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A lei da religião

por Thynus, em 31.01.16
Nos 300 anos decorridos desde a crucificação de Cristo até a conversão do imperador Constantino, os imperadores romanos politeístas iniciaram não mais que quatro perseguições gerais aos cristãos. Os administradores e governantes locais também incitaram certa violência contra os cristãos. Ainda assim, se considerarmos todas as vítimas de todas essas perseguições, veremos que, nesses três séculos, os romanos politeístas mataram não mais que alguns milhares de cristãos.
Os cristãos, por sua vez, ao longo dos 15 séculos seguintes, assassinaram cristãos aos milhões por defenderem interpretações ligeiramente diferentes da religião do amor e da compaixão.
 
A chamada "civilização cristã ocidental" nasce no dia em que os líderes de uma nascente religião se deram conta de ter um deus todo-poderoso, mas não uma espada com que levar o seu verbo pelo mundo; enquanto o imperador de Roma se deu conta de ter uma espada poderosa, mas não um ideal superior ao qual legá-la. Foi assim que numa noite Constantino… "sonhou" que um anjo lhe mostrou uma cruz e lhe disse "In hoc signo vinces" ("Por este sinal conquistarás ")
E o Sacro Império Romano nasceu.
(In hoc signo vinces)
 
“A intolerância é intrínseca apenas ao monoteísmo: um deus único é, por natureza, um deus ciumento, que não tolera nenhum outro além dele mesmo.”
 
"Os homens nunca fazem o mal
tão plenamente e com tanto entusiasmo
como quando o fazem por convicção religiosa"
(Pascal
 
O monoteísmo é filho da escrita. Sem a escrita, não havreia a Torá, a Bíblia e o Alcorão
 
 
NO MERCADO MEDIEVAL EM SAMARCANDA, UMA CIDADE CONSTRUÍDA EM UM OÁSIS no centro da Ásia, mercadores sírios acariciavam finas sedas chinesas, membros de tribos ferozes das estepes exibiam o último lote de escravos de cabelo de palha do extremo oeste, e lojistas embolsavam moedas de ouro brilhantes gravadas com letras exóticas e imagens de reis pouco familiares. Ali, na época uma das principais encruzilhadas entre Ocidente e Oriente, Norte e Sul, a unificação da humanidade era um fato cotidiano. O mesmo processo pôde ser observado quando o exército de Kublai Khan se reuniu para invadir o Japão em 1281. Cavaleiros mongóis usando peles de animais lutavam lado a lado com soldados de infantaria chineses que usavam chapéus de bambu, auxiliares coreanos bêbados brigavam com marinheiros tatuados do mar do sul da China, engenheiros da Ásia Central ouviam boquiabertos as histórias fantásticas das aventuras europeias, e todos obedeciam ao comando de um único imperador.
Enquanto isso, em volta da Caaba sagrada em Meca, a unificação humana acontecia por outros meios. Se você fosse um peregrino em Meca, circundando o santuário mais sagrado do Islã no ano 1300, possivelmente se veria na companhia de um grupo da Mesopotâmia, com suas túnicas flutuando ao vento, os olhos brilhando em êxtase e a boca repetindo, um após outro, os 99 nomes de Deus. Logo à frente você poderia ver um patriarca turco castigado pelo clima das estepes asiáticas, andando pesadamente com um cajado e acariciando a barba de modo pensativo. De um lado, com joias de ouro reluzindo sobre a pele cor de azeviche, poderia haver um grupo de muçulmanos do reino africano de Mali. O aroma de cravo, cúrcuma, cardamomo e sal marinho teria sinalizado a presença de irmãos da Índia, ou, talvez, das misteriosas ilhas de especiarias mais ao leste. Hoje a religião é, muitas vezes, considerada uma fonte de discriminação, desavença e desunião. Mas, na verdade, a religião foi o terceiro maior unificador da humanidade, junto com o dinheiro e os impérios. Uma vez que todas as hierarquias e ordens sociais são imaginadas, elas são todas frágeis, e, quanto maior a sociedade, mais frágil ela é. O papel histórico crucial da religião foi dar legitimidade sobre-humana a essas estruturas frágeis. As religiões afirmam que nossas leis não são resultado de capricho humano, e sim determinadas por uma autoridade suprema e absoluta. Isso ajuda a tornar inquestionáveis pelo menos algumas leis fundamentais, garantindo, desse modo, a estabilidade social.
A religião pode ser definida, portanto, como um sistema de normas e valores humanos que se baseia na crença em uma ordem sobre-humana. Isso envolve dois critérios distintos: (1) A religião postula a existência de uma ordem sobre-humana, que não é produto de caprichos ou acordos humanos. O futebol profissional não é uma religião, porque, apesar de suas muitas leis, cerimônias e, com frequência, rituais estranhos, todos sabemos que os próprios seres humanos inventaram o futebol, e a FIFA pode, a qualquer momento, aumentar o tamanho da goleira ou anular a regra do impedimento.
(2) Com base nessa ordem sobre-humana, a religião estabelece normas e valores que considera obrigatórios. Hoje, muitos ocidentais acreditam em fantasmas, fadas e reencarnação, mas essas crenças não dão origem a padrões morais e de comportamento. Sendo assim, não constituem uma religião.
