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As tartarugas tântricas

por Thynus, em 29.03.18
Um dia o cartunista Caco Galhardo leu uma entrevista do roqueiro Sting na qual ele se vangloriava de passar até cinco horas ininterruptas em atividade sexual com sua parceira, graças às técnicas de autocontrole erótico derivadas do tantra ioga que proporcionam ao homem horas a fio de ereção impecável e animus fornicandi de leão em tempo de acasalamento. Baixando o jornal, meu amigo Caco ruminou aquela informação até chegar a uma pergunta que endereçou a si mesmo: “Pra quê?”
Veja, o Caco não duvidava da palavra do Sting, que, bem a propósito, quer dizer zangão ou ainda picão em tradução fuleira. Só que ele não conseguia ver a graça em ficar cinco horas trepando sem parar. E sem tirar, conforme insinuava o Zangão do picão doidão. E ainda por cima com uma senhôra que há vinte anos é sua fiel parceira de folguedos sexuais, uma loiraça enxutérrima em seus sessenta aninhos, chamada Trudie, ela própria mestra de tantra iÔga, como parece ser correto dizer tanto na Inglaterra como em BertiÔga.
Mas, ao contrário dos adeptos dessa antiga modalidade transcendente de fuque-fuque desenvolvida na Índia há uns dois ou três milênios, mais ou menos (em se tratando da Índia, país de castas imutáveis, mulheres de sári e vacas sagradas, um milênio a mais, um a menos, não faz muita diferença), Caco afirma que, fosse ele o fodão tântrico, em algum momento da prolongada fodelança iria fatalmente sentir fome, cansaço, tédio, vontade de mijar, de dar um barrão, de ver futiba na TV, de qualquer outra coisa que não foder, foder e foder a mais não poder — foder.
Ao contrário do Caco, e de outros bichos que se reproduzem sexualmente, como este que vos fala, certos animais podem ficar muitas horas, senão dias cavucando sem parar na fêmea, com o inteiro beneplácito de madame, aliás. Uma vez, anos atrás, junto com amigos e seus filhos, levei minha filha mais velha, então com quatro anos, ao parque da Água Branca, em São Paulo. Logo ao entrar, topamos com o viveiro de umas tartarugas enormes, no qual um dos megacascudos, trepado no casco da sua amada, ocupava-se em meter-lhe uma longa e esquisitíssima trolha em formato de arraia com asas espadanantes, ou assim me pareceu. Nunca tinha visto nada assim e não pretendo ver de novo. O tartarugo imiscuía sua vararraia por trás e por baixo da fêmea, através de alguma fenda oculta na couraça da fofa. Claro que a minha filha, no candor da sua rósea infância, perguntou-me o que tanto as tartarugas estavam fazendo, uma trepada na outra. Fazendo tartaruguinhas, respondi, também com a máxima candura possível.
Deixando para trás as tartarugas em seu idílio cascudo, passamos as três horas seguintes no agradável parcão paulistano com ares rurais, onde se realizam leilões e exibições de cavalos e gado, e que era um dos meus destinos preferidos nos fins de semana ensolarados na época em que eu tinha filhas pequenas. Andamos no trenzinho que fazia o tour do enorme terreno, a gurizada se esbaldou nos brinquedos do parquinho, comemos cachorro-quente, nos lambuzamos de algodão-doce e sorvete, fomos ver uma exposição de filhotes de cachorro, gato, hamster, iguanas e tartaruguinhas aquáticas, na saída da qual, aliás, tivemos alguns previsíveis momentos de choro e malcriações por parte da criançada porque nós, os pais, não queríamos comprar filhotes de nenhum ser vivo que tivesse de ser alimentado com ração especial só pra cagar tudo depois em algum canto da casa.
Daí, andamos mais um pouco pelas intermináveis alamedas do parque, tendo já que carregar uma ou outra criança mais sonolenta e manhosa no colo, distraindo nosso olhar com os macaquinhos à solta nas árvores e, sobretudo, com as jovens e belas mamães que também passeavam seus filhotes. Porém, como nem eu nem meus amigos estávamos em condições de lhes oferecer nossas bananas — refiro-me aos macaquinhos, é claro —, atrelados que estávamos a filhos e patroas, seguimos em frente, já pensando em encerrar o passeio.
No fim da tarde, pois, devidamente passeados e alimentados, tocamos pra saída lateral do parque por onde havíamos entrado, passando de novo pelo viveiro das tartarugas tântricas. Lá estava o mesmo casal encouraçado ainda na função, ele a patinar com as patas da frente na couraça escorregadia de sua amante, com sua arraia peniana trabalhando sem descanso a oculta cloaca da parceira. E a coisa ainda parecia bem longe do fim. Às vezes as tartarugas (ou seriam cágados? — dúvida cruel e proparoxítona que ora me assalta) emitiam uns chiados tétricos que deviam significar:
“Vai fundo, Alfredão! Não para!”, exortava a fêmea.
“Cala a boca, Berenice! Assim você me desconcentra”, resmungava o incansável varão.
 
