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O mapa do mundo de 1990 tem poucas semelhanças com o mesmo mapa referido a 1920. As relações dos poderes militar e económico e de influência política alteraram-se.
O Ocidente continuou a ter um impacto significativo sobre as outras sociedades, mas as relações entre o Ocidente e as outras civilizações foram crescentemente dominadas pelas reacções do Ocidente aos desenvolvinentos verificados naquelas civilizações. As sociedades não ocidentais, longe de serem simplesmente os objectos da história escrita no Ocidente, foram-se tornando, cada vez mais, os motores e os modeladores da sua Própria história e da história ocidental.
Em segundo lugar, como resultado destes desenvolvimentos, o sistema internacional expandiu-se para além do Ocidente e tornou-se multicivilizacional.
Simultaneamente, os conflitos entre os Estados ocidentais - que dominaram aquele sistema durante séculos - desapareceram. No final do século esta fase está ainda incompleta, dado que os Estados-nações do Ocidente se agrupam em dois Estados semiuniversais, na Europa e na América do Norte. Estas duas entidades e as suas unidades constituintes encontram-se, no entanto, ligadas por uma rede extraordinariamente complexa de laços institucionais, formais e informais. Os Estados universais das civilizações anteriores eram impérios. Contudo, desde que a democracia se tornou a forma política da civilização ocidental, o Estado universal dela emergente já não é um império, mas um composto formado por federações, confederações e regimes e organizações internacionais.
As grandes ideologias políticas do século XX incluem o liberalismo, o socialismo, o anarquismo, o corporativismo, o marxismo, o comunismo, a social-democracia, o conservadorismo, o nacionalismo, o fascismo e a democracia cristã. Todas gozam de uma coisa em comum: são produtos da civilização ocidental. Nenhuma outra civilização gerou uma ideologia política com importância. Em contrapartida, o Ocidente nunca gerou uma grande religião. As grandes religiões mundiais são todas produto de civilizações não ocidentais e, na maioria dos casos, anteriores à civilização ocidental. Quando o mundo termina a sua fase ocidental, as ideologias, que tipificaram o período final da civilização ocidental, declinam e o seu lugar é tomado por religiões e outras formas de identidade e de empenhamento de base cultural. A separação vestefaliana da religião e da política internacional, um produto idiossincrásico da civilização ocidental, está a chegar ao fim e, como sugere Edward Mortimer, «é cada vez mais provável que a religião se intrometa nas questões internacionais.
O choque intracivilizacional de ideias políticas, geradas em abundância pelo Ocidente, está a ser suplantado por um choque intercivilizacional de cultura e de religião.
A geografia política global passou do mundo uno dos anos 20 para o mundo triplo dos anos 60 e a meia dúzia de mundos, ou mais, dos anos 90. Concomitantemente, os impérios ocidentais globais de 1920 foram reduzidos ao muito mais limitado «mundo livre» dos anos 60 (que incluía muitos Estados não ocidentais opostos ao comunismo) e, depois, ao ainda mais limitado «Ocidente» dos anos 90. Esta mudança reflectiu-se, semanticamente, entre 1988 e 1993 no declínio do uso do termo civilizacional Ocidente. Também se nota nas cada vez mais frequentes referências ao islão como um fenómeno político cultural, à «Grande China», à Rússia e «países vizinhos» e à União Europeia, todos estes termos com um conteúdo civilizacional. Nesta terceira fase as relações intercivilizacionais são bem mais frequentes e intensas do que na primeira fase e mais equilibradas e recíprocas do que na segunda fase. Não há também, ao contrário do que acontecia durante a guerra fria, uma clivagem única que domine, existindo antes clivagens múltiplas entre o Ocidente e outras civilizações e entre as muitas não ocidentais.
Existe um sistema internacional, argumentou Hedley Bull, «quando dois ou mais Estados têm suficiente contacto entre si e suficiente impacto sobre as decisões recíprocas que os obrigam a comportar-se - pelo menos em parte - como partes de um todo». Existe, porém, uma sociedade internacional quando os Estados de um sistema internacional têm «interesses e valores comuns», «aceitam ser sujeitos a um conjunto comum de regras», «partilham o trabalho em instituições comuns» e têm uma cultura ou civilização comum». Como os seus antepassados Sumérios, Gregos, Helenos, Chineses, Indianos e islâmicos, o sistema internacional europeu do século XVII ao século XIX era também uma sociedade internacional. Nos séculos XIX e XX o sistema internacional europeu expandiu-se para abranger, virtualmente, todas as sociedades das outras civilizações.
Algumas instituições e práticas europeias foram também exportadas para estes países. Contudo, a estas sociedades ainda falta a cultura comum, que constitui a base da sociedade internacional europeia. Em termos da teoria britânica das relações internacionais, o mundo é, assim, um sistema internacional.

(SAMUEL P. HUNTINGTON - O CHOQUE DAS CIVILIZAÇÕES E A MUDANÇA NA ORDEM
MUNDIAL)

publicado às 14:59



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