Nós somos feitos de poeira de estrelas
O QUE ACONTECEU A ED MITCHELL talvez tenha sido causado pela ausência de gravidade, ou talvez pelo fato de que todos os seus sentidos estavam desorientados. Ele estava a caminho de casa, que no momento estava a cerca de 400 mil quilômetros de distância, em algum lugar da superfície do azul-celeste nublado e do crescente branco que apareciam intermitentemente na janela triangular do módulo de comando da Apollo 14.1
Dois dias antes, ele se tornara o sexto homem a aterrissar na Lua. A viagem fora um triunfo: a primeira alunissagem destinada a efetuar investigações científicas. Os 150 quilos de amostras de rocha e do solo no compartimento de carga confirmavam isso. Embora ele e seu comandante, Alan Shepard, não tivessem chegado ao cume da antiquíssima Cratera do Cone com 230 metros de altitude, os itens restantes que constavam da meticulosa programação presa ao pulso de ambos, que detalhava praticamente cada minuto da jornada de dois dias, tinham sido metodicamente assinalados como concluídos.
"A Terra parecia uma joia verde e azul encrustada no céu da meia noite" |
O que eles não haviam racionalizado por completo era o efeito desse mundo desabitado, de baixa gravidade, desprovido do efeito amenizante da atmosfera, sobre os sentidos. Sem a sinalização de árvores ou fios de telefone, na verdade sem qualquer outra coisa além do Antares, no módulo lunar dourado semelhante a um inseto, em meio a toda aquela extensão de paisagem cinzenta, todas as percepções de espaço, escala, distância ou profundidade ficavam terrivelmente distorcidas; Ed ficara chocado ao descobrir que todos os pontos de navegação que haviam sido cuidadosamente assinalados nas fotografias de alta-resolução ficavam pelo menos duas vezes mais distantes do que o esperado. Era como se ele e Alan tivessem encolhido durante a viagem espacial, e o que na Terra deram a impressão de ser montículos e pequenas cadeias montanhosas, na superfície da Lua parecia ter crescido e atingido uma altura de quase dois metros. No entanto, embora se sentissem menores em tamanho, também estavam mais leves do que nunca. Experimentaram uma estranha leveza devida à fraca atração da gravidade, e apesar do peso e do volume do desgracioso traje espacial, sentiam que flutuavam a cada passo que davam.
Houvera também o efeito de distorção do Sol, puro e não-adulterado nesse mundo sem ar. Na ofuscante luminosidade, mesmo naquela manhã relativamente fresca, antes das temperaturas máximas que poderiam ultrapassar 130° C, as crateras, pontos de referência, o solo e a Terra - até mesmo o próprio céu - destacavam-se com absoluta clareza. Para a mente acostumada ao suave filtro da atmosfera, as sombras pronunciadas, as cores cambiantes do solo cinza-ardósia conspiravam para pregar peças nos olhos. Sem saber, ele e Alan tinham estado a apenas dezenove metros da borda da Cratera do Cone, a cerca de 10 segundos de distância, quando decidiram voltar, convencidos de que não a alcançariam a tempo - insucesso que deixaria Ed amargamente desapontado, pois ele ansiara por olhar para dentro desse buraco de 340 metros de diâmetro no meio dos terrenos elevados da Lua. Os olhos dos dois não souberam interpretar esse hiperestado de visão. Nada estava vivo, tampouco algo estava oculto da vista, e tudo carecia de sutileza. Todos os cenários esmagavam os olhos com contrastes e sombras brilhantes. Ele estava enxergando, de certo modo, com mais clareza e menos clareza do que jamais enxergara. Durante a implacável atividade da programação, pouco tempo tiveram para refletir sobre quaisquer ideias relacionadas a um propósito mais amplo do que a viagem. Haviam ido mais longe no Universo do que qualquer homem antes deles. No entanto, oprimidos por saberem que estavam custando 200 mil dólares por minuto aos contribuintes americanos, sentiam-se obrigados a manter os olhos no relógio, assinalando os detalhes concluídos da lista planejada por Houston na compacta programação. Apenas depois que o módulo lunar se conectou de novo ao módulo de comando e iniciou a jornada de dois dias de volta à Terra é que Ed pôde tirar o traje especial, agora sujo de solo lunar, sentar-se vestindo suas ceroulas e tentar ordenar de alguma maneira a sua frustração e o seu emaranhado de pensamentos.
