Acima da necessidade universal e existencial de união (entre o homem e a mulher) ergue-se outra, mais específica, biológica: o desejo de união entre os pólos masculino e feminino. A idéia dessa polarização é mais fortemente manifestada no mito de que, originalmente o homem e a mulher eram um só, de que foram partidos ao meio e, de então em diante, cada ser masculino vem procurando a perdida parte feminina de si mesmo, a fim de voltar a unir-se com ela. (A mesma idéia da unidade original dos sexos está contida na história Bíblica de Eva feita da costela de Adão, embora nessa história, no espírito do patriarcalismo, a mulher seja considerada secundária em relação ao homem.) A significação do mito é bastante clara.
A polarização sexual leva o homem a procurar a união de maneira específica, a da união com o outro sexo. A polaridade entre os princípios masculino e feminino existe também dentro de cada homem e cada mulher. Assim como, fisiologicamente, o homem e a mulher têm, cada qual, hormônios do sexo oposto, também no sentido psicológico são ambos bissexuais. Levam em si mesmos o princípio de receber e de penetrar, da matéria e do espírito. O homem, tal como a mulher, só encontra união dentro de si na união de sua polaridade masculina e feminina. Essa polaridade é a base de toda criatividade.
A polaridade masculino-feminina é também a base da criatividade interpessoal. Isto se torna biològicamente evidente no fato de ser a união do esperma e do ovo a base do nascimento de uma criança. Não há diferença, entretanto, no reino puramente psíquico: no amor entre homem e mulher, cada um deles toma a nascer. (O desvio homossexual é o fracasso em atingir essa união polarizada, e por isso o homossexual sofre a dor da separação ,nunca solucionada, fracasso, entretanto, de que com ele compartilha o heterossexual comum que não consegue amar.)
A mesma polaridade dos princípios masculino e feminino existe na natureza; não só, como é evidente, em animais e planta, mas na polaridade das duas funções fundamentais, a de receber e a de penetrar. É a polaridade da terra e da chuva, do rio e do oceano, da noite e do dia, da escuridão e da luz da matéria e do espírito. Tal idéia foi belamente expressa pelo grande poeta e místico muçulmano Rumi:
Nunca, em verdade, procura o amante sem ser buscado pelo ente amado.
Quando o raio do amor se atirou neste coração, sabe que existe amor naquele coração.
Quando o amor de Deus cresce em teu coração, sem dúvida alguma Deus tem amor por ti.
Nenhum som de palmas vem de uma só mão sem a outra mão.
A Divina Sabedoria é destino e decreto que nos fazem amantes uns dos outros.
Por este pré-ordenamento, cada parte do mundo se acasala com seu par.
Ao olhar dos sábios, o Céu é homem e a Terra é mulher: a Terra cria o que o Céu deixa cair.
Quando à Terra falta calor o Céu o envia; quando ela perde seu frescor e umidade, o Céu os restaura.
Anda o Céu às voltas como um marido a buscar provisões para a esposa;
E a Terra se atarefa com as coisas de casa: cuida dos nascimentos e de amamentar aquilo que dá à luz. Olha a Terra e o Céu como dotados de inteligência, pois fazem o trabalho de seres inteligentes. Se ambos não extraem prazer um do outro, por que então se adulam mutuamente como namorados? Sem a Terra, como poderiam as árvores florir?
Para que, então produziria o Céu água e calor? Assim como Deus colocou o desejo no homem e na mulher, para que o mundo seja preservado por sua união. Também implantou em cada parte da existência o desejo da outra parte. Dia e Noite são inimigos externamente; contudo, ambos servem a uma finalidade. Cada qual ama o outro, a fim de aperfeiçoar sua obra mútua. Sem a Noite, a natureza do homem não receberia qualquer rendimento e nada haveria para que o Dia gastasse.
(R. A. NICHOLSON, Rumi, George Allen and Unwin, Ltd., Londres, 1950, págs. 122-123.)
(Erich Fromm - A Arte de Amar)
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Em cada homem esconde-se uma mulher e em cada mulher, um homem |