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1. As esferas das atividades vitais e psicológicas.
Sendo o objetivo desta obra estudar a formação das opiniões e das crenças, é necessário conhecer, primeiramente, o terreno no qual elas podem germinar. Esse conhecimento é tanto mais útil quanto com os progressos da ciência atual, as explicações dos antigos livros de psicologia se tornaram muito ilusórias.
Os fenômenos manifestados pelos seres vivos se podem reduzir a várias categorias sobrepostas hoje, mas que, lentamente, se sucederam no tempo 1o. fenômenos vitais (nutrição, respiração, etc.), 2o. fenômeno afetivos (sentimentos, paixões, etc.); 3o. fenômeno intelectuais (reflexão, raciocínio, etc.). Estes últimos surgiram muito tarde na história da humanidade.
A vida orgânica, a vida afetiva e a vida intelectual constituem assim três esferas de atividade muito distintas; mas, embora separadas umas das outras, incessantemente atuam umas nas outras É impossível por esse motivo compreender as últimas sem estudar a primeira. É, portanto, errôneo deixar de lado o exame dos fenômenos vitais, como fazem os psicólogos, que o abandonam aos fisiologistas.
Mostraremos o seu papel fundamental, quando estudarmos em outra parte desta obra os fenômenos regidos pela lógica biológica. Só será tratada no presente capítulo esta fase primitiva da vida física: a atividade inconsciente do espírito. A sua importância é preponderante, pois nesse terreno se acham as raízes das nossas opiniões e da nossa conduta.

2. A psicologia inconsciente e as fontes da intuição.
Os sentimentos só entram na consciência após uma elaboração automática praticada nessa obscuríssima zona do inconsciente, qualificada hoje de sub-consciente e cuja exploração apenas se acha iniciada.
Sendo os estados intelectuais os únicos facilmente acessíveis, a psicologia, ao começo, não conheceu outros. Por vias indiretas, porém bastante seguras, a ciência moderna; provou que os fenômenos inconscientes desempenham na vida mental um papel muitas vezes mais importantes do que os fenômenos intelectuais. Os primeiros são o substratum dos segundos. Pode-se comparar a vida intelectual a essas ilhotas, vértices de imensos montanhas submarinas invisíveis. As imensas montanhas representam o inconsciente.
O inconsciente é em grande parte um resíduo ancestral. A sua força é devida à circunstância de ser o inconsciente a herança de uma longa série de gerações, a que cada uma juntou alguma coisa.
O seu papel, outrora ignorado, tornou-se tão preponderante hoje que certos filósofos, principalmente W. James e Bergson, nele procuraram a explicação da maior parte dos fenômenos psicológicos.
Sob a influência desses filósofos, originou-se um movimento antiintelectualista muito acentuado. Os adeptos da nova escola acabam mesmo por esquecer um pouco que só a lógica racional permite edificar os progressos científicos e industriais, geradores das nossas civilizações.
As pesquisas que chegaram a dotar de tal importância o subconsciente, não derivam de especulações puras, porém de certas experiências, praticadas, aliás, num intuito alheio à idéia de sustentar filosóficas argumentações. Mencionarei, entre elas, os estudos atinentes ao hipnotismo, à desagregação mórbida das personalidades, ao sonambulismo, aos atos dos médiuns, etc. O mecanismo dos efeitos observados permanece, aliás, desconhecido. Em matéria de psicologia inconsciente, tanto como na de psicologia consciente, cumpre as mais das vezes limitar-se a simples comprovações.
O inconsciente nos guia na imensa maioria dos atos da vida quotidiana. É nosso soberano, mas um soberano que se pode tornar submisso quando é devidamente orientado. A prática de um ofício ou de uma arte facilmente se exerce, desde que os dirija o inconsciente, educado de um modo satisfatório. Uma moral sólida é o inconsciente bem educado.
O inconsciente representa um vasto depósito de estados afetivos e intelectuais, que constitui um capital físico suscetível de enfraquecer-se, mas que nunca inteiramente se dissipa.
Se mesmo levássemos em conta a observação de certos estados patológicos, poder-se-ia dizer que os elementos introduzidos no domínio do inconsciente aí se mantêm muito tempo, senão sempre. É, pelo menos, apenas desse modo que se explicam certos fenômenos observados em médiuns ou em doentes que se exprimem em línguas jamais aprendidas, mas que ouviram falar na sua mocidade.
A intuição, origem das inspirações que, num nível excepcional, constituem o gênio, surge de uma maneira integral de um inconsciente preparado pela hereditariedade e por uma cultura conveniente. As inspirações do grande capitão que alcança vitórias e domina o destino, as do pujante artista que nos revela o esplendor das cousas, do sábio ilustre que penetra os seus mistérios, aparecem sob a fórma de manifestações espontâneas, mas o inconsciente de que elas nascem, havia lentamente elaborado a sua florescência.
Conquanto eles possam ser provados por certas representações mentais de origem puramente intelectual, os sentimentos se formam no domínio do inconsciente. A sua lenta elaboração pode terminar por manifestações súbitas, que rebentam como um raio, como acontece, por exemplo, com as conversões religiosas ou políticas.
Os sentimentos elaborados no inconsciente não chegam sempre à consciência, ou ai chegam somente depois de diversas excitações; é por isso que, por vezes, ignoramos os nossos sentimentos reais no tocante a seres e coisas que nos cercam. Muitas vezes mesmo os sentimentos, e por conseguinte as opiniões e as crenças que deles resultam, diferem inteiramente daqueles que supunhamos. O amor ou o ódio existem algumas vezes em nossa alma, antes que sejam suspeitados. Revelam-se somente quando somos forçados a agir. A ação constitui, com efeito, o único critério indiscutível dos sentimentos. Agir é aprender a conhecer a si mesmo. As opiniões formuladas são palavras vãs, desde que não sejam sanciona das pelo ato.