Apesar de sua capacidade de legitimar ordens políticas e sociais disseminadas, nem todas as religiões usaram esse potencial. A fim de unir sob sua égide uma grande extensão de território habitado por grupos diferentes de seres humanos, uma religião precisa ter outras duas qualidades. Em primeiro lugar, precisa sustentar uma ordem sobre-humana abrangente que seja verdadeira sempre e em toda parte. Em segundo lugar, precisa insistir em difundir essa crença para todos. Dito de outro modo, precisa ser universal e missionária.
As religiões mais conhecidas da história, como o islamismo e o budismo, são universais e missionárias. Em consequência, as pessoas tendem a acreditar que todas as religiões são como elas. Na verdade, a maioria das religiões antigas eram locais e exclusivas. Seus seguidores acreditavam em espíritos e deidades locais e não tinham interesse algum em converter toda a raça humana. Até onde sabemos, as religiões universais e missionárias só começaram a aparecer no primeiro milênio a.C. Seu surgimento foi uma das revoluções mais importantes da história e fez uma contribuição vital à unificação da humanidade, assim como o surgimento de impérios universais e do dinheiro universal.

Silenciando os inocentes
Quando o animismo era o sistema de crença dominante, as normas e os valores humanos tinham de levar em consideração a perspectiva e os interesses de uma infinidade de outros seres, tais como animais, plantas, fadas e fantasmas. Por exemplo, um bando de caçadores-coletores no vale do Ganges pode ter estabelecido uma lei proibindo as pessoas de cortarem uma figueira particularmente grande, para evitar que o espírito da figueira ficasse furioso e se vingasse. Outro bando de caçadores-coletores vivendo no vale do Indo pode ter proibido as pessoas de caçar raposas de cauda branca, porque uma raposa de cauda branca certa vez revelou a uma velha sábia onde o bando poderia encontrar obsidiana preciosa.
Tais religiões tendiam a ter uma perspectiva muito local e a enfatizar as características singulares de lugares, climas e fenômenos específicos. A maioria dos caçadores-coletores passava a vida inteira em uma área de não mais de mil quilômetros quadrados. Para sobreviver, os habitantes de um determinado vale precisavam entender a ordem sobre-humana que regulava esse vale e adequar seu comportamento a tal ordem. Não fazia sentido tentar convencer os habitantes de um vale distante a seguir as mesmas regras. As pessoas do Indo não se preocupavam em enviar missionários ao Ganges para convencer os locais a não caçarem raposas de cauda branca.
A Revolução Agrícola parece ter sido acompanhada de uma revolução religiosa. Os caçadores-coletores caçavam animais selvagens e coletavam plantas silvestres, que podiam ser vistos como iguais em status ao Homo sapiens. O fato de que os homens caçavam ovelhas não tornava as ovelhas inferiores aos homens, assim como o fato de que os tigres caçavam homens não tornava os homens inferiores aos tigres. Os seres se comunicavam diretamente uns com os outros e negociavam as regras que governavam o habitat por eles partilhado. Já os agricultores possuíam e manipulavam plantas e animais e dificilmente se rebaixavam ao negociar suas posses. Portanto, o primeiro efeito religioso da Revolução Agrícola foi transformar as plantas e os animais de membros iguais de uma mesa-redonda espiritual em propriedade.
Isso, no entanto, criou um grande problema. Os agricultores podem ter desejado o controle absoluto de suas ovelhas, mas sabiam perfeitamente bem que seu controle era limitado. Eles podiam trancar as ovelhas em currais, castrar os carneiros e criar ovelhas seletivamente, mas não tinham como garantir que as ovelhas conceberiam e dariam à luz cordeiros saudáveis, tampouco tinham como evitar a erupção de epidemias mortais. Como, então, proteger a fecundidade dos bandos? Uma teoria bastante aceita sobre a origem dos deuses afirma que estes ganharam importância porque ofereciam uma solução para tal problema. Deuses como a deusa da fertilidade, o deus do céu e o deus da medicina se tornaram protagonistas quando plantas e animais perderam sua capacidade de falar, e a principal função dos deuses era fazer a mediação entre os humanos e as plantas e os animais calados. Grande parte da mitologia antiga é, na verdade, um contrato em que os humanos prometem a devoção eterna aos deuses em troca do domínio de plantas e animais – os primeiros capítulos do livro do Gênesis são um exemplo excelente. Durante milhares de anos após a Revolução Agrícola, a liturgia religiosa consistiu principalmente em humanos sacrificando cordeiros e ofertando-os com pão e vinho aos poderes divinos, que, por sua vez, prometiam colheitas abundantes e rebanhos fecundos.
No início, a Revolução Agrícola teve um impacto muito menor no status de outros membros do sistema animista, como rochas, nascentes, fantasmas e demônios. No entanto, pouco a pouco estes também perderam status em favor dos novos deuses. Enquanto as pessoas passavam a vida toda em territórios limitados de algumas centenas de quilômetros quadrados, a maior parte de suas necessidades podia ser atendida por espíritos locais. Mas, quando os reinos e as redes de comércio se expandiram, as pessoas precisaram contatar entidades cujo poder e autoridade abarcassem um reino inteiro ou uma região comercial inteira.
A tentativa de satisfazer essas necessidades levou ao surgimento de religiões politeístas (do grego poli = muitos e theos = deuses). Essas religiões entendiam que o mundo era controlado por um grupo de deuses poderosos, como a deusa da fertilidade, o deus da chuva e o deus da guerra. Os humanos podiam rogar a esses deuses, e os deuses podiam, se recebessem devoções e sacrifícios, dignar-se a trazer chuva, vitória e saúde.