Me passou agorinha pela cabeça que os antepassados daquelas tartarugas ou cágados da Água Branca talvez tenham inventado o tal do sexo tântrico e, de alguma forma, repassado tal sabedoria aos humanos, que, afinal de contas, também são animais, e do tipo sempre interessado em novidades eróticas. Ou, quem sabe, pelo contrário, foram iniciadas nessas refinadas artes por algum tratador iogue ali do parque, tendo se tornado tartarugas tântricas, bem mais lúbricas que as tartarugas ninjas, que só querem saber de pizza e artes marciais.
Pois façam bom proveito, as tartarugas tântricas, se ainda estiverem lá na Água Branca, mais de duas décadas depois, promovendo o estranho espetáculo da reprodução de sua espécie. O mesmo desejo pro Sting, de quem só invejo o talento e a grana, pois, definitivamente, a exemplo do Caco Galhardo, não aspiro a um fôlego sexual que me faça ficar cinco horas a cavucá a perseguida da minha criolá, como diria Clementina de Jesus, muito embora eu viva pensando em sexo, acordado e dormindo, e tanto que às vezes suspeito que é o sexo quem está a me pensar.
O curioso é que, dias depois dessa minha conversa com o Caco, bati os olhos numa notícia de jornal relatando uma ocorrênca policial em Phoenix, Arizona, EUA. Reagindo a denúncias de vizinhos, a justa baixou num tal de Templo da Deusa (Temple of the Goddess), espécie de seita religiosa cujo objetivo prepúcio, digo, precípuo, é difundir a “sagrada cura sexual”, tendo por base justamente a tantra ioga. Olha aí outra vez o danado do sexo tântrico! — pensei, intrigado com a coincidência e disposto a me inteirar melhor daquela história.
O Templo da Deusa, fundado e liderado por Tracy Elise, ex-dona de casa do Alasca, de seus quarenta e oito anos, era pra ser mesmo uma igreja, mas não chegou a ser reconhecida oficialmente como tal, malgrado os esforços da “deusa” Tracy. O que pegava ali é que uma sessão de “cura do bloqueio sexual” à moda tântrica podia custar ao devoto até seiscentos e cinquenta dólares, detalhe que motivou a intranscendente polícia local a rotular tal prática de putaria pura e simples. E levou todo mundo em cana. Tracy, a “Mãe Mística”, como também se faz chamar, foi taxada de cafetina e suas colaboradoras de charlatãs e prostitutas, apesar de serem conhecidas no Templo da Deusa como “trabalhadoras corporais, assessoras sexuais, curadoras intuitivas e terapeutas tântricas certificadas”, entre outros nobres qualificativos.
 