O módulo de comando Kittyhawk girava lentamente, como um frango no espeto, a fim de equilibrar o efeito térmico em cada um dos lados da espaçonave; e na sua lenta revolução, a Terra era intermitentemente emoldurada pela janela como um fino crescente em uma noite de estrelas que circundavam tudo. A partir dessa perspectiva, enquanto a Terra trocava de lugar com o restante do sistema solar, entrando e saindo de vista, o céu que estava sobre os astronautas não era como em geral o vemos, e sim como uma entidade abrangente que embalava a Terra por todos os lados.
Foi então que, enquanto olhava para fora da janela, Ed experimentou o mais estranho sentimento que jamais teria na vida: um sentimento de conexidade, como se todos os planetas e todas as pessoas em todos os tempos estivessem ligadas por uma teia invisível. Ele mal conseguia respirar devido à grandiosidade do momento. Embora continuasse a girar maçanetas e apertar botões, sentiu-se distante do corpo, como se outra pessoa estivesse fazendo a navegação.
Um enorme campo de força parecia estar presente, ligando para sempre todas as pessoas, com suas intenções e pensamentos, e todas as formas animadas e inanimadas. Qualquer coisa que ele fizesse ou pensasse influenciaria o resto do cosmo, e qualquer ocorrência neste teria um efeito semelhante nele. O tempo era apenas um conceito artificial. Tudo que ele aprendera sobre o Universo e a separação das pessoas e das coisas pareciam erradas. Não havia acidentes ou intenções individuais. A inteligência natural que continuara a existir durante bilhões de anos, que moldara as moléculas do seu ser, também era responsável por sua jornada atual. Isso não era algo que ele estava simplesmente percebendo em sua mente, e sim um sentimento visceral, como se estivesse se estendendo fisicamente para fora da janela, em direção aos confins mais longínquos do cosmo. Ele não vira a face de Deus. Parecia mais uma ofuscante epifania de significado do que uma experiência religiosa convencional - o que as religiões orientais com frequência chamam de "êxtase de unidade". Era como se, em um único instante, Ed Mitchell tivesse descoberto e sentido A Força.
Ele olhou de soslaio para Alan e Stu Roosa, os outros astronautas na missão Apollo 14, para verificar se eles estavam experimentando algo remotamente semelhante. Houvera um momento em que eles tinham descido pela primeira vez da Antares e pisado nas planícies de Fra Mauro, uma região elevada da lua, quando Alan, veterano do primeiro lançamento espacial americano, em geral impassível, com pouco tempo para esse tipo de superstição mística, espremeu-se em seu volumoso traje espacial para olhar para cima e chorou ao avistar a Terra, incrivelmente bela no céu desprovido de ar. Mas agora Alan e Stu pareciam estar se dedicando às suas tarefas, de modo que Ed ficou com medo de dizer qualquer coisa a respeito do que estava começando a ter a impressão de ser o seu momento supremo da verdade.