O animismo não desapareceu totalmente com o advento do politeísmo. Demônios, fadas, fantasmas, rochas sagradas, nascentes sagradas e árvores sagradas continuaram sendo parte integral de quase todas as religiões politeístas. Esses espíritos eram muito menos importantes que os grandes deuses, mas eram bons o bastante para satisfazer as necessidades mundanas de muitas pessoas comuns. Enquanto o rei em sua capital sacrificava dezenas de carneiros gordos para o grande deus da guerra, rezando para que ele lhe concedesse a vitória sobre os bárbaros, o camponês em sua cabana acendia uma vela para a fada da figueira, rezando para que ela o ajudasse a curar seu filho doente. Mas o maior impacto da ascensão dos grandes deuses não foi sobre ovelhas ou demônios, e sim sobre o status do Homo sapiens. Os animistas acreditavam que os humanos fossem apenas uma das muitas criaturas que habitam o mundo. Os politeístas, por outro lado, cada vez mais viam o mundo como um reflexo da relação entre deuses e humanos. Nossas preces, nossos sacrifícios, nossos pecados e nossas boas ações determinavam o destino de todo o ecossistema. Uma inundação terrível poderia exterminar bilhões de formigas, gafanhotos, tartarugas, antílopes, girafas e elefantes, só porque alguns poucos sapiens estúpidos exasperaram os deuses. O politeísmo, portanto, exaltava não só o status dos deuses como também o da humanidade. Os membros menos afortunados do velho sistema animista perderam sua estatura e se tornaram figurantes ou objetos de cena silenciosos no grande drama da relação do homem com os deuses.

Os benefícios da idolatria
Dois mil anos de lavagem cerebral monoteísta fizeram com que a maioria dos ocidentais veja o politeísmo como uma idolatria ignorante e infantil. Esse é um estereótipo injusto. Para entender a lógica inerente ao politeísmo, é necessário compreender a ideia central por trás da crença em muitos deuses.
O politeísmo não necessariamente contesta a existência de um único poder ou lei que governa o universo inteiro. Na verdade, a maioria das religiões politeístas e mesmo animistas reconhecia tal poder supremo por trás dos diferentes deuses, demônios e rochas sagradas. No politeísmo grego clássico, Zeus, Hera, Apolo e seus colegas estavam sujeitos a um poder onipotente que abarcava tudo – o Destino (Moira, Ananke). Os deuses nórdicos também eram servos do destino, que os condenou a perecer no cataclismo de Ragnarök (o Crepúsculo dos Deuses). Na religião politeísta dos iorubás, da África Ocidental, todos os deuses nasciam do deus supremo Olodumare e continuavam sujeitados a ele. No politeísmo hindu, um único princípio, Atman, controla os vários deuses e espíritos, a humanidade e o mundo físico e biológico. Atman é a essência ou alma eterna de todo o universo, bem como de cada indivíduo e de cada fenômeno.
A ideia fundamental do politeísmo, que o distingue do monoteísmo, é que o poder supremo que governa o mundo é destituído de interesses e inclinações e, portanto, não está preocupado com os anseios, os cuidados e os desejos mundanos dos humanos. Não faz sentido pedir a esse poder a vitória na guerra, a saúde ou a chuva, porque de sua perspectiva universal não faz diferença se um reino específico ganha ou perde, se uma cidade específica prospera ou definha, se uma pessoa específica se recupera ou morre. Os gregos não desperdiçavam sacrifícios com o Destino, e os hindus não construíam templos para Atman.
O único motivo para abordar o poder supremo do universo seria para renunciar a todos os desejos e abraçar o mal junto com o bem – abraçar até mesmo a derrota, a pobreza, a doença e a morte. Desse modo, alguns hindus, conhecidos como sadhus ou sannyasis, dedicam a vida a se unir com Atman, atingindo assim a iluminação. Eles se esforçam para ver o mundo do ponto de vista desse princípio fundamental, para perceber que, de sua perspectiva eterna, todos os desejos e temores mundanos são fenômenos efêmeros e sem sentido.
A maioria dos hindus, no entanto, não são sadhus. Eles estão imersos no lamaçal das preocupações mundanas, onde Atman não é de grande ajuda. Para obter auxílio em tais questões, os hindus se dirigem aos deuses com poderes parciais. Precisamente porque seus poderes são parciais em vez de universais, deuses como Ganesha, Lakshmi e Saraswati têm interesses e inclinações. Os humanos podem, portanto, negociar com esses poderes parciais e contar com sua ajuda a fim de vencer guerras e se recuperar de enfermidades.
Há, necessariamente, muitos desses poderes menores, já que, quando começamos a dividir o poder universal de um princípio supremo, inevitavelmente acabamos chegando a mais de uma deidade. Daí a pluralidade de deuses.
A ideia do politeísmo leva a uma tolerância religiosa muito maior. Como os politeístas acreditam, por um lado, em um poder supremo e completamente desinteressado e, por outro lado, em muitos poderes parciais e tendenciosos, não há dificuldade para os devotos de um deus aceitarem a existência e a eficácia de outros deuses. O politeísmo é inerentemente tolerante e raramente persegue “hereges” e “infiéis”.
