A resposta não contém nenhuma dúvida: juntar-se ou ajustar-se ao cosmos, eis, aos olhos dos estoicos, a palavra de ordem de toda ação justa, o princípio mesmo de toda moral e de toda política. Porque a justiça é primeiramente justeza: assim como um ebanista ou um luthier ajusta uma peça de madeira num conjunto maior, um móvel, ou um violino, não temos nada melhor a fazer além de tentar nos ajustar à ordem harmoniosa e boa que a theoria acaba de nos desvendar. O que esclarece ainda, diga-se de passagem, o sentido da atividade teórica para os filósofos. O conhecimento não é inteiramente desinteressado, como você pode ver, já que propicia uma ética.
É por isso que as escolas filosóficas da época, contrariamente ao que se faz nos dias de hoje nos colégios ou nas universidades, insistem menos nos discursos do que nos atos, menos nos conceitos do que nos exercícios de sabedoria.
Vou lhe contar um caso para que você compreenda bem o que isso quer dizer. Antes que a escola estoica tivesse sido fundada por Zenão, existia em Atenas uma outra escola, na qual os estoicos muito se inspiraram: a dos cínicos. Hoje em dia, a palavra cínico designa, na linguagem corrente, uma coisa negativa. Dizer que alguém é “cínico” significa que a pessoa não crê em nada, que age sem princípios, sem se preocupar com valores, sem respeito pelo outro etc. Naquela época, no século III a.C., era uma outra história, e os próprios cínicos eram moralistas exigentes.
A palavra possui uma origem divertida: provém diretamente do termo grego que significa “cachorro”. Qual a relação, você perguntará, com uma escola de sabedoria filosófica? É a seguinte: os filósofos cínicos tinham um princípio fundamental de conduta que os levava a procurar viver preferencialmente segundo a natureza, e não em função das convenções sociais artificiais das quais eles não deixavam de caçoar. Uma de suas atividades favoritas consistia em perturbar as pessoas na rua, na praça do mercado, em zombar de suas crenças; hoje, diríamos “chocar o burguês”. Por isso, eram facilmente comparados a esses cãezinhos que nos mordem os calcanhares ou latem perto de nós para melhor nos aborrecer.
Contam, então, que os cínicos — e um dos mais eminentes dentre eles, chamado Crates, foi justamente o mestre de Zenão — obrigavam os alunos a multiplicar os exercícios práticos, exigindo que não se importassem com o disse me disse, contentandose com a missão essencial que consiste em viver de acordo com a ordem cósmica.
Sugeriam, por exemplo, que arrastassem um peixe morto na ponta de um cordão. Você pode facilmente imaginar que o infeliz obrigado a realizar esse tipo de pilhéria logo se tornava vítima de toda espécie de caçoada e de todas as gozações. Mas, como se diz, “ele aprendia”. O quê? Justamente a não mais se importar com o olhar dos outros, e realizar o que os crentes chamam de “conversão”: no caso, uma conversão não a Deus, mas à natureza cósmica da qual a loucura humana jamais deveria nos desviar.
O próprio Crates, num outro estilo, mas inteiramente conforme à natureza, não hesitava em fazer amor em público com Hipárquia, sua mulher. Na época, assim como hoje, as pessoas ficavam muito chocadas. No entanto, por mais estranho que pareça, isso era consequência direta do que se poderia chamar de “ética cosmológica”: a ideia de que a moral e a arte de viver devem tirar seus princípios da harmonia que rege todo o cosmos. Você agora compreende por que, aos olhos dos estoicos, a theoria era a primeira disciplina a ser praticada, pois suas consequências práticas não podiam ser absolutamente negligenciadas!
