Um dos mais famosos paradoxos que ainda são amplamente debatidos até hoje foi proposto pelo antigo filósofo grego Eubulides de Mileto, no século IV a.C., que propôs o seguinte:
“Um homem afirma que está mentindo. O que ele diz é verdadeiro ou falso?”
Não importa como a pessoa responda a essa pergunta, haverá problemas porque o resultado é sempre uma contradição.
Se afirmarmos que o homem está falando a verdade, isso quer dizer que ele está mentindo, o que, então, significaria que a frase inicial dele é falsa.
Se dissermos que a afirmação inicial dele é falsa, isso quer dizer que ele não está mentindo e, assim, o que ele afirmou é verdadeiro.
No entanto, não é possível haver uma frase que é simultaneamente verdadeira e falsa.
EXPLICAÇÃO DO PARADOXO DO MENTIROSO
O problema do paradoxo do mentiroso vai além da simples situação do homem retratado por Eubulides. Existem aqui implicações bastante reais.
Ao longo dos anos, houve diversos filósofos que teorizaram sobre o significado do paradoxo do mentiroso. Este demonstra que as contradições surgem das crenças comuns em relação à verdade e à falsidade e que a noção de verdade é vaga. Além disso, o paradoxo do mentiroso demonstra a fraqueza da linguagem. Embora seja gramaticalmente consistente e obedeça às regras da semântica, as frases produzidas no paradoxo do mentiroso não têm valor de verdade. Alguns já usaram o paradoxo do mentiroso até para provar que o mundo é incompleto e, dessa forma, que não pode haver algo como um ser onisciente.
Para compreender melhor o paradoxo do mentiroso, é preciso antes entender as diversas formas que ele pode assumir.
O paradoxo do mentiroso |
A simples falsidade do mentiroso
A forma mais básica do paradoxo do mentiroso é a da simples falsidade, que é a seguinte:
FMentiroso: “Essa sentença é falsa”.
Se FMentiroso diz a verdade, então, isso significa que “Essa sentença é falsa” é verdade e, portanto, o que diz FMentiroso tem de ser falso. Como FMentiroso é simultaneamente verdadeiro e falso, isso cria uma contradição e um paradoxo.
Se FMentiroso diz uma falsidade, então, isso significa que “Essa sentença é falsa” é falsa e, portanto, FMentiroso tem de ser verdadeiro. Como FMentiroso é simultaneamente verdadeiro e falso, isso cria uma contradição e um paradoxo.
A simples inverdade do mentiroso
Essa forma do paradoxo não opera com a falsidade e, em vez disso, constrói-se com base no predicado “é não real”, que é o seguinte:
IMentiroso: “IMentiroso é não real”.
Como no exemplo anterior, se IMentiroso é não real, então, isso é verdadeiro; e, se for real, então isso é não real. Mesmo que IMentiroso não fosse nem verdadeiro nem falso, isso significaria que isso é não real e, como é precisamente isso que ele afirma, IMentiroso é real. Portanto, surge outra contradição.
CICLOS DO MENTIROSO
Até aqui, vimos somente exemplos do paradoxo do mentiroso que são autorreferentes. No entanto, mesmo removendo a natureza autorreferente dos paradoxos, ainda surgem contradições. O ciclo do mentiroso afirma o seguinte:
- “A próxima sentença é verdade.”
- “A sentença anterior não é verdade.”
Se a primeira sentença é verdadeira, então, a segunda é verdadeira, o que tornaria a primeira sentença não real, criando uma contradição. Se a primeira sentença não é verdade, então, a segunda é falsa, o que tornaria a primeira sentença verdadeira, criando uma contradição.
POSSÍVEIS SOLUÇÕES DO PARADOXO DO MENTIROSO
O paradoxo do mentiroso tem sido fonte de debates filosóficos e, ao longo dos anos, os filósofos criaram soluções bem conhecidas, que possibilitam escapar das contradições.
A solução de Arthur Prior
O filósofo Arthur Prior afirma que, por fim, o paradoxo do mentiroso não é um paradoxo completo. Para ele, cada sentença já contém uma implicação de sua própria verdade. Desse modo, uma frase como “Essa sentença é falsa” é realmente o mesmo que dizer “Essa sentença é verdadeira e essa sentença é falsa”. Isso cria uma contradição simples e, como não é possível haver algo que seja verdadeiro e falso, tem de ser falso.
A solução de Alfred Tarski
De acordo com o filósofo Alfred Tarski, o paradoxo do mentiroso só pode surgir em uma língua que seja “semanticamente fechada”. Isso se refere a quaisquer línguas com a capacidade de formar frases que afirmem a verdade ou falsidade de si mesmas ou de outras sentenças. Para evitar essas contradições, Tarski acreditava que houvesse níveis de linguagens e que a verdade ou a falsidade só poderiam ser afirmadas por uma língua superior à daquelas sentenças. Ao criar essa hierarquia, ele foi capaz de evitar as contradições autorreferentes. Qualquer língua que seja superior na hierarquia pode se referir a uma inferior; mas não vice-versa.
A solução de Saul Kripke
Segundo Saul Kripke, para ser considerada paradoxal, uma sentença depende dos fatos contingentes. Ele afirmava que, quando o valor de verdade de uma frase está vinculado a um fato do mundo que pode ser avaliado, então, a sentença é “fundamentada”. Contudo, se o valor de verdade não está vinculado a um fato avaliável, então, a afirmação não tem valor. As frases do paradoxo do mentiroso e outras similares não são fundamentadas e, assim, não contêm valor de verdade.
A solução de Jon Barwise e John Etchemendy
Para Barwise e Etchemendy, o paradoxo do mentiroso é ambíguo. Os dois distinguem “desmentir” e “invalidar”. Se o mentiroso afirma “Essa sentença não é real”, então, ele está negando a si mesmo. Se o mentiroso afirma “Não é o caso dessa sentença ser real”, então, ele está desmentindo a si mesmo. De acordo com eles, o mentiroso que nega a si mesmo pode ser falso sem contradição, e o mentiroso que desmente a si mesmo pode ser verdadeiro sem contradição.
A solução de Graham Priest
O filósofo Graham Priest propôs o dialeteísmo, a noção de que existem contradições reais — aquelas que são simultaneamente verdadeiras e falsas. Ao acreditar nisso, o dialeteísmo tem de rejeitar o bastante conhecido e aceito princípio de explosão,6 que afirma que todas as proposições podem ser deduzidas das contradições, a menos que também aceite o trivialismo, a noção de que toda proposição é verdadeira. No entanto, como o trivialismo é instintivamente falso, o princípio de explosão é quase sempre rejeitado por aqueles que são adeptos do dialeteísmo.
(Paul Kleinman - Tudo o que você precisa saber sobre Filosofia)