Mesmo quando conquistaram impérios gigantescos, os politeístas não tentaram converter seus súditos. Os egípcios, os romanos e os astecas não enviaram missionários a terras estrangeiras para disseminar o culto a Osíris, Júpiter ou Huitzilopochtli (o principal deus asteca) e certamente não mandaram exércitos com esse propósito. Esperava-se que os súditos em todo o império respeitassem os deuses e os rituais do império, já que esses deuses e rituais protegiam e legitimavam o império. Mas não se exigia que eles abdicassem de seus deuses e rituais locais. No Império Asteca, os súditos eram obrigados a construir templos para Huitzilopochtli, mas esses templos eram construídos junto com os dos deuses locais, e não em substituição a eles. Em muitos casos, a própria elite imperial adotava os deuses e os rituais dos súditos. Os romanos incluíram de bom grado a deusa asiática Cibele e a deusa egípcia Ísis em seu panteão.
O único deus que, durante muito tempo, os romanos se recusaram a tolerar foi o deus monoteísta e evangelizador dos cristãos. O Império Romano não exigia que os cristãos abdicassem de suas crenças e rituais, mas esperavam que eles respeitassem os deuses protetores do Império e a divindade do imperador. Isso era visto como uma declaração de lealdade política. Quando os cristãos se recusaram veementemente a fazer isso, rejeitando todas as tentativas de se chegar a um acordo, os romanos reagiram perseguindo o que entendiam como uma facção politicamente subversiva. Nos 300 anos decorridos desde a crucificação de Cristo até a conversão do imperador Constantino, os imperadores romanos politeístas iniciaram não mais que quatro perseguições gerais aos cristãos. Os administradores e governantes locais também incitaram certa violência contra os cristãos. Ainda assim, se considerarmos todas as vítimas de todas essas perseguições, veremos que, nesses três séculos, os romanos politeístas mataram não mais que alguns milhares de cristãos.(W.H.C. Frend, Martyrdom and Persecution in the Early Church (Cambridge: James Clarke & Co., 2008), 536-537) Os cristãos, por sua vez, ao longo dos 15 séculos seguintes, assassinaram cristãos aos milhões por defenderem interpretações ligeiramente diferentes da religião do amor e da compaixão.
As guerras religiosas entre católicos e protestantes que varreram a Europa nos séculos XVI e XVII são particularmente conhecidas. Todos os envolvidos aceitavam a divindade de Cristo e Seu evangelho de amor e compaixão. No entanto, eles discordavam quanto à natureza desse amor. Os protestantes acreditavam que o amor divino é tão grande que Deus encarnou e se permitiu ser torturado e crucificado, redimindo, desse modo, o pecado original e abrindo as portas do Céu a todos aqueles que professassem a fé Nele. Os católicos defendiam que a fé, embora essencial, não era suficiente. Para entrar no Céu, os crentes tinham de participar de rituais na igreja e fazer boas ações. Os protestantes se recusavam a aceitar isso, argumentando que essa compensação diminuía a grandeza e o amor de Deus. Quem quer que pense que a entrada no Céu depende de suas boas ações magnifica sua própria importância e insinua que o sofrimento de Cristo na cruz e o amor de Deus pela humanidade não são suficientes.
Essas disputas teológicas ficaram tão violentas que durante os séculos XVI e XVII católicos e protestantes mataram uns aos outros às centenas de milhares. Em 23 de agosto de 1572, católicos franceses, que enfatizavam a importância de boas ações, atacaram comunidades de protestantes franceses, que salientavam o amor de Deus pela humanidade. Nesse ataque, o Dia do Massacre de São Bartolomeu, entre 5 mil e 10 mil protestantes foram assassinados em menos de 24 horas. Quando o papa em Roma ficou sabendo do ocorrido na França, foi tomado de tanta alegria que organizou preces festivas para celebrar a ocasião e encarregou Giorgio Vasari de decorar um dos aposentos do Vaticano com um afresco do massacre (o aposento atualmente está inacessível aos visitantes).(Robert Jean Knecht, The Rise and Fall of Renaissance France, 1483-1610 (Londres: Fontana Press, 1996), 424) Mais cristãos foram mortos por outros cristãos naquelas 24 horas do que pelo Império Romano politeísta durante toda a sua existência.

Deus é um só
Com o tempo alguns seguidores de divindades politeístas apegaram-se tanto a seu deus que acabaram por se afastar da ideia politeísta básica. Eles começaram a acreditar que seu deus era o único Deus, e que Ele era, na verdade, o poder supremo do universo. Porém, ao mesmo tempo, continuaram a vê- Lo como tendo interesses e inclinações, e acreditaram que poderiam chegar a acordos com Ele. Assim nasceram as religiões monoteístas, cujos seguidores rogam ao poder supremo do universo auxílio para se recuperar de uma doença, ganhar na loteria e vencer uma guerra.
A primeira religião monoteísta de que temos notícia apareceu no Egito por volta de 1350 a.C., quando o faraó Aquenáton declarou que uma das deidades menores do panteão egípcio, o deus Aton, era, na verdade, o poder supremo governando o universo. Aquenáton institucionalizou o culto a Aton como religião do Estado e tentou controlar o culto a todos os outros deuses. Sua revolução religiosa, no entanto, não teve êxito. Após sua morte, o culto a Aton foi abandonado em favor do antigo panteão.
Aqui e ali, o politeísmo continuou a dar origem a outras religiões monoteístas, mas elas permaneceram marginais, sobretudo porque foram incapazes de condensar sua própria mensagem universal. O judaísmo, por exemplo, afirmava que o poder supremo do universo tem interesses e inclinações, mas seu principal interesse é na minúscula nação judaica e na obscura terra de Israel. O judaísmo tinha pouco a oferecer a outras nações e durante a maior parte de sua existência não foi uma religião missionária. Esse estágio pode ser chamado de estágio do “monoteísmo local”.
