O homem só engendra se permanece fiel ao destino geral. Se se aproxima da essência do demônio ou do anjo, torna-se estéril ou procria abortos. Para Raskolnikov, para Ivan Karamazov ou Stavroguin, o amor é apenas um pretexto para acelerar sua perdição; e mesmo tal pretexto desvanece-se para Kirilov: já não se mede com os homens, mas com Deus. Quanto ao Idiota ou a Aliocha, o fato de que um imite Jesus e o outro os anjos coloca-os de saída entre os impotentes...
Mas, arrancar-se da cadeia dos seres e recusar a ideia de ascendência ou de posteridade não é, contudo, rivalizar com o santo, cujo orgulho excede toda dimensão terrestre. Na realidade, sob a decisão pela qual se renuncia a tudo, sob a incomensurável façanha desta humildade, oculta-se uma efervescência demoníaca: o ponto inicial, o botão de partida da santidade toma a forma de um desafio lançado ao gênero humano; depois, o santo sobe a escada da perfeição, começa a falar de amor, de Deus, volta-se para os humildes, intriga as massas – e nos irrita. Mas não deixa de nos haver lançado um desafio...
O ódio à “espécie” e a seu “gênio” os aparenta aos assassinos, aos dementes, às divindades, e a todos os grandes estéreis. A partir de um certo grau de solidão, seria preciso deixar de amar e de cometer a fascinante desonra da cópula. Quem quer perpetuar-se a todo custo mal se distingue do cão: ainda é natureza; não compreenderá jamais que se possa sofrer o império dos instintos e rebelar-se contra eles, gozar das vantagens da espécie e desprezá-las: um fim de raça – com apetites. Este é o conflito de quem adora e abomina a mulher, extremamente indeciso entre a atração e o nojo que ela inspira. Por isso – não conseguindo renegar totalmente a espécie – resolve esse conflito sonhando, sobre os seios, com o deserto e mesclando um perfume claustral ao odor de suores demasiado concretos. As insinceridades da carne o aproximam dos santos...
Solidão do ódio... Sensação de um deus voltado para a destruição, pisoteando as esferas, babando sobre o céu e sobre as constelações.... de um deus frenético, sujo e malsão; um demiurgo ejaculando, através do espaço, paraísos e latrinas: cosmogonia de delirium tremens; apoteose convulsiva em que o fel coroa os elementos... As criaturas se lançam na direção de um arquétipo de fealdade e suspiram por um ideal de deformidade... Universo da careta, júbilo da toupeira, da hiena e do piolho... Nenhum horizonte mais, salvo para os monstros e para os vermes. Tudo se encaminha para o repulsivo e para o gangrenoso: este globo que supura enquanto que os viventes mostram suas feridas sob os raios do cancro luminoso.
(CIORAN - BREVIÁRIO DE DECOMPOSIÇÃO)