3. As formas do inconsciente. O inconsciente intelectual e o inconsciente afetivo.
Pode-se, creio eu , estabelecer três categorias distintas no domínio da atividade inconsciente.
Em primeiro lugar, acha-se o inconsciente orgânico, que rege todos os fenômenos da vida: respiração, circulação, etc. Estabilizado desde muito tempo mediante acumulações hereditárias, ele funciona com uma regularidade admirável, e, completamente a despeito da nossa vontade, dirige a vida e faz-nos passar da infância à velhice e à morte, sem que possamos compreender a sua ação.
Acima do inconsciente orgânico vemos o inconsciente afetivo. É de formação mais recente, é um pouco menos estável, conquanto ainda o seja muito. Por isso, quando podemos mudar o assunto no qual se exercem os nossos sentimentos, a nossa ação nele influi de maneira muito fraca No alto dessa escala acha-se o inconsciente intelectual, que muito tarde surgiu na história do mundo e não possui profundas raízes ancestrais. Ao passo que o inconsciente orgânico e o afetivo acabaram por criar instintos transmitidos pela hereditariedade, o inconsciente intelectual só se manifesta ainda sob a forma de predisposições e de tendências, e a educação deve completa-lo em cada geração.
A educação influi grandemente no inconsciente intelectual, precisamente porque ele é menos fixo do que as outras formas do inconsciente. Ela exerce, ao contrário, uma influência diminuta nos sentimentos, que são os elementos fundamentais do nosso caráter, fixos desde muito tempo. O inconsciente afetivo é, freqüentemente, um dominador imperioso, indiferente às decisões da razão. É por isso que tantos homens, muito sensatos nos seus escritos e nos seus discursos, tornam-se, na sua maneira de proceder simples autômatos, dizendo o que não queriam dizer e fazendo o que não queriam fazer.
Resulta das precedentes explicações que a inteligência não é, como durante muito tempo se supôs, o mais importante fator da vida mental. O inconsciente elabora, e os resultados dessa elaboração chegam, inteiramente formados, à inteligência, como as palavras que se apresentam aos lábios do orador.
A grande força do inconsciente consiste em indicar com particular precisão tudo o que ele executa. Deve-se, assim, confiar-lhe o maior número possível de funções A aprendizagem de um ofício ou de uma arte só é completa quando repetidos exercícios encarregaram o inconsciente do trabalho que cumpre executar. A educação, já disse em outro livro, é a arte de fazer passar o consciente para o inconsciente.
Os nossos limites de ação no inconsciente não são, porém, muitos extensos. A biologia moderna baniu, há muito tempo, e com razão, a finalidade do universo; os fatos ocorrem, no entanto, como se ela dominasse o seu encadeamento. Todas as nossas explicações racionais deixam a natureza repleta de manifestações impenetráveis. A julgar pelos seus resultados, poderia parecer que o inconsciente - forma moderna da finalidade - abriga gênios sutis, desejosos de cegar-nos, fazendo-nos sacrificar, incessantemente, os nossos interesses em favor da espécie. Os gênio da finalidade inconsciente são, sem dúvida, simples necessidades selecionadas, que o tempo fixou.
Qualquer que seja a razão, o inconsciente muitas vezes nos domina e sempre nos cega. Não o lamentemos demasiado, porquanto uma clara visão da sorte futura tornaria a existência muito triste. O boi não comeria tranqüilamente a erva do caminho que o conduz ao matadouro, e os entes, na sua maioria, estremeceriam de horror perante o seu destino.

(Gustave Le Bon - As opiniões e as crenças)

publicado às 17:50



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