O grande avanço veio com o cristianismo. Essa fé começou como uma seita judaica esotérica que procurava convencer os judeus de que Jesus de Nazaré era seu tão esperado messias. No entanto, um dos primeiros líderes da seita, Paulo de Tarso, ponderou que, se o poder supremo do universo tem interesses e inclinações, e se Ele se deu ao trabalho de encarnar e morrer na cruz para a salvação da humanidade, então isso é algo que deve ser comunicado a todos, e não só aos judeus. Portanto, era necessário difundir a boa palavra – o evangelho – sobre Jesus para o mundo inteiro.
Os argumentos de Paulo caíram em solo fértil. Em toda parte, os cristãos começaram a organizar atividades missionárias dirigidas a todos os humanos. Em uma das guinadas mais estranhas da história, essa seita judaica esotérica controlou o poderoso Império Romano.
O sucesso dos cristãos serviu de modelo para outra religião monoteísta que apareceu na Península Arábica no século XVII: o islamismo. Como o cristianismo, o islamismo também começou como uma pequena seita em um canto remoto do mundo, mas em uma surpresa histórica ainda mais estranha e mais rápida, conseguiu escapar dos desertos da Arábia e conquistar um império imenso que ia do oceano Atlântico à Índia. Daí em diante, a ideia monoteísta exerceu um papel central na história mundial.
Os monoteístas são no geral muito mais fanáticos e missionários que os politeístas. Uma religião que reconhece a legitimidade de outras crenças implica ou que seu deus não é o deus supremo do universo, ou que ela recebeu de Deus apenas parte da verdade universal. Como os monoteístas costumam acreditar que são detentores de toda a mensagem de um único Deus, são compelidos a descrer de todas as outras religiões. Nos últimos dois milênios, os monoteístas tentaram, repetidas vezes, se fortalecer exterminando de maneira violenta toda concorrência. Funcionou. No começo do século I, quase não havia monoteístas no mundo. Por volta do ano 500, um dos maiores impérios do mundo – o império romano – era um regime cristão, e os missionários estavam ocupados difundindo o cristianismo para outras partes da Europa, da Ásia e da África. No fim do primeiro milênio da era cristã, a maioria das pessoas na Europa, no oeste da Ásia e na África do Norte eram monoteístas, e impérios do oceano Atlântico ao Himalaia afirmavam ser ordenados pelo único grande Deus. No início do século XVI, o monoteísmo dominou a maior parte da Afro-Ásia, com exceção do leste da Ásia e de partes no sul da África, e começou a estender seus tentáculos para a África do Sul, a América e a Oceania. Hoje, a maioria das pessoas fora do leste da Ásia segue alguma religião monoteísta, e a ordem política global foi erguida sobre bases monoteístas.
Mas, assim como o animismo continuou a sobreviver no interior do politeísmo, o politeísmo também continuou a sobreviver no interior do monoteísmo. Em teoria, quando uma pessoa acredita que o poder supremo do universo tem interesses e inclinações, qual o sentido de cultuar poderes parciais? Quem ia querer conversar com um burocrata inferior quando o gabinete do presidente está à disposição? A teologia monoteísta tende a negar a existência de todos os deuses exceto o Deus supremo e a condenar ao fogo do inferno qualquer um que ouse cultuá-los.
Mas sempre houve um cisma entre as teorias teológicas e as realidades históricas. A maioria das pessoas considerou difícil assimilar totalmente a ideia monoteísta. Elas continuaram a dividir o mundo em “nós” e “eles” e a ver o poder supremo do universo como estranho e distante demais para suas necessidades mundanas. As religiões monoteístas expulsaram os deuses pela porta da frente com muito barulho, para em seguida aceitá-los de volta pela janela lateral. O cristianismo, por exemplo, desenvolveu seu próprio panteão de santos, cujos cultos pouco diferiam dos cultos aos deuses politeístas.
Assim como o deus Júpiter defendia Roma e Huitzilopochtli protegia o Império Asteca, todo reino cristão tinha seu próprio santo patrono que o ajudava a superar dificuldades e vencer guerras. A Inglaterra era protegida por São Jorge; a Escócia, por Santo André; a Hungria, por Santo Estêvão; e a França, por São Martinho. Cidades e vilas, profissões e até mesmo doenças – cada uma delas tinha seu próprio santo. A cidade de Milão tinha Santo Ambrósio, ao passo que São Marcos protegia Veneza. São Floriano protegia os limpadores de chaminés, enquanto são Mateus ajudava os cobradores de impostos em desespero. Se você tivesse dor de cabeça, teria de rezar para santo Acácio, mas, se tivesse dor de dente, santa Apolônia era uma plateia melhor.
Os santos cristãos não só lembravam os velhos deuses politeístas como, muitas vezes, eram esses mesmos deuses disfarçados. Por exemplo, a principal deusa da Irlanda celta antes da chegada do cristianismo era Brígida. Quando a Irlanda foi cristianizada, Brígida também foi batizada. Ela se tornou santa Brígida, que até hoje é a santa mais reverenciada na Irlanda católica.

