Ao apogeu de Kant, seguiu-se imediatamente na filosofia alemã um período em que os filósofos se esforçaram para impressionar em vez de convencer; em vez de serem precisos e claros, tentaram ser brilhantes e hiperbólicos, mas sobretudo incompreensíveis; e chegaram ao ponto de fazer intrigas em vez de buscar a verdade.
Sendo assim, a filosofia não pôde progredir. Finalmente toda essa escola e seu método entraram em falência. Pois em Hegel e em seus companheiros o atrevimento das escrevinhações de disparates, de um lado, e a dos panegíricos sem escrúpulos, de outro, além da premeditação evidente de toda essa intriga, atingiram dimensões tão colossais que, por fim, todos tiveram de abrir os olhos para o charlatanismo, e quando, como resultado de certas revelações, foi retirada a proteção do alto, também tiveram de abrir a boca. Essa filosofice, que é a mais miserável de todas as outras existentes, arrastou consigo ao abismo do descrédito seus antecedentes Fichte e Schel ing. Com isso, revela-se a total incompetência filosófica da primeira metade do século que seguiu a Kant na Alemanha, enquanto os estrangeiros assistem à glorificação do talento filosófico dos alemães — sobretudo depois que um escritor inglês teve a ironia maldosa de chamá-los de povo de pensadores.
Na filosofia kantiana, fala-se muito do uso imanente e transcendente, bem como da validade dos nossos conhecimentos: certamente nossos filósofos trocistas não conseguiriam lidar com as mesmas distinções perigosas. No entanto, bem que gostariam de ter as mesmas expressões, pois elas soam muito eruditas. Sendo assim, uma vez que sua filosofia tem sempre como objeto principal apenas o querido Deus, que portanto também aparece como um bom e velho conhecido que dispensa apresentações, esses filósofos trocistas usam aquelas expressões a ponto de discutir se Deus encontra-se dentro do mundo ou permanece fora dele, ou seja, num espaço em que não há mundo: no primeiro caso, intitulam-no imanente e, no outro, transcendente, naturalmente demonstrando sua máxima seriedade e erudição, acrescentando jargão hegeliano e desfrutando do seu passatempo preferido. A esse propósito, nós, pessoas já de uma certa idade, lembramo-nos das gravuras no almanaque satírico de Falk, que representa Kant dentro de um balão no céu jogando todas as suas peças de roupa, além de chapéus e perucas, para o chão, onde macacos as recolhem e com elas se adornam.
Todos os filosofastros e visionários, com F. H. Jacobi à frente dos delatores de ateus, correram para aquela portinhola que se lhes tinha sido aberta inesperadamente, para levar suas coisinhas ao mercado ou pelo menos para salvar a parte que lhes era mais cara daquela velha herança que a doutrina de Kant ameaçava destruir. Do mesmo modo como, na vida do solteiro, um único erro de juventude costuma ser suficiente para arruinar uma existência inteira, o único erro de Kant, ou seja, o de ter admitido uma razão prática, dotada de um crédito inteiramente transcendente e capaz de decidir "sem provas", como os sumos tribunais de apelação, bastou para que daquela rigorosa e sábia filosofia crítica derivassem as teorias mais heterogêneas, as teorias de uma razão que "pressente" timidamente o "sobrenatural", depois o "reconhece" com clareza e, por fim, o "intui intelectualmente" de maneira concreta. A partir desse momento, todo visionário pode afirmar suas fantasias como sentenças e revelações "absolutas", ou seja, emitidas ex tripode, dessa razão. Esse novo privilégio foi utilizado honestamente. Em tal fato reside, portanto, a origem daquele método filosófico surgido imediatamente após a doutrina de Kant e que consiste em mistificar, impressionar, sido aberta inesperadamente, para levar suas coisinhas ao mercado ou pelo menos para salvar a parte que lhes era mais cara daquela velha herança que a doutrina de Kant ameaçava destruir. Do mesmo modo como, na vida do solteiro, um único erro de juventude costuma ser suficiente para arruinar uma existência inteira, o único erro de Kant, ou seja, o de ter admitido uma razão prática, dotada de um crédito inteiramente transcendente e capaz de decidir "sem provas", como os sumos tribunais de apelação, bastou para que daquela rigorosa e sábia filosofia crítica derivassem as teorias mais heterogêneas, as teorias de uma razão que "pressente" timidamente o "sobrenatural", depois o "reconhece" com clareza e, por fim, o "intui intelectualmente" de maneira concreta. A partir desse momento, todo visionário pode afirmar suas fantasias como sentenças e revelações "absolutas", ou seja, emitidas ex tripode, dessa razão. Esse novo privilégio foi utilizado honestamente. Em tal fato reside, portanto, a origem daquele método filosófico surgido imediatamente após a doutrina de Kant e que consiste em mistificar, impressionar, enganar, em jogar areia nos olhos e em lograr, e cuja época será um dia designada como o "período da deslealdade" na história da filosofia. Pois já não existe o caráter da honestidade e da investigação em comum com o leitor, contido nos textos de todas as filosofias anteriores. O filosofastro dessa época não quer mais instruir seu leitor, mas enganá-lo: é o que comprova cada página. Como heróis desse período brilham Fichte e Schel ing, mas por fim também o charlatão grosseiro e vulgar chamado Hegel, que é totalmente indigno desses homens de talento e se mostra muito inferior a eles. Vários professores de filosofia fizeram coro em volta deles e, com expressão severa, falaram a seu público do infinito, do absoluto e de muitas outras coisas das quais simplesmente não podiam saber nada.
(Arthur Schopenhauer - A Arte de Insultar)