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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
Em contraste com o amor fraterno e o amor erótico, que são amor entre iguais, a relação de mãe e filho é, por sua própria natureza, de desigualdade; nela, um necessita de toda a ajuda, o outro a dá. Por esse caráter altruísta, abnegado, é que o amor de mãe tem sido considerado a mais alta espécie de amor, o mais sagrado de todos os laços emocionais. Parece, porém, que a concretização real do amor materno não está no amor da mãe pela criancinha, mas em seu amor ao filho que cresce. De fato, a vasta maioria das mães compõe-se de mães amorosas enquanto o filho é pequenino e ainda completamente dependente delas. A maioria das mulheres quer filhos, sente-se feliz com o recém-nascido, ansiosa em seu cuidado por ele. Isto é assim, apesar do fato de que elas nada “recebem” do filho em retribuição, à exceção de um sorriso ou uma expressão de satisfação no rosto. Parece que essa atitude de amor enraiza-se em parte num equipamento instintivo que se encontra entre os animais, como no ente humano feminino. Seja qual for, entretanto, o peso desse fator instintivo, também há fatores psicológicos especificamente humanos responsáveis por esse tipo de amor materno. Um deles pode ser achado no elemento narcisista do amor de mãe. Visto como a criança é ainda considerada parte da própria mãe, o amor e a ufania desta podem ser uma satisfação de seu narcisismo. Outra motivação pode ser encontrada no desejo da mãe de poder, ou possessão. A criança, por ser desamparada e inteiramente submetida à sua vontade, é um objeto natural de satisfação para uma mulher dominadora e possessiva.
Embora freqüentes, tais motivações são provavelmente menos importantes e menos universais do que a que pode ser chamada necessidade de transcendência, Esta é uma das necessidades mais básicas do homem, com raiz no fato de sua consciência de si mesmo, no fato de não se satisfazer com o papel de criatura, de não poder aceitar-se como um dado lançado do copo. Ele necessita sentir-se como o criador, como alguém que transcende o papel passivo de ser criado. Há muitos meios de realizar essa satisfação de criação; o mais natural e mais fácil de efetuar é o cuidado e o amor da mãe por sua criatura. Ela se transcende na criança, seu amor por ela dá à sua vida sentido e significação. (Na própria incapacidade do ser masculino para satisfazer essa necessidade de transcendência por meio da criação de filhos está sua insistência em transcender-se pela criação de coisas e idéias de feitura humana.)
O filho, porém, deve crescer. Deve sair do ventre da mãe, do seio da mãe; deve acabar por tornar-se um ente humano completamente separado. A própria essência do amor materno é cuidar do crescimento do filho, e isso significa querer o filho separado dela mesma. Aqui está a diferença básica em relação ao amor erótico. No amor erótico, duas pessoas que eram separadas tomam-se uma. No amor materno, duas pessoas que eram uma tornam-se separadas. A mãe não só deve tolerar como deve desejar e ajudar a separação do filho. Só nessa etapa é que o amor materno representa uma tarefa tão difícil que requer abnegação, a capacidade de dar tudo e nada querer senão a felicidade do ente amado. É também nessa etapa que muitas mães falham em sua tarefa de amor materno. A mulher narcisista, dominadora, possessiva pode conseguir ser mãe “amorosa” enquanto o filho é pequenino. Só a mulher realmente amorosa, a que é mais feliz em dar do que em receber, firmemente alicerçada em sua própria existência, só esta consegue ser mãe amorosa quando o filho se acha no processo da separação.
O amor materno pelo filho que cresce, o amor que nada quer para si, talvez seja a mais difícil forma de amor a realizar, tanto mais enganadora em razão da facilidade com que a mãe pode amar o filho pequenino. Justamente, porém, em vista de tal dificuldade é que a mulher-somente pode ser mãe em verdade amorosa se puder amar; se for capaz de amar seu marido, outras crianças, estranhos, todos os seres humanos. A mulher que não for capaz de amar nesse sentido poderá ser mãe afetuosa enquanto o filho estiver pequeno, mas não poderá ser mãe amorosa, pois a prova disto é a boa vontade em suportar a separação — e, mesmo depois da separação, continuar amando.
(ERICH FROMM - A arte de amar)