Tanto tempo já passou.
E a dor que machucou não vai embora.
Naquele escuro foi refém
Ameaçada dizendo, não diga a ninguém.
Quanto chorou.
Sua inocência foi roubada
A infância só era medo.
Não tinha a quem correr.
Contar será que alguém iria entender.
Te peço meu Deus.
Vem e escute o choro de cada criança.
Que são ameaçadas e vivem sem esperança.
Me ajude a proteger e não me calar.
Tanta pureza que vejo em cada olhar.
Quando eu vir um covarde querendo violentar, me dê forças pra denunciar.
E usar meus rabiscos pra clamar.
Sempre está acontecendo na família rica ou pobre.
Sempre existe um monstro a acabar com o sonho de uma criança.
E a dor que machucou não vai embora.
Naquele escuro foi refém
Ameaçada dizendo, não diga a ninguém.
Quanto chorou.
Sua inocência foi roubada
A infância só era medo.
Não tinha a quem correr.
Contar será que alguém iria entender.
Te peço meu Deus.
Vem e escute o choro de cada criança.
Que são ameaçadas e vivem sem esperança.
Me ajude a proteger e não me calar.
Tanta pureza que vejo em cada olhar.
Quando eu vir um covarde querendo violentar, me dê forças pra denunciar.
E usar meus rabiscos pra clamar.
Sempre está acontecendo na família rica ou pobre.
Sempre existe um monstro a acabar com o sonho de uma criança.
O crime de pedofilia, que atormenta a igreja católica contemporaneamente, portanto,não se aplica aos deslizes morais do padre Dobo. Seus pecados, aos olhos da moral católica da época, eram outros. |
Entre os jesuítas, havia um com um pouco de sangue indígena, muito moreno, o rosto de um sátiro, orelhas enormes grudadas na cabeça, olhos penetrantes, boca de lábios moles sempre babando, cabelos grossos e cheiro de animal. Por baixo de sua batina castanha os meninos observavam com freqüência uma protuberância que os mais moços não sabiam explicar e de que os mais velhos riam às escondidas. Essa protuberância aparecia inesperadamente e a qualquer instante: quando a classe lia o Dom Quixote ou Rabelais, ou às vezes quando ele meramente observava os meninos — e um deles em particular, oúnico louro da escola, com os olhos e a pele de uma garota.
O padre gostava de chamar esse menino e lhe mostrar os livros de sua coleção particular. Eram livros que continham reproduções da cerâmica inca com muitas figuras de homens de pé uns contra os outros. O menino fazia perguntas a que o velho padre tinha que responder ardilosamente. As vezes as figuras eram bem claras; um longo membro saía do meio de um homem e penetrava em outro, por trás.
Na confissão, esse padre atormentava os meninos com perguntas. Quanto mais inocentes parecessem ser, mais perguntas lhes fazia na escuridão do pequeno confessionário. Os meninos,ajoelhados, não podiam vê-lo, pois o padre estava sentado no escuro. Sua voz grave vinha através da tela de uma janelinha: — Você teve fantasias sensuais? Tentou imaginar uma mulher nua? Como se comporta à noite, na cama? Algum dia você já se apalpou? Já se acariciou? O que você faz de manhã, quando se levanta? Tem ereção? Já tentou olhar os outros meninos quando eles estão trocando de roupa? Ou na hora do banho?
O JESUÍTA LASCIVO DE ANAÏS NIN |
Orientado por essas perguntas, o menino que não sabia nada logo aprendia o que era esperado dele. Os que sabiam sentiam prazer em contar cada detalhe de suas emoções e de seus sonhos. Certo menino sonhava todas as noites. Não sabia como eram as mulheres, como eram feitas. Mas tinha visto os índios fazerem amor com vicunhas, animais que se parecem com um mimoso veado. E sonhava que fazia amor com vicunhas, e acordava todo molhado manhã após manhã. O velho padre encorajava essas confissões. Impunha estranhas penitências. A um garoto que se masturbava continuamente mandou que fosse à capela com ele, quando ninguém mais estava presente, e mergulhasse o pênis na água benta, para assim ser purificado.
Tal cerimônia foi realizada com grande sigilo, a noite.
Um dos meninos parecia um príncipe mouro com seu rosto escuro, feições nobres, porte aristocrático e um belo corpo tão macio que não aparecia um único osso, esbelto e polido como uma estátua. Esse menino se rebelava contra o uso de camisas de dormir. Estava acostumado a dormir nu e o camisolão o afrontava, o abafava. Assim, todas as noites ele se vestia como os companheiros e depois se despia às escondidas, sob as cobertas.
Não se passava uma noite sem que o velho jesuíta fizesse suas rondas, cuidando para que nenhum menino visitasse outro na cama, ou se masturbasse, ou ficasse conversando com o vizinho no escuro. Quando chegava à cama do indisciplinado, erguia sua coberta lenta e cautelosamente para olhar seu corpo nu. Se o garoto acordava, ele o recriminava: — Vim ver se você estava dormindo de novo sem seu camisolão!
Mas se ele não acordava, o velho jesuíta se contentava em dirigir um longo olhar ao jovem e belo corpo.
Um dia, durante uma aula de anatomia, quando ele estava no tablado dos professores e o garoto louro que parecia uma menina se encontrava bem à sua frente, a protuberância que havia por baixo da batina se tornou evidente aos olhos de todos.
Ele perguntou ao menino louro: — Quantos ossos o homem tem no corpo?
O garoto respondeu meigamente: — Duzentos e oito.
Outra voz infantil veio do fundo da sala: — Mas o padre Dobo tem duzentos e nove!
Foi logo após esse incidente que os meninos foram levados a uma excursão botânica. Dez deles se perderam. Entre eles se encontrava o garoto louro. Eles foram parar em uma floresta, bem longe dos professores e do resto dos colegas. Sentaram-se para descansar e decidir que linha de ação deveriam tomar. Começaram a comer amoras. Como iniciou, ninguém soube, mas depois de algum tempo o menino louro foi jogado ao chão, despido, virado de bruços e os outros nove meninos passaram por cima dele, tratando-o como o fariam com uma prostituta, brutalmente. Os garotos experimentados meteram em seu ânus a fim de satisfazer seu desejo, enquanto os menos experientes se esfregaram em suas pernas, cuja pele era tão fina quanto a de uma mulher. Cuspiram nas mãos e esfregaram saliva nos pênis. O menino louro gritou, esperneou e chorou, mas os outros o seguraram e o usaram até que se saciaram.(Anaïs Nin - DELTA DE VÊNUS)