Muitos se perguntam: estudar para quê? Principalmente os adolescentes quando se aproxima a época do vestibular. E até antes disso, quando as intermináveis aulas das escolas de 1º e 2º graus tentam lhes ensinar coisas para eles inúteis, desconhecedores que são de outro universo que não seja aquele limitado a seu pequeno mundo — o círculo das poucas pessoas e coisas que acreditam conhecer. Estudar para quê? Para namorar, não serve; para inaugurar a longa era de confrontos com os pais, característica dos adolescentes, também não. Para entender os perigos da rua, também não. Mas, há séculos, a humanidade receita estudar, principalmente na adolescência, e os povos que mais estudam, mais aprendem e vivem melhor. Tudo isto confronta os adolescentes com dilemas profundos, que pela falta de experiência, incluindo a do estudo, eles não conseguem enxergar.
Quem sabe, estudar sirva só para aprender coisas, para ampliar o mundo em que vivemos. Mas esse “só” é terrivelmente importante. Uma evidência do quanto é importante são os já numerosos estudos mostrando que a incidência e a gravidade da principal doença da memória, o mal de Alzheimer, são menores nas pessoas mais instruídas, e pouco têm a ver com o nível socioeconômico ou a saúde geral do paciente.
O melhor desses estudos foi feito por uma grande equipe de médicos no Hospital Francês de Buenos Aires. Para fins de saúde pública, essa cidade se divide em regiões, cada uma a cargo de um hospital. Na sua região, o Hospital Francês tem sob sua responsabilidade uma população complexa, com gente de diversas idades, variados níveis socioeconômicos, graus de nutrição e níveis de escolaridade. Há pessoas com pouca instrução e altos níveis econômicos: traficantes, ladrões, açougueiros bem-sucedidos etc. Há pessoas com alto nível intelectual e baixo poder econômico: os doutores desempregados resultantes das crises econômicas. Há também pobres incultos e bem nutridos, ricos cultos malnutridos, e toda a variedade de combinações que se possa imaginar. Pois bem, nessa vasta população, a incidência da doença de Alzheimer é cinco ou seis vezes superior nas camadas mais ignorantes — primário incompleto ou menos — que nas camadas bem instruídas — pessoas com pós-graduação, independentemente do nível socioeconômico. O mesmo acontece com a gravidade relativa da doença: é muito maior, para sujeitos da mesma idade, entre os ignorantes. Há pouca ou nenhuma influência do estresse ou da qualidade ou quantidade da alimentação.
A explicação disso é muito simples: a doença de Alzheimer é causada por lesões cerebrais específicas que vão matando um certo número de neurônios e sinapses por dia. Muito bem, pensemos agora não em termos de neurônios e sinapses, mas de dinheiro. Vamos supor que exista uma doença pela qual as pessoas perdem 5 mil reais por dia. Duas pessoas pegam a doença, uma cujo capital inicial é de 5 milhões de reais, e outra cujo capital inicial é de 5 mil. A primeira demorará muitos dias para sequer se dar conta de que padece da doença. A segunda perde tudo o que tinha já no primeiro dia, e fica na miséria no mesmo instante. A mesma coisa ocorre no mal de Alzheimer, com os neurônios e as memórias que eles carregam em suas redes sinápticas. Quem mais estudou, quem mais memórias complexas formou, menos sofre com essa doença que ataca a partir dos 50 ou 60 anos de idade uma porcentagem elevada da população.
Há um deficit de memória, leve, que aparece lenta e sorrateiramente em boa parte da população acima dos 50 ou 60 anos — alguns dizem que antes. Esse deficit se caracteriza mais pela lentidão em aprender ou evocar memórias do que por sua diminuição real e, em geral, é considerado “benigno”. Muitos nem se dão conta de que têm esse deficit, nem seus familiares. Mas quando atinge um certo grau, muitos médicos o consideram premonitório da doença de Alzheimer. Achados recentes de pesquisadores norte-americanos sugerem que, na verdade, esse deficit “benigno” de memória dos idosos — que denominam transtorno perceptivo —, é em si uma doença que afeta 22% da população acima de 75 anos. Enquanto as pesquisas na área continuam, para saber se esse deficit é ou não um sinal ou um fator agravante de um futuro mal de Alzheimer, acho bom levarmos em consideração que o deficit “benigno” de memória que se observa com a idade também é menor — e mais benigno — nas pessoas com instrução superior do que nas pessoas com educação primária incompleta.
Portanto, é de bom alvitre ler, ler e ler, e se interessar pelo que se lê e pelo que se ouve. E, como lendo se aprende, estaremos praticando o funcionamento de nossa capacidade de memória e garantindo uma maturidade e, mais tarde, uma senilidade menos penosas.
(Izquierdo, Ivan - A arte de esquecer: cérebro e memória)