Quando a mulher é amada, e bem amada, ela ingressa nessa atmosfera sagrada, cuja descrição se aproxima daquilo que as santas estáticas descreveram. Uma aura de mistério as envolve. |
Algumas desenvolvem uma súbita necessidade de tecer, outras, de aninhar. Querem bordar, costurar, arrumar coisas na casa, entram em clima de nidificação. É a hora de uma ociosidade amorosa. Outras querem presentear o amado e o mundo com pratos sutilíssimos e saborosos. O fato é que a mulher nessa atmosfera sai do trivial, se angeliza e, glorificada, pervaga pela casa. O homem, animal desatento, às vezes não se dá conta. Em geral, nunca se dá conta. Ou dá-se conta nos primeiros minutos após o ato de amor, e depois se deixa levar pela trivialidade, deixando-a solitária em sua felicidade clandestina.
Na verdade, ela sobrepaira ao tempo, está adejando em torno do amado, que deveria suspender tudo para sentir desenhar-se em torno de si esse balé de ternuras. Deveria o homem avisar ao escritório: hoje não posso ir, estou assistindo à reverberação do amor naquela que amo. E como isto se assemelha à floração rara de certas plantas, os amados deveriam interromper tudo: seus negócios e almoços e ficar ali, prostrados, diante da que celebra nela o que ele ajudou a deslanchar. Já vi algumas mulheres assim. Era capaz de pressentir a 115 metros que elas estavam levitando de tanto amor que seus amados nelas desataram. Há uma coisa grave na mulher que foi ao clímax de si mesma. Que não esteja distraído o parceiro ou parceira. Ela tem mesmo um perfume diverso das demais. É um cio diferente. É quando a mulher descerra em si o que tem de visceralmente fêmea, fêmea tranquila que, mais que possuída, possui algo que atingiu raramente. As outras mulheres percebem isto e a invejam. Os machos farejam e se perturbam. É como se estivessem num patamar seguro a se contemplar. É quase parecido a quando a mulher vive a maternidade. Mas aqui é ainda diferente, porque na maternidade existe algo concreto se movimentando dentro dela. Contudo, nessa atmosfera que se segue a uma epifânica sessão de amor, é diverso, porque ela está acariciando uma imponderável felicidade.
Estou falando de uma coisa que os homens não experimentam assim. O gozo masculino é mais pontual e parece se exaurir pouco depois do próprio ato. Só os escolhidos, os de alma feminina, vez por outra, o sentem prolongar-se dentro de si. Mas, em geral, é diferente. Terminado o ato, uns até rolam para o lado e dormem como se tivessem tirado um fardo do ombro, outros acendem o cigarro, vestem suas ansiedades e voltam ao trabalho.
É constatável, no entanto, que o homem apaixonado também transmite força, alegria, energia. Ele oscila entre Alexandre, o Grande, e o artista que chegou ao sucesso. Também brilha. Mas é diferente. E não é disto que estou falando, senão do gozo feminino que não se esgota no gozo e se derrama em gestos e atenções por horas e dias a fio.
Freud andou várias vezes errando sobre as mulheres e, por exemplo, colocou equivocadamente aquela questão de que a mulher teria inveja do homem por ser este um animal fálico etc. Convenhamos: inveja têm (e deveriam ter) os homens quando prestam atenção no fenômeno que ocorre com as mulheres, que ao serem amadas atingem o luminoso êxtase de si mesmas, como se tivessem rompido uma escala de medição trivial para lá da barreira dos gemidos e amorosos alaridos.
É isto: quando a mulher foi amada e bem-amada, ela ingressa nessa atmosfera sagrada, cuja descrição se aproxima daquilo que as santas extáticas descreveram. Uma aura de mistério as envolve. E isto, por não ser muito trivial, por não ser nada profano, talvez se assemelhe aos mistérios gozosos de que muitos místicos falaram.
(Sant’anna, Affonso Romano de - Que presente te dar)