Aquele que quer viver de acordo com a natureza deve partir da visão de conjunto do mundo e da providência. Não é possível emitir juízos verdadeiros sobre os bens e sobre os males sem conhecer todo o sistema da natureza e da vida dos deuses, nem saber se a natureza humana está ou não de acordo com a natureza universal. E não se pode ver, sem a física, que importância (e ela é imensa) têm as antigas máximas dos sábios: “Obedece às circunstâncias!”, “Segue Deus!”, “Conhece-te a ti mesmo!”, “Nada em excesso!” etc. Somente o conhecimento dessa ciência pode nos ensinar o que pode a natureza na prática da justiça, na conservação de nossas amizades e de nossos apegos...Nesse ponto, sempre segundo Cícero, a natureza constitui “o mais belo dos governos”.
Você pode avaliar o quanto essa visão antiga da moral e da política se encontra nos antípodas do que pensamos hoje nas democracias, nas quais é a vontade dos homens, e não a ordem natural, que deve predominar em qualquer reflexão. Assim é que adotamos o princípio da maioria para eleger nossos representantes ou ainda para escolher e fabricar nossas leis. Além disso, duvidamos frequentemente de que a natureza seja em si “boa”: na melhor das hipóteses, quando não nos brinda com um furacão ou um tsunami, ela se tornou para nós um material neutro, que em si não é moralmente nem bom nem mau.
Para os Antigos, não apenas a natureza era antes de tudo boa, como também não se convocava absolutamente a vontade de uma maioria de humanos para decidir sobre o bem e o mal, sobre o justo e o injusto, pois os critérios que permitiam distingui-los provinham todos de uma ordem natural, exterior e superior aos homens. Geralmente, o que era bom era o que estava em conformidade com a ordem cósmica, quer se quisesse ou não; e o que era mau, o que lhe era contrário, quer agradasse, quer não. O essencial era conseguir concretamente, na prática, acordar-se com a harmonia do mundo, a fim de nele encontrar o justo lugar que cabia a cada um no Todo.
No entanto, se você quiser comparar essa concepção da natureza com alguma coisa que você conhece e que existe ainda hoje em nossas sociedades, pense na ecologia. Para os ecologistas, de fato, e nisso eles retomam, embora sem o saber, os temas da Antiguidade grega, a natureza forma a totalidade harmoniosa que os humanos teriam todo o interesse em respeitar e até, em muitos casos, em imitar. É nesse sentido que eles falam, por exemplo, não em cosmos, mas em “biosfera” — mas isso acaba dando no mesmo —, e ainda em “ecossistemas”. Como diz um filósofo alemão que foi um grande teórico da ecologia contemporânea, Hans Jonas, “os fins do homem moram na natureza”, o que quer dizer: os objetivos que os seres humanos deveriam assumir no plano ético se inscrevem, como pensavam os estoicos, na ordem mesma do mundo, de modo que o “dever-ser” — ou seja, o que moralmente é preciso fazer — não está separado do ser, da natureza tal como ela é.
Como já dizia Crisipo mais de vinte séculos antes de Jonas: “Não há outro meio ou meio mais apropriado para se chegar à definição das coisas boas ou más, à virtude ou à felicidade, do que partir da natureza comum e do governo do mundo”, palavras que Cícero comenta, por sua vez, nestes termos: “Quanto ao homem, ele nasceu para contemplar [theorein] e para imitar o divino mundo... O mundo possui a virtude, é sábio, e, consequentemente, Deus” (Da Natureza dos Deuses, 422) — donde se vê que não é nosso julgamento sobre o real, mas o próprio real que, enquanto divino, se revela como o fundamento de valores éticos e jurídicos.
E por causa disso, seria essa a última palavra da filosofia? Pode ela se limitar a dar, na teoria, uma “visão do mundo” e, em seguida, a partir daí, deduzir os princípios morais segundo os quais os humanos deveriam agir?
Absolutamente, como você verá, pois estamos apenas no limiar dessa procura de salvação, dessa tentativa de se elevar até a sabedoria verdadeira que consiste na abolição de qualquer medo ligado à finitude, à perspectiva do tempo que passa e da morte. É, pois, somente agora, tendo por base a teoria e a prática que acabamos de descrever, que a filosofia estoica vai poder abordar sua verdadeira destinação.
(Luc Ferry - Aprender a Viver)