Why Phoenix Goddess Temple Founder Couldn't Employ a Religious-Defense Argument

Mas, afinal, são ou não são putas as templárias da deusa? Ao meu ver, não são, sem deixar de ser, e vice-avesso do verso reverso, se me faço entender.
Essa Tracy Elise, antes de mais nada, é uma figuraça. Coroa já beirando os cinquenta, de petchones respeitáveis, ancuda, coxuda e bunduda, numa noite vadia, com dois ou três martínis na moringa, você não a jogaria aos tubarões se ela surgisse em sua linha de tiro. E a Tracy tem uma história e tanto pra contar.
Depois de um casamento de doze anos, em Fairbanks, Alasca, que lhe rendeu três filhos e a sensação de que a vida era só frio, cansaço e tédio, Tracy, seguindo um chamado divino, mandou a família plantar batata — ela, que tinha sido a Rainha da Colheita de uma prestigiosa feira agrícola do Alasca — e atravessou o Canadá ao volante de uma Dodge Caravan de segunda mão para iniciar uma vida de aventuras e bicos variados nos Estados Unidos, entre os quais se incluía um pouco de viração clássica pra segurar o básico da existência, até aportar em Phoenix com mil e duzentos dólares na bolsa e a missão de oferecer aos declinantes machos locais a “sagrada cura sexual neotântrica”.
Segundo a Mãe Mística declarou a um jornal de Phoenix, “eu estava na minha casinha, num conjunto habitacional, passando roupa e vendo um documentário no canal A&E sobre a Simone de Beauvoir e todos os amantes que ela teve. Pensei lá comigo que eu nunca ia ter uma vida tão excitante quanto a dela”.
A partir dessa epifania a cabo, Tracy Elise passou a frequentar uma livraria espiritualista de Fairbanks que promovia palestras sobre anjos, auras e habilidades psíquicas em geral. Também ouvia fitas com pregações do líder espiritual indiano Deepak Chopra enquanto preparava o jantar da família. Daí a embarcar na Caravan e se mandar de casa foi um passo — quase ia dizendo um piço, e não estaria muito longe da realidade.
A nova ordem religiosa, fundada em 2005, emplacou total, e tanto que, em 2008, Tracy abriu uma filial do Templo da Deusa em Sedona, também no Arizona, estado que, por ela, poderia se chamar Ali-Zona. Em 2009, porém, um novo empreendimento tântrico sob sua égide, em Seattle, acabaria enquadrado pela polícia. Ao abrigo do manto religioso hinduísta, as meninas sob o comando da Mãe Mística, também conhecidas pelo singelo rótulo de “deusas”, ofereciam aos fiéis pagantes modalidades de cura que incluíam “massagem tântrica”, “mimos eróticos” e “plenitude corporal absoluta”. A mesa de massagem era chamada de “altar da luz” e a velha e boa cama de “altar elevado”. O Templo da Deusa também oferecia seminários tipo “Maestria em Masturbação: como superar o vício em pornografia” e “Liberando a Ambrosia do Orgasmo”. (Hummm!) Orgasmo, aliás, é o conceito-chave da nova religião. “O orgasmo é um momento sagrado e divino”, afirma a deusa Tracy. “Você atinge a paz absoluta, não teme a morte e não vivencia a experiência da falta ou da separação.” Bacana, eu diria. Nada a ver com as entediantes maratonas de cinco horas de ripa na chulipa, ao estilo do Sting e das tartatugas tântricas do parque da Água Branca. O negócio ali era a plenitude do gozo, algo que o comum dos mortais alcança em questão de minutos, ou até de segundos, os mais afoitos, descontado o tempo gasto no ritual da pegação ou do jantar à luz de velas, se o sujeito é um velho e incurável romântico.
Tirando a “contribuição” de três dígitos, em dólar, que é de bom-tom ofertar ao Templo da Deusa por cada sessão neotântrica, admito que fiquei interessado no lance. Até porque as deusas — são sempre duas a atender cada fiel — não têm origem no basfond, sendo, ao contrário, moçoilas de família que exerciam honestas e modestas profissões, como contadora, despachante, enfermeira e bancária, antes de aderirem à igreja da ex-dona de casa do Alasca. Várias dessas deusas, ou terapeutas tântricas, são igualmente ex-mães de família em fuga de seus tediosos lares, como a própria Tracy. Quase todas continuam no xilindró lá em Phoenix, a Mãe Mística à frente, já que a justiça americana não aceitou o argumento de que o Templo da Deusa, por ser uma ordem religiosa, deveria se valer da liberdade de culto garantida pela primeira emenda da constituição do país.
Mas qual era o problema real com a Tracy Elise e suas deusas sexuais tântricas? — me perguntei eu, como também você deve estar a matutar. Afinal, lá nos States, tá cheio de boate com centenas de milhares de quengas se oferecendo aos clientes, do mesmo jeito que no Brasil e em centenas de outros países. E tá tudo mais ou menos certo. Ao mesmo tempo, pululam por lá seitas e igrejas as mais doidas imagináveis, regidas por autoproclamados pastores e bispos que ameaçam a humanidade com o fim do mundo na próxima semana caso um número significativo de fiéis não se disponha a orar e a contribuir com polpudos dízimos pra subornar Deus e convencê-lo a adiar o Juízo Final. E a turma também não se amola muito com isso.
Mas, no que a criativa Tracy teve a ideia de misturar as duas enfermarias, o sacro e o sexo, com a mediação da santa grana, deu merda. Americano é muito careta, mesmo. Pra eles, religião é religião, putaria é putaria. Foi na mistura das duas coisas que a porca torceu o rabo e as deusas entraram em cana. Além do quê, segundo devem ter pensado os puritanos de plantão, se a moda pega, todas as donas de casa entediadas e malcomidas da América vão acabar batendo à porta do Templo da Deusa em busca de emprego, prontas para oferecer aos machos disponíveis e solventes da nação umas colheradas da divina ambrosia do orgasmo. E aí? Quem vai cuidar do júnior, fritar o bife, lavar as cuecas e passar as camisas? É por isso que a justa levou as deusas tântricas em cana, pra garantir que Deus continue abençoando a América, e não as fogosas deusas tântricas.

(Reinaldo Moraes - O cheirinho do amor, crônicas safadas)

publicado às 23:35


1 comentário

De Irish O'Neill a 20.02.2019

Hahahahaha!!!! Ótima! Ri muito! Esta crônica é "gozada".

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