Aconteceu de o grupo ficar hospedado num hotel de Paris em que as paredes eram finas e podia-se ouvir um suspiro do quarto ao lado, quanto mais gemidos e outros ruídos associados ao sexo. Como os daquele casal, que sempre terminavam com a mulher gritando — presumivelmente durante o orgasmo — "Ai, Galhardo! Ai, Galhardo!".
O grupo não se conhecia. Tinha sido organizado por uma agência de turismo para assistir às finais da Copa. Durante a viagem, não houve qualquer tipo de aproximação entre os componentes do grupo e só no terceiro ou quarto dia de Paris é que começou a confraternização. Por iniciativa de Marçal e Marília, que ocupavam o quarto ao lado do casal barulhento. Durante um café da manhã, no hotel, Marçal contou o que fazia, Marília deu detalhes da vida familiar dos dois — casa, filhos etc. — e em pouco tempo estavam todos apresentando rápidos resumos de suas vidas, alguns até descobrindo afinidades, amigos, parentes ou fornecedores em comum, essas coisas. Só não tinham se manifestado ainda os vizinhos de quarto de Marçal e Marília, um homem retaco e sorridente e uma mulher loira, mais alta do que ele, que usava a camisa 9 do Ronaldo amarrada na frente, com o umbigo à mostra. Marçal virou-se para o homem e perguntou:
— E você, Galhardo?
O homem não parou de sorrir.
— Galhardo?
Marçal hesitou, sabendo que tinha feito uma bobagem mas que não podia recuar.
— Seu nome não é Galhardo?
— Jeremias Portinho.
— Portinho, desculpe. Não sei de onde eu tirei o Galhardo...
— E eu sou a Sandra — disse a mulher.
Naquela noite, depois da vitória contra o Chile, Sandra estava ainda mais entusiasmada na hora do orgasmo.
— Galhardo! Ai, Galhardo!
No quarto ao lado, Marçal e Marília discutiam as alternativas.
— É adjetivo — propôs Marçal.
Marília sustentava que era outro homem. Devia haver outro homem, chamado Galhardo, com eles no quarto.
— Como?! — reagiu Marçal. — Veio com eles na mala? Um anão bom de cama? Um amante portátil? Deve ser adjetivo.
Na manhã do jogo final — na noite anterior, os gritos de "Ai, Galhardo!" tinham ecoado pelo hotel —, Marília não se conteve e disse a Sandra:
— Já sei por que o Marçal chamou seu marido de Galhardo. É que ele se parece muito com um amigo nosso chamado Galhardo. Talvez vocês conheçam...
Sandra estava olhando a ponta de um croissant, com cara de sono, como se decidindo se o croissant merecia uma mordida sua ou não.
— Eu conheci um Galhardo uma vez. Faz anos...
Ela mordeu a ponta do croissant e continuou:
— Mas ele não era nada parecido com o Portinho.
Durante o jogo, Marília disse a Marçal:
— Desvendei o mistério do Galhardo.
— O quê?
— É evocação.
Mas o Zidane tinha feito o segundo, e Marçal não queria nem ouvir.(Luís Fernando Ver!ssimo - Sexo na Cabeça)