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A NEGATIVA DE PROCRIAR

por Thynus, em 22.02.15

 
Aquele que, havendo gasto seus apetites, aproxima-se de uma forma limite de desapego, já não quer perpetuar-se; detesta sobreviver em outro, ao qual de resto não teria mais nada a transmitir; a espécie o apavora; é um monstro e os monstros não engendram. O “amor” o cativa ainda: aberração entre seus pensamentos. Busca um pretexto para retomar a condição comum; mas o filho lhe parece inconcebível, como a família, a hereditariedade, as leis da natureza. Sem profissão nem progenitura, cumpre – última hipóstase – seu próprio acabamento. Mas por afastado que esteja da fecundidade, um monstro mais audacioso o supera: o santo, exemplar ao mesmo tempo fascinante e repulsivo, em relação ao qual sempre se está a meio caminho e em uma posição falsa; a sua, pelo menos, é clara: já não há jogo possível, nem diletantismo. Alçado aos cumes dourados de suas repugnâncias, às antípodas da Criação, faz de seu nada uma auréola. A natureza jamais conheceu tamanha calamidade: do ponto de vista da perpetuação, marca um fim absoluto, um desenlace radical. Entristecer-se, como Léon Bloy, porque não somos santos é desejar o desaparecimento da humanidade... em nome da fé! Como parece positivo, ao contrário, o diabo, já que, obrigando-nos a fixar-nos em nossas imperfeições, trabalha involuntariamente, e traindo sua essência – para conservar-nos! Destrua os pecados: a vida murcha bruscamente. As loucuras da procriação desaparecerão um dia, mais por cansaço do que por santidade. O homem se esgotará menos por haver buscado a perfeição do que por haver-se dissipado; parecerá então um santo vazio e estará tão distante da fecundidade da natureza como o está esse modelo de acabamento e de esterilidade.
O homem só engendra se permanece fiel ao destino geral. Se se aproxima da essência do demônio ou do anjo, torna-se estéril ou procria abortos. Para Raskolnikov, para Ivan Karamazov ou Stavroguin, o amor é apenas um pretexto para acelerar sua perdição; e mesmo tal pretexto desvanece-se para Kirilov: já não se mede com os homens, mas com Deus. Quanto ao Idiota ou a Aliocha, o fato de que um imite Jesus e o outro os anjos coloca-os de saída entre os impotentes...
Mas, arrancar-se da cadeia dos seres e recusar a ideia de ascendência ou de posteridade não é, contudo, rivalizar com o santo, cujo orgulho excede toda dimensão terrestre. Na realidade, sob a decisão pela qual se renuncia a tudo, sob a incomensurável façanha desta humildade, oculta-se uma efervescência demoníaca: o ponto inicial, o botão de partida da santidade toma a forma de um desafio lançado ao gênero humano; depois, o santo sobe a escada da perfeição, começa a falar de amor, de Deus, volta-se para os humildes, intriga as massas – e nos irrita. Mas não deixa de nos haver lançado um desafio...
O ódio à “espécie” e a seu “gênio” os aparenta aos assassinos, aos dementes, às divindades, e a todos os grandes estéreis. A partir de um certo grau de solidão, seria preciso deixar de amar e de cometer a fascinante desonra da cópula. Quem quer perpetuar-se a todo custo mal se distingue do cão: ainda é natureza; não compreenderá jamais que se possa sofrer o império dos instintos e rebelar-se contra eles, gozar das vantagens da espécie e desprezá-las: um fim de raça – com apetites. Este é o conflito de quem adora e abomina a mulher, extremamente indeciso entre a atração e o nojo que ela inspira. Por isso – não conseguindo renegar totalmente a espécie – resolve esse conflito sonhando, sobre os seios, com o deserto e mesclando um perfume claustral ao odor de suores demasiado concretos. As insinceridades da carne o aproximam dos santos...
Solidão do ódio... Sensação de um deus voltado para a destruição, pisoteando as esferas, babando sobre o céu e sobre as constelações.... de um deus frenético, sujo e malsão; um demiurgo ejaculando, através do espaço, paraísos e latrinas: cosmogonia de delirium tremens; apoteose convulsiva em que o fel coroa os elementos... As criaturas se lançam na direção de um arquétipo de fealdade e suspiram por um ideal de deformidade... Universo da careta, júbilo da toupeira, da hiena e do piolho... Nenhum horizonte mais, salvo para os monstros e para os vermes. Tudo se encaminha para o repulsivo e para o gangrenoso: este globo que supura enquanto que os viventes mostram suas feridas sob os raios do cancro luminoso.

 (CIORAN - BREVIÁRIO DE DECOMPOSIÇÃO)
 

publicado às 15:31



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