Ed sempre fora, de certo modo, o homem esquisito do programa espacial. Aos 41 anos de idade, embora mais jovem do que Shepard, era um dos veteranos da Apollo. Ele representava bem o seu papel, com o cabelo vermelho, rosto largo, aparência típica do meio-oeste e a fala arrastada de um piloto comercial. Mas para os outros, ele era um pouco intelectual: o único entre eles que tinha doutorado e brevê de piloto de provas. A maneira como ele entrara no programa espacial fora decididamente fora do comum. Fazer o doutorado em astrofísica no MIT foi a maneira pela qual ele achou que se tornaria indispensável - foi dessa maneira que deliberada- mente havia traçado o seu caminho em direção à NASA - e apenas depois lhe ocorreu usar as horas de voo que somava no exterior para se qualificar. Não obstante, Ed era muito eficiente quando se tratava de voar. Como todos os outros companheiros, ele praticava no circo voador de Chuck Yeager no Deserto de Mojave, levando os aviões a fazerem manobras para as quais não tinham sido projetados. Em certa ocasião, chegara até a ser o instrutor. Mas Ed gostava de pensar em si mesmo mais como explorador do que como piloto de provas: uma espécie de buscador da verdade dos dias de hoje. Sua atração pela ciência lutava a todo tempo com o ardente fundamentalismo batista de sua juventude. Não parecia ter sido por acaso que ele fora criado em Roswell, Novo México, onde alienígenas teriam supostamente sido vistos pela primeira vez - apenas a um quilômetro e meio mais da casa de Robert Goddard, o pai da astronáutica. A ciência e a espiritualidade coexistiam nele, disputando a primazia, mas Ed desejava que elas de algum modo apertassem as mãos e fizessem as pazes. Havia outra coisa que ele se abstivera de contar aos seus companheiros na Apollo. Mais tarde naquela mesma noite, enquanto Alan e Stu dormiam em suas redes, Ed silenciosamente retomou o que fora uma experiência contínua durante toda a jornada para a Lua e depois em direção à terra. Nos últimos tempos, ele andara se envolvendo em experiências com a consciência e a percepção extra-sensorial (PES), dedicando algum tempo ao estudo do trabalho do dr. Joseph B. Rhine, um biólogo que conduzia muitas experiências sobre a natureza extra-sensorial da consciência humana. Dois dos seus mais recentes amigos eram médicos que tinham realizado experiências dignas de crédito acerca da natureza da consciência. Juntos, haviam compreendido que a viagem de Ed à Lua estava lhes oferecendo a oportunidade única de verificar se a telepatia humana poderia ocorrer em distâncias maiores do que as do laboratório do dr. Rhine. Eles estavam diante de uma oportunidade raríssima de constatar se esse tipo de comunicação poderia se estender para além de quaisquer distâncias possíveis na Terra.
Quarenta e cinco minutos depois do início do período de sono, como fizera nos dois dias de viagem para a Lua, Ed pegou uma pequena lanterna portátil e, no papel de sua prancheta, copiou alguns números de maneira aleatória, cada um dos quais correspondia aos famosos símbolos Zener do dr. Rhine - quadrado, círculo, cruz, estrela e par de linhas onduladas. Então, Ed se concentrou intensamente neles, de forma metódica, de um em um, tentando "transmitir" as suas escolhas aos colegas na Terra. Mesmo estando extremamente estimulado pela experiência, ele a guardou para si mesmo. Tentara certa vez ter uma conversa com Alan sobre a natureza da consciência, mas não era muito próximo de seu chefe e aquele não era o tipo de assunto que animava os outros tanto quanto ele. Alguns dos astronautas tinham pensado em Deus enquanto estavam no espaço, e todo mundo no programa espacial sabia que eles estavam procurando alguma coisa nova a respeito da maneira como o Universo funcionava. Mas se Alan e Stu soubessem que Ed estava tentando transmitir pensamentos para pessoas na Terra, teriam achado que ele era ainda mais excêntrico do que já imaginavam.
Ed encerrou a experiência da noite e faria outra na noite seguinte, mas depois do que lhe acontecera mais cedo, dificilmente parecia necessário repeti-las; ele tinha agora a sua própria convicção interior de que tudo era verdade. As mentes humanas estavam interconectadas, assim como estavam ligadas a tudo o mais neste mundo e em todos os outros mundos. A sua parte intuitiva aceitava esse fato, mas para o cientista que havia dentro dele isso não era o bastante. Nos 25 anos seguintes ele se voltaria para a ciência esperando que ela lhe explicasse exatamente o que lhe havia acontecido naquela viagem.