A batalha entre o bem e o mal
O politeísmo deu origem não só a religiões monoteístas como também a religiões dualistas. Estas reconhecem a existência de dois poderes opostos: o bem e o mal. Ao contrário do monoteísmo, o dualismo acredita que o mal é um poder independente, nem criado pelo Deus bom e nem subordinado a ele. O dualismo explica que todo o universo é um campo de batalha entre essas duas forças e que tudo que acontece no mundo é parte dessa batalha.
O dualismo é uma visão de mundo muito atraente, porque tem uma resposta simples e sucinta para o famoso problema do mal, uma das preocupações fundamentais do pensamento humano. “Por que há mal no mundo? Por que há sofrimento? Por que acontecem coisas ruins com pessoas boas?” Os monoteístas têm de praticar uma ginástica intelectual para explicar como um Deus onisciente, todo-poderoso e perfeitamente bom permite tanto sofrimento no mundo. Uma explicação conhecida é que essa é a maneira que Deus encontrou de dotar os humanos de livre-arbítrio. Se não houvesse mal, os humanos não poderiam escolher entre o bem e o mal; por conseguinte, não haveria livre-arbítrio. Isso, no entanto, é uma resposta pouco intuitiva que imediatamente levanta uma série de novas perguntas. O livre-arbítrio permite que os humanos escolham o mal. Com efeito, muitos escolhem o mal, e, de acordo com o relato monoteísta padrão, essa escolha deve ter como consequência a punição divina. Se Deus soubesse de antemão que determinada pessoa usaria seu livre-arbítrio para escolher o mal, e que, em consequência, ela seria punida por isso com torturas eternas no Inferno, por que Deus a criaria? Os teólogos escreveram inúmeros livros para responder a tais perguntas. Alguns consideram as respostas convincentes. Outros não. O que é inegável é que os monoteístas têm dificuldade de lidar com o problema do mal.
Para os dualistas, é fácil explicar o mal. Coisas ruins acontecem até mesmo para pessoas boas porque o mundo não é governado tão-somente por um Deus bom. Há um poder maligno independente à solta no mundo. O poder maligno faz coisas ruins.
O dualismo tem suas próprias desvantagens. Embora ofereça uma solução para o problema do mal, é incomodada pelo problema da ordem. Se o mundo foi criado por um só Deus, fica claro por que razão trata-se de um lugar tão ordeiro, onde tudo segue as mesmas leis. Mas se o Bem e o Mal lutam pelo controle do mundo, quem faz com que se cumpram as leis que governam essa guerra cósmica? Dois Estados rivais podem lutar um com o outro porque ambos obedecem às mesmas leis da física. Um míssil lançado do Paquistão pode acertar alvos na Índia porque a gravidade funciona do mesmo jeito em ambos os países. Quando Deus e o Diabo lutam, a que leis em comum obedecem, e quem decretou essas leis?
Assim, o monoteísmo explica a ordem, mas não o mal. O dualismo oferece uma explicação para o mal, mas não para a questão da ordem. Há uma maneira lógica de resolver essa charada: afirmar que há um único Deus onipotente que criou o universo inteiro – e Ele é um Deus maligno. Mas ninguém, em toda a história, teve estômago para tal crença.
As religiões dualistas floresceram por mais de mil anos. Em algum momento entre 1500 a.C. e 1000 a.C., um profeta chamado Zoroastro (Zaratustra) teve voz ativa em algum lugar no centro da Ásia. Seu credo passou de geração em geração até que se tornou a mais importante das religiões dualistas: o zoroastrismo. Os zoroastristas viam o mundo como uma batalha cósmica entre o deus bom Ahura Mazda e o deus mau Angra Mainyu. Os humanos tinham de ajudar o deus bom nessa batalha. O zoroastrismo foi uma religião importante durante o Império Persa Aquemênida (550-330 a.C.) e mais tarde se tornou a religião oficial do Império Persa Sassânida (224-651). Ele exerceu grande influência sobre quase todas as religiões subsequentes no Oriente Médio e no centro da Ásia e inspirou uma série de outras religiões dualistas, como o gnosticismo e o maniqueísmo.
Durante os séculos III e IV, o credo maniqueísta se alastrou da China à África do Norte e por um momento pareceu que derrotaria o cristianismo para se tornar a religião predominante no Império Romano. Mas os maniqueístas perderam a alma de Roma para os cristãos, o Império Sassânida zoroastrista foi derrotado por muçulmanos monoteístas, e a onda dualista se acalmou. Hoje, apenas um punhado de comunidades dualistas sobrevive na Índia e no Oriente Médio. No entanto, a onda cada vez maior de monoteísmo não eliminou verdadeiramente o dualismo. O monoteísmo judeu, cristão e muçulmano absorveu inúmeras crenças e práticas dualistas, e algumas das ideias mais elementares do que chamamos “monoteísmo” são, na verdade, dualistas em origem e espírito. Muitos cristãos, muçulmanos e judeus acreditam numa poderosa força do mal – como a que os cristãos chamam de diabo ou satã – que pode agir autonomamente, combater o Deus benévolo e criar destruição sem a permissão de Deus.
Como pode um monoteísta aderir a tal crença dualista (que, aliás, não é encontrada em lugar nenhum no Velho Testamento)? Logicamente, é impossível. Ou você acredita em um único Deus onipotente ou você acredita em duas forças opostas, nenhuma das quais é onipotente. Porém, os humanos têm uma capacidade incrível de acreditar em contradições. Então não deveria nos causar surpresa o fato de milhões de fiéis cristãos, muçulmanos e judeus conseguirem acreditar ao mesmo tempo em um Deus onipotente e em um Diabo autônomo. Muitos cristãos, muçulmanos e judeus chegaram a imaginar que o Deus bom até mesmo precisa da nossa ajuda em sua luta contra o Diabo, o que os inspirou, entre outras coisas, a convocar os jihads e as cruzadas.
