco - O Cemitério de Praga)
 
 
Montesquieu e o quarto poder
... Há muito mais a se dizer em favor da força física do público do que em favor da opinião do público. Aquela pode ser excelente. Esta última deve ser forçosamente tola. É costume dizer que força não é argumento. Isto, no entanto, depende tão só do que se queira provar. Muitos dos mais importantes problemas dos últimos séculos, como o da continuidade do absolutismo na Inglaterra, ou do feudalismo na França, foram solucionados quase que exclusivamente por meio da força física. A própria violência de uma revolução pode tornar o público sublime e esplêndido por um momento. Foi um dia fatal aquele em que o público descobriu que a pena é mais poderosa que as pedras da rua, e que seu uso pode tornar-se tão agressivo quanto o apedrejamento. Procurou imediatamente pelo jornalista, o encontrou e aperfeiçoou, e fez dele seu servo diligente e bem pago. É de lamentar por ambos. Atrás das barricadas, muito pode haver de nobre e heroico. Mas o que há por trás de um artigo de fundo senão preconceito, estupidez, hipocrisia e disparates? E esses quatro elementos, quando reunidos, adquirem uma força assustadora e constituem a nova autoridade.
Antigamente, os homens tinham a roda de torturas. Hoje têm a Imprensa. Isto certamente é um progresso. Mas ainda é má, injusta e desmoralizante. Alguém – teria sido Burke? – chamou o jornalismo de o quarto poder. Isto na época sem dúvida era verdade. Mas hoje ele é realmente o único poder. Devorou os outros três. Os Lordes temporais nada dizem, os Lordes espirituais [Membros da Câmara dos Lordes, ou dos Pares, divisão superior do Parlamento inglês. Os lordes temporais são os que ocupam o direito e a cadeira por princípios de hereditariedade; os espirituais (bispos e arcebispos) são nomeados vitaliciamente.] nada têm a dizer, e a Câmara dos Comuns nada tem a dizer e o diz. Estamos dominados pelo Jornalismo. Nos Estados Unidos, o Presidente reina por quatro anos e o Jornalismo governa para todo o sempre. Felizmente, nesse país, o Jornalismo levou sua autoridade ao extremo mais flagrante e brutal e, como decorrência lógica, começou a gerar um espírito de revolta: ou diverte ou aborrece as pessoas, conforme seu temperamento.
Mas deixou de ser a força real que era. Não é levado a sério. Na Inglaterra, o Jornalismo, com exceção de alguns poucos exemplos bem conhecidos, não tendo atingido esses excessos de brutalidade, permanece ainda um fator de grande significado, um poder realmente notável. Pareceme descomunal a tirania que ele se propõe exercer sobre nossas vidas privadas. O fato é que o público tem uma curiosidade insaciável de conhecer tudo, exceto o que é digno de se conhecer.
O Jornalismo, ciente disso, e com vezos de comerciante, satisfaz suas exigências. Em séculos passados, o público expunha as orelhas dos jornalistas no pelourinho. O que era horrível. Neste século, os jornalistas ficam de orelha em pé atrás das portas. O que é ainda pior. O mal é que os jornalistas mais culpados não estão entre aqueles que escrevem para o que se chama de coluna social. O dano é causado pelos jornalistas sisudos, graves e circunspectos que trarão, solenemente, como hoje trazem, para diante dos olhos do público, algum incidente na vida privada de um grande estadista, de um homem que é assim um líder do pensamento político como criador de força política. Convidarão o público a discutir o incidente, a exercer autoridade no assunto, a externar seus pontos de vista, e não somente a externá-los, mas a colocá-los em ação, a impô-los àquele homem sobre todos os outros argumentos, a impor ao partido e à nação dele; convidarão, enfim, o público a se tornar ridículo, agressivo e perigoso. A vida particular dos homens ou das mulheres não deveria ser revelada ao público. Este não tem nada absolutamente a ver com ela. Na França há um controle maior nesses assuntos. Lá não se permite que pormenores dos julgamentos que se realizam nos tribunais de divórcio sejam divulgados para entretenimento ou crítica do público. Tudo que se lhe permite saber é que houve o divórcio e que foi concedido a pedido de uma ou outra parte envolvida, ou de ambas. Na França, com efeito, limitam o jornalista, e concedem ao artista quase que completa liberdade. Aqui, concedemos liberdade absoluta ao jornalista e limitamos inteiramente o artista. A opinião pública inglesa, por assim dizer, procura tolher, cercear e submeter o homem que cria o Belo efetivamente, e compele o jornalista a recontar o factualmente feio, desagradável ou repulsivo; de modo que temos os mais sisudos jornalistas do mundo e os jornais mais indecentes.
Não há exagero em se falar em compulsão. Há positivamente jornalistas que têm verdadeiro prazer em publicar coisas horríveis, ou que, por serem pobres, veem nos escândalos uma fonte permanente de renda. Mas não tenho dúvidas de que há outros jornalistas, homens de boa formação e cultura, a quem realmente desagrada publicar esse tipo de assunto, homens que sabem ser errado agir assim e, se assim agem, é apenas porque as condições doentias em que exercem sua profissão os obriga a atender o público no que o público quer, e a concorrer com outros jornalistas para que esse atendimento satisfaça o mais plenamente possível o grosseiro apetite popular. É uma posição muito degradante para ser ocupada por qualquer desses homens, e não há dúvida de que a maioria deles percebe isso sensivelmente.

(Oscar Wilde - A Alma do homem sob o Socialismo)

publicado às 01:47


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