A exploração do espaço interior se revelaria infinitamente mais longa e difícil do que aterrissar na Lua ou vasculhar a Cratera do Cone. |
A sua pequena experiência com a PES foi bem-sucedida, indicando que alguma forma de comunicação que desafiava todas as lógicas tinha ocorrido. Ed não conseguira fazer todas as experiências que havia planejado, e foi preciso algum tempo para correlacionar as quatro que ele fizera com as seis sessões de adivinhação que tinham sido realizadas na Terra. Mas quando os quatro conjuntos de dados que Ed reunira durante a viagem de nove dias foram afinal comparados com os de seus colegas na Terra, a correspondência entre eles se revelou significativa, com uma chance em três mil de que tivesse acontecido por acaso.2 Esses resultados estavam de acordo com milhares de experiências semelhantes conduzidas na Terra por Rhine e seus colegas ao longo dos anos.
A fantástica experiência de Edgar Mitchell no espaço deixara minúsculas rachaduras em um grande número de seus sistemas de crença. No entanto, o que mais incomodava Ed a respeito de sua experiência no espaço eram as explicações científicas da biologia, em particular acerca da consciência, que agora lhe parecia impossivelmente redutiva. Apesar do que aprendera na física quântica a respeito da natureza do Universo nos anos que passou no MIT, ele tinha a impressão de que a biologia permanecia atolada em uma visão de mundo com 400 anos de idade. O modelo biológico ainda parecia se basear em uma visão newtoniana clássica da matéria e da energia, de corpos sólidos e separados que se movimentam de maneira previsível no espaço vazio, e em uma concepção cartesiana do corpo como sendo separado da alma, ou da mente. Nada nesse modelo poderia refletir com precisão a verdadeira complexidade de um ser humano, de sua relação com o seu mundo ou, mais particularmente, com a sua consciência; os seres humanos e as suas partes ainda eram tratados, para todos os efeitos, como máquinas.
A maioria das explicações biológicas dos grandes mistérios das coisas vivas tentam compreender o todo desmembrando-o em partes cada vez mais microscópicas. O corpo supostamente assume a sua forma devido às informações genéticas, à síntese da proteína e da mutação cega. De acordo com os neurocientistas da época, a consciência residia no córtex cerebral - o resultado de uma simples mistura de substâncias químicas com as células cerebrais. As substâncias químicas eram responsáveis pela televisão ligada em nosso cérebro, e também por "aquilo" a que assistimos nela.3 Conhecemos o mundo por causa das complexidades do nosso mecanismo.
A biologia moderna não acredita em um mundo que seja essencialmente indivisível.
Em seu trabalho de física quântica no MIT, Ed Mitchell aprendera que no nível subatômico, a visão newtoniana, ou clássica - que diz que tudo funciona de maneira previsível, confiável e portanto mensurável - havia muito tinha sido descartada em favor das teorias quânticas, que sustentam que o Universo e a forma como ele funciona não são tão comportados quanto os cientistas costumavam imaginar. A matéria, em seu nível mais fundamental, não poderia ser dividida em unidades que existem de modo independente, nem mesmo ser plenamente descrita. As partículas subatômicas não eram pequenos objetos sólidos como bolas de bilhar, mas pacotes de energia que não poderiam ser quantificados ou compreendidos em si mesmos com exatidão. Ao contrário, eles eram esquizofrênicos, às vezes se comportando como partículas — uma coisa determinada e confinada a um pequeno espaço - e às vezes como onda - algo vibrante e mais difuso espalhado sobre uma grande região de espaço e do tempo. E em outras ocasiões se comportava simultaneamente como onda e partícula. As partículas quânticas também eram onipresentes. Por exemplo, ao passar de um estado de energia para outro, os elétrons pareciam estar experimentando ao mesmo tempo todas as novas órbitas possíveis, como alguém que deseja comprar uma casa e esteja tentando morar em todas as casas do quarteirão no mesmo instante para escolher em qual irá por fim