A depressão é uma doença noturna. Leva o indivíduo ao contato com a escuridão do inconsciente e a voltar-se para o invisível e o obscuro à consciência.
Em geral, a depressão se acentua no período noturno e aos domingos. A noite é o período em que normalmente as pessoas estão em casa, onde não se está vivendo o mundo externo ou da persona.(1) Em casa se vive a vida como ela é e não é possível esconder-se por detrás da máscara social. No grupo familiar todos se conhecem e não conseguem camuflar seu estado de espírito. A rotina e a falta de motivação para ficar em casa contribuem para que surja um sentimento de vazio e de tédio.
Quando a pessoa vive sozinha, a noite é sua terrível companheira, se aliada à depressão, pois o nada e o vazio que ela sugere se parecem com o obscuro terreno do inconsciente. Procurará preencher o período noturno com rituais domésticos, dentre eles, assistir filmes televisivos. Terá seus canais preferidos e seus horários muito bem definidos. Será intima de personagens com os quais se identifica perfeitamente, reduzindo seu senso crítico, em função deles. Não permite que sua rotina seja alterada, a fim de que o vazio não volte a aparecer. Assim procede por se sentir segura, sem atentar ao fato de que sua atitude poderá lhe custar um preço: a prisão inflexível em seu próprio mundo. A vida solitária, na grande maioria dos casos, é uma expiação, cuja causa poderá estar, tanto na vida atual, por opção, ou em vidas passadas. Neste último caso, por hábito ou conseqüência de escolhas inadequadas.
Os domingos parecerão intermináveis. A liberdade de escolher o que fazer, antes um bem precioso, torna-se um problema, pela falta de prazer em estar vivendo a rotina ou mesmo em realizar coisas novas. Nada lhe traz alegria, nem prazer. Seu trabalho, quando o tem, por ser uma obrigação, nem sempre lhe traz prazer, mas, pelo menos, diminui a quantidade de horas vazias.
A noite convidará o depressivo para a reflexão, porém faltar-lhe-á a saída que deseja. Não encontrando a fórmula mágica que o desligue daquele estado tedioso, a noite será sempre negativa e parecerá maior do que é de fato.
Programas noturnos serão criados, saídas para noitadas serão experimentadas, porém tudo em vão. A noite continuará sendo sua companheira de depressão, a avisar que o inconsciente convida à reflexão. Não adianta fugir do inconsciente, pois aonde se for, ele estará junto.
Uma depressiva, cujo processo acompanhei por longo período, adquiriu o hábito de ocupar parte de sua noite, entre as vinte e as vinte e três horas, com uma atividade remunerada. Ela se ocupava em fazer pequenas embalagens (caixas) de papelão para presentes. Aprendeu a confeccioná-las e a pintá-las por fora. Essa atividade, que lhe rendeu algum dinheiro, mascarou a depressão por poucos meses, pois não lhe curou a doença, nem lhe mostrou o seu núcleo. Com o tempo, suas horas de sono ficaram reduzidas, aumentando ainda mais sua insônia e cansaço diurno.
A noite foi feita para dormir, isto é, não só para o descanso corporal, como também para o contato com o mundo espiritual, do qual se vem e para o qual se retorna. Sem esse contato, que corresponde à conexão direta com o inconsciente, a consciência não suporta o excesso de atividade. A tensão gerada pela vida consciente necessita ser aliviada no inconsciente, e vice-versa.
O receio da companhia da noite, e de passá-la em claro, leva o depressivo a acostumar-se com medicação para dormir. Seu sono não será normal, mas induzido. Seu corpo sentirá os reflexos dessa indução, apresentando um cansaço maior ao acordar e seu envelhecimento enviará sinais mais cedo.
A saída será sempre a busca de contato com o núcleo causador de sua depressão. Enquanto não o consiga, deverá preencher suas noites com as atividades que normalmente desempenhava antes de adoecer e com o sono natural.
(Adenáuer Novaes - Alquimia do Amor)
(1) Persona ou máscara
O termo persona deriva das máscaras que os atores gregos
usavam para os diversos papéis ou personalidades que
interpretavam. É o aspecto ideal do eu que se apresenta ao
mundo e que se forma pela necessidade de adaptação e
convivência pessoal. É o que se pensa que é. Muitas vezes a
persona é influenciada pela psiquê coletiva confundindo nossas
ações como se fossem individuais. Ela representa um pacto entre
o indivíduo e a sociedade, sendo um conjunto de personalidades
ou uma multiplicidade de pessoas numa só. A identificação do
ego com a persona provoca o afastamento de nossa identidade
pessoal, isto é, corremos o risco de não sabermos quem
realmente somos. Somos, ao mesmo tempo, seres individuais e
coletivos, pois temos uma natureza singular como também temos
atitudes que nos confundem com a coletividade.