Outro conceito dualista essencial, em particular no gnosticismo e no maniqueísmo, era a nítida distinção entre corpo e alma, entre matéria e espírito. Os gnósticos e os maniqueístas afirmavam que o deus bom criou o espírito e a alma, ao passo que a matéria e o corpo foram criação do deus mau. O homem, de acordo com essa visão, serve como um campo de batalha entre a alma boa e o corpo mau. De uma perspectiva monoteísta, isso não faz sentido – por que distinguir tão nitidamente entre corpo e alma, ou entre matéria e espírito? E por que argumentar que o corpo e a matéria são maus? Afinal, tudo foi criado pelo mesmo Deus bom. Mas os monoteístas se deixaram cativar por dicotomias dualistas, precisamente porque elas os ajudavam a resolver o problema do mal. Desse modo, tais oposições acabaram por se tornar pilares do pensamento cristão e muçulmano. A crença no Céu (o reino do deus bom) e no Inferno (o reino do deus mau) também tem origem dualista. Não há nenhum vestígio dessa crença no Velho Testamento, que tampouco afirma que a alma das pessoas continua a viver após a morte do corpo.
Na verdade, o monoteísmo, tal como se desenvolveu ao longo da história, é um caleidoscópio de legados monoteístas, dualistas e politeístas que se misturam sob um único conceito divino. O cristão típico acredita no Deus monoteísta, mas também no Diabo dualista, em santos politeístas e em fantasmas animistas. Os estudiosos das religiões têm um nome para essa aceitação simultânea de ideias diferentes e até mesmo contraditórias e a combinação de rituais e práticas tirados de fontes diferentes: sincretismo. O sincretismo talvez seja, de fato, a única grande religião mundial.

A lei da natureza
Todas as religiões que discutimos até agora têm em comum uma característica importante: giram em torno de uma crença em deuses e em outras entidades sobrenaturais. Isso parece óbvio para os ocidentais, que estão familiarizados principalmente com credos monoteístas e politeístas. No entanto, a história religiosa do mundo não se resume à história dos deuses. Durante o primeiro milênio a.C., religiões de um tipo totalmente diferente começaram a se espalhar pela Afro-Ásia. As recémchegadas, como o jainismo e o budismo na Índia, o taoismo e o confucionismo na China e o estoicismo, o cinismo e o epicurismo na bacia do Mediterrâneo, se caracterizavam por prescindir dos deuses.
Esses credos sustentavam que a ordem sobre-humana que governa o mundo é produto de leis naturais, e não de vontades e caprichos divinos. Parte dessas religiões baseadas em leis naturais continuou a aceitar a existência de deuses, mas seus deuses estavam sujeitos às leis da natureza tanto quanto os humanos, os animais e as plantas. Os deuses tinham seu nicho no ecossistema, assim como elefantes e porcos-espinhos tinham os seus, mas, como os elefantes, não podiam mudar as leis da natureza. Um ótimo exemplo é o budismo, a mais importante das antigas religiões baseadas em leis naturais, até hoje um dos credos principais.
A figura central do budismo não é um deus, e sim um ser humano, Sidarta Gautama. De acordo com a tradição budista, Gautama era herdeiro de um pequeno reino no Himalaia, em algum momento por volta de 500 a.C. O jovem príncipe ficou profundamente abalado com o sofrimento que viu à sua volta. Ele viu que homens e mulheres, crianças e velhos; todos sofriam não só de calamidades ocasionais como guerra e praga, mas também de ansiedade, frustração e descontentamento, que pareciam ser parte inseparável da condição humana. As pessoas almejam riqueza e poder, adquirem conhecimento e posses, geram filhos e filhas e constroem casas e palácios, mas, não importa o que conquistem, nunca estão contentes. Os que vivem na pobreza sonham com riquezas. Os que têm 1 milhão querem 2 milhões. Os que têm 2 milhões querem 10. Mesmo os ricos e famosos raramente estão satisfeitos. Eles também são assombrados por preocupações e angústias incessantes, até que a doença, a idade avançada e a morte lhes dão um fim amargo. Tudo o que foi acumulado desaparece como fumaça. A vida é uma corrida desenfreada e sem sentido. Mas como escapar disso?
Com 29 anos, Gautama fugiu de seu palácio no meio da noite, deixando para trás sua família e suas posses. Ele viajou por todo o norte da Índia como um vagabundo sem teto, procurando uma forma de se livrar do sofrimento. Visitou ashrams e sentou aos pés de gurus, mas nenhum o libertou totalmente – sempre restava alguma insatisfação. Ele não se desesperou. Resolveu investigar o sofrimento por conta própria, até que descobriu um método para a libertação total. Passou seis anos meditando sobre a essência, as causas e as curas da angústia humana. No fim, chegou à conclusão de que o sofrimento não é causado por má sorte, por injustiças sociais ou por caprichos divinos. Na verdade, o sofrimento é causado pelos padrões de comportamento da nossa própria mente.