se instalar. E nada era certo. Não havia localizações definidas, apenas a possibilidade de que um elétron, digamos, poderia estar em determinado lugar, nenhuma ocorrência garantida, mas apenas a probabilidade de que aquilo pudesse acontecer. Nesse nível de realidade, não se tinha certeza de nada; os cientistas precisavam ficar satisfeitos com o fato de poder apostar nas possibilidades. O melhor que jamais poderia ser calculado era a probabilidade de que, quando você fizesse uma medida, obteria determinado resultado em certa percentagem do tempo. Os relacionamentos de causa e efeito não mais eram válidos no nível subatômico. Átomos que pareciam estáveis poderiam, de repente, sem nenhuma causa aparente, experimentar um distúrbio interior; os elétrons, sem qualquer motivo, decidem passar de um estado de energia para outro. Depois de observar cada vez mais atentamente a matéria, ela já não era mais matéria, não era uma coisa sólida que você poderia tocar ou descrever, e sim uma grande quantidade de eus experimentais, todos se exibindo ao mesmo tempo. Em vez de um Universo de certeza estática, no nível mais fundamental da matéria, o mundo e os seus relacionamentos eram incertos e imprevisíveis, um estado de puro potencial, de infinitas possibilidades.
Os cientistas levavam em consideração uma conexão universal no Universo, mas somente no mundo quântico, ou seja, na esfera das coisas inanimadas, e não das vivas. A física quântica descobrira uma estranha propriedade, chamada "não-localidade", no mundo subatômico. Ela se refere à capacidade de uma entidade quântica, como um elétron individual, influenciar instantaneamente outra partícula quântica a distância, mesmo sem ter ocorrido nenhuma troca de força ou energia. Ela indicava que quando as partículas quânticas entram em contato umas com as outras, elas mantêm uma ligação mesmo quando separadas, de modo que as ações de uma sempre influenciarão nas da outra, não importa o quanto se separem. Albert Einstein desacreditou essa "misteriosa ação a distância", que foi uma das principais razões pelas quais ele desconfiava da mecânica quântica, mas esse fato tem sido decididamente confirmado por uma série de físicos desde 1982.4 A não-localidade abalou os alicerces da física. O assunto não mais poderia ser examinado em separado. As ações não precisavam ter uma causa observável em um espaço observável. O axioma mais fundamental de Einstein não estava correto: em certo nível da matéria, as coisas podiam viajar mais rápido do que a velocidade da luz. As partículas subatômicas não encerravam nenhum significado enquanto entidades isoladas, podendo apenas ser compreendidas por intermédio de seus relacionamentos. O mundo, em sua essência básica, existia como uma rede complexa de relacionamentos interdependentes, para sempre indivisíveis.
Talvez o componente mais essencial desse Universo interligado fosse a consciência viva que o observava. Na física clássica, o experimentador era considerado uma entidade separada, um observador silencioso atrás do vidro, tentando entender um Universo que seguia adiante, quer ele o estivesse observando, quer não. A física quântica, contudo, descobriu que o estado de todas as possibilidades de qualquer partícula quântica colapsava em uma entidade determinada assim que era observada ou quando era feita uma medição. Para explicar esses estranhos eventos, os físicos quânticos haviam postulado que existia um relacionamento participativo entre o observador e o objeto observado — essas partículas só poderiam ser consideradas como "provavelmente" existindo no espaço e no tempo até serem "perturbadas", e o ato de serem observadas e medidas as obrigava a assumir um estado definido - um ato similar à solidificação de uma substância gelatinosa. Essa espantosa observação também teve implicações devastadoras na interpretação da natureza da realidade. Ela sugeria que a consciência do observador conferia vida ao objeto observado. Nada no Universo existia como uma "coisa" efetiva independentemente da nossa percepção dela. Criamos nosso mundo a cada minuto de cada dia.
Na opinião de Ed, havia um paradoxo fundamental no fato de os físicos desejarem que acreditássemos que os galhos e as pedras continham conjuntos de regras físicas diferentes das partículas atômicas que existiam dentro deles, que deveria haver uma regra para as coisas pequenas e outra para as grandes, uma regra para as coisas vivas, e outra para as inertes. As leis clássicas eram sem dúvida úteis para as propriedades fundamentais do movimento, para descrever como o esqueleto nos sustenta ou como o pulmão respira, como o coração bate ou os músculos carregam grandes pesos. E muitos dos processos básicos do corpo, como a alimentação, a digestão, o sono e a função sexual, são de fato governados por leis físicas.
Mas nem a física clássica ou a biologia eram capazes de explicar questões fundamentais, por exemplo: por que somos capazes de pensar, por que as células se organizam da maneira como o fazem, como muitos processos moleculares ocorrem praticamente de modo instantâneo, por que os braços se desenvolvem como braços e as pernas como pernas, embora tenham os mesmos genes e proteínas, por que contraímos câncer, por que esta nossa máquina consegue milagrosamente curar a si mesma, e até mesmo o que é o conhecimento, como sabemos o que sabemos. Os cientistas talvez conhecessem em detalhes os parafusos, os pinos, as dobradiças e vários maquinismos, mas nada sabiam a respeito da força que prove energia para a máquina. Eles conseguiam tratar das mais minúsculas estruturas mecânicas do corpo, mas mesmo assim revelavam-se ignorantes a respeito dos mistérios mais fundamentais da vida. Caso fosse verdade que as leis da mecânica quântica também se aplicavam ao mundo como um todo, e não apenas ao mundo subatômico, à biologia e não só ao mundo da matéria, todo o paradigma da ciência biológica era imperfeito ou estava incompleto. Assim como as teorias de Newton haviam com o tempo sido aperfeiçoadas pelos teóricos quânticos, talvez os próprios Heisenberg e Einstein estivessem errados ou apenas parcialmente certos. Se a teoria quântica fosse aplicada à biologia em maior escala, seríamos encarados mais como uma rede complexa de campos de energia em uma espécie de interação dinâmica com os nossos sistemas celulares químicos. O mundo existiria como uma matriz de inter-relação indivisível, exatamente como Ed experimentara no espaço cósmico. O que estava faltando na biologia clássica era uma explicação para o princípio organizador - para a consciência humana.
Ed começou a devorar livros a respeito de experiências religiosas, do pensamento oriental e da pequena evidência científica que existia sobre a natureza da consciência. Iniciou pesquisas preliminares com uma série de cientistas de Stanford, criou o Institute of Noetic Sciences (uma organização sem fins lucrativos cujo papel era financiar esse tipo de pesquisa) e começou a reunir, em um livro, trabalhos científicos sobre a consciência. Em pouco tempo, Ed não conseguia pensar em mais nada, e o que se tornara uma obsessão destruiu o seu casamento.
O trabalho dele talvez não tenha acendido uma chama revolucionária, mas ele com certeza a alimentou. Ilhas de uma silenciosa revolução estavam germinando nas mais renomadas universidades do planeta, contrárias à visão de mundo de Newton e de Darwin, ao dualismo na física e à atual perspectiva da percepção humana. Ao longo de sua pesquisa, Ed começou a entrar em contato com cientistas com esplêndidas credenciais em muitas das grandes e respeitáveis universidades, como Yale, Stanford, Berkeley e Princeton, que estavam fazendo descobertas que simplesmente não se encaixavam na concepção convencional.
Ao contrário de Edgar, esses cientistas não haviam passado por uma epifania para chegar a uma nova visão do Universo. O que aconteceu foi que, no decurso de seus trabalhos, eles se depararam com resultados científicos que eram pinos quadrados que tentavam se encaixar no buraco redondo da teoria científica consagrada, e por mais que tentassem introduzir os pinos no lugar — e, em muitos casos, os cientistas de fato queriam que eles se encaixassem - estes resistiam obstinadamente. Quase todos os cientistas haviam chegado por acidente às suas conclusões e, como se tivessem ido parar na estação de trem errada, quando se viam lá, concluíam que a única possibilidade deles era saltar do trem e explorar o novo território. O verdadeiro explorador dá seguimento à exploração mesmo quando ela o conduz a um lugar que não estava nos planos. A mais importante qualidade comum a todos esses pesquisadores era a simples disposição de interromper temporariamente a descrença e se abrir à verdadeira descoberta, mesmo que isso significasse desafiar a ordem existente das coisas, indispondo-se com colegas ou se tornando vulneráveis à censura e à ruína profissional. Ser um revolucionário na ciência hoje em dia significa flertar com o suicídio profissional. Por mais que a área afirme encorajar a liberdade de experimentação, a estrutura da ciência como um todo, com seu sistema de subvenção altamente competitivo, aliada ao sistema de publicações e de revisão realizada por especialistas da área, chamada de revisão por pares, depende amplamente de que as pessoas se sujeitem à consagrada visão científica do mundo. O sistema tende a encorajar os profissionais a realizarem experiências cujo propósito seja confirmar a visão existente das coisas, ou a desenvolver de maneira mais detalhada a tecnologia para a indústria, em vez de estimular a verdadeira inovação.5
Todos aqueles que trabalharam nessas experiências tinham a sensação de que estavam beirando algo que iria transformar tudo que conhecíamos a respeito da realidade e dos seres humanos, mas na época eles eram apenas cientistas pioneiros que trilhavam seus caminhos sem uma bússola. Vários cientistas que trabalhavam de forma independente tinham resolvido uma parte isolada do quebra-cabeça e estavam com medo de comparar suas anotações. Não havia uma linguagem comum porque o que estavam descobrindo parecia desafiar a linguagem.
Mesmo assim, quando Mitchell entrou em contato com eles, o trabalho isolado de cada um começou a se aglutinar em uma teoria alternativa da evolução, da consciência humana e da dinâmica de todas as coisas vivas. Ela oferecia a melhor perspectiva de uma visão unificada do mundo baseada na experimentação efetiva e em equações matemáticas, e não apenas na teoria. O principal papel de Ed foi fazer apresentações, financiar parte da pesquisa e, por meio de sua disposição para usar sua condição de celebridade como herói nacional, para tornar público esse trabalho, convencer os cientistas de que não estavam sozinhos.
O trabalho dele convergia para um único ponto: o eu tinha um campo de influência no mundo e vice- versa. Todos esses cientistas também estavam de acordo em outra questão: as experiências que estavam sendo realizadas fincaram uma estaca no coração da teoria científica existente.
(Lynne McTaggart - O CAMPO, Em busca da força secreta do universo)
NOTAS:
1. Para o relato da viagem do dr. Mitchell, recorri a E. Mitchell, The Way of the Explorer: An Apollo Astronaut's Journey Through the Material and MysticalWorlds (G. P. Putnam, 1996): 61; M. Light, FullMoon (Londres: Jonathan Cape, 1999); uma visita a uma exposição de fotografias lunares (Londres: Tate Gallery, novembro de 1999); entrevistas pessoais com o dr. Mitchell (verão e outono de 1999); T. Wolfe, The Right Sft#(Londres: Jonathan Cape, 1980); e A. Chaikin, A Man on the Moon (Harmondsworth: Penguin, 1994).
2. Mitchell, Way of the Explorer. 61. Os resultados do dr. Mitchell foram publicados no Journal ofParapsychology, junho de 1971.
3. D. Loye, An Arrow Through Chãos (Rochester, Vt: Park Street Press, 2000).
4. A não-localidade foi considerada comprovada por experiências realizadas por Alain Aspect e seus colegas em 1982 em Paris.
5. M. SchifF, The Memory ofWater: Homeopathy and the Battle of Ideas in the New Science (Thorsons, 1995).