O que Gautama compreendeu é que não importa o que a mente experimente, ela geralmente reage com desejo, e o desejo sempre envolve insatisfação. Quando a mente experimenta algo desagradável, deseja se livrar da irritação. Quando experimenta algo agradável, deseja que o prazer permaneça e se intensifique. Desse modo, a mente está sempre insatisfeita e inquieta. Isso fica muito claro quando experimentamos coisas desagradáveis, como dor. Enquanto a dor persiste, estamos insatisfeitos e fazemos tudo que está a nosso alcance para evitá-la. Mas mesmo quando experimentamos coisas agradáveis nunca estamos contentes. Tememos que o prazer desapareça, ou esperamos que se intensifique. As pessoas sonham durante anos em encontrar o amor, mas raramente ficam satisfeitas quando o encontram. Algumas temem que o parceiro as deixe; outras sentem que se contentaram com pouco e que poderiam ter encontrado alguém melhor. E todos conhecemos pessoas que conseguem sentir as duas coisas ao mesmo tempo.
Grandes deuses podem nos enviar chuva, instituições sociais podem proporcionar justiça e um bom serviço de saúde, e coincidências afortunadas podem nos transformar em milionários, mas nada disso pode mudar nossos padrões mentais elementares. Por isso, até mesmo os maiores reis estão condenados a viver em agonia, fugindo constantemente da tristeza e da angústia, o tempo todo indo atrás de prazeres maiores.
Gautama descobriu que havia uma maneira de escapar desse ciclo vicioso. Se, quando sentir algo agradável ou desagradável, a mente simplesmente entender as coisas como são, não haverá sofrimento. Se você vivenciar a tristeza sem desejar que a tristeza desapareça, continuará a sentir tristeza, mas não sofrerá com isso. Com efeito, pode haver riqueza na tristeza. Se você vivenciar a alegria sem desejar que a alegria perdure e se intensifique, continuará a sentir alegria sem perder a paz de espírito.
Mas como fazer com que a mente aceite as coisas como são, sem desejar? Aceitar a tristeza como tristeza, a alegria como alegria, a dor como dor? Gautama desenvolveu um conjunto de técnicas meditativas que treinam a mente para experimentar a realidade tal como é, sem desejos. Essas práticas nos ensinam a focar toda a atenção na pergunta “O que estou sentindo agora?” em vez de “O que eu preferiria estar sentindo?”. É difícil alcançar esse estado de espírito, mas não impossível. Gautama baseou essas técnicas de meditação em um conjunto de regras éticas para ajudar as pessoas a se concentrarem na experiência real e a evitarem cair em desejos e fantasias. Ele instruiu seus seguidores a evitarem o assassinato, o sexo promíscuo e o roubo, já que tais atos necessariamente alimentavam o fogo do desejo (de poder, de prazer sensual, ou de riqueza). Quando as chamas estão completamente extintas, o desejo é substituído por um estado de perfeito contentamento e serenidade, conhecido como nirvana (cujo significado literal é “a extinção do fogo”). Aqueles que alcançaram o nirvana se libertaram totalmente de todo sofrimento. Eles vivenciam a realidade com clareza absoluta, livres de fantasias e ilusões. Embora muito provavelmente ainda encontrem desprazer e dor, essas experiências não lhes causam sofrimento. Uma pessoa que não deseja não sofre.
De acordo com a tradição budista, o próprio Gautama alcançou o nirvana e se libertou totalmente do sofrimento. Daí em diante, ele ficou conhecido como “Buda”, que significa “o iluminado”. Buda passou o resto da vida explicando suas descobertas para outros, para que todos pudessem se livrar do sofrimento. Ele condensou seus ensinamentos em uma única lei: o sofrimento surge do desejo; a única forma de se livrar totalmente do sofrimento é se livrar totalmente do desejo; e a única forma de se livrar do desejo é ensinar a mente a experimentar a realidade tal como é. Essa lei, conhecida como dharma ou dhamma, é vista pelos budistas como uma lei universal da natureza. Que “o sofrimento surge do desejo” é sempre e em toda parte verdadeiro, assim como na física moderna “e” é sempre igual a “mc2”. Os budistas são pessoas que acreditam nessa lei e fazem dela o sustentáculo de todas as suas atividades. A crença em deuses, por outro lado, é de menor importância para eles. O primeiro princípio da religião monoteísta é “Deus existe. O que Ele quer de mim?”. O primeiro princípio do budismo é “O sofrimento existe. Como fugir dele?”.
O budismo não nega a existência de deuses – eles são descritos como seres poderosos que podem trazer chuvas e vitórias –, mas eles não têm influência alguma na lei segundo a qual o sofrimento deriva do desejo. Se a mente de uma pessoa for livre de todo desejo, nenhum deus poderá torná-la miserável. Por outro lado, quando o desejo surge na mente de uma pessoa, nem todos os deuses do universo reunidos são capazes de salvá-la do sofrimento.
Mas, de maneira muito similar às religiões monoteístas, as religiões pré-modernas baseadas em leis naturais, como o budismo, nunca se livraram totalmente do culto aos deuses. O budismo dizia às pessoas que elas deveriam almejar o objetivo supremo da completa libertação do sofrimento, e não algumas paradas ao longo do caminho, como prosperidade econômica e poder político. No entanto, 99% dos budistas não alcançam o nirvana, e mesmo que esperem alcançá-lo em alguma vida futura, dedicam a maior parte de sua vida presente à busca de realizações mundanas, de modo que continuam a cultuar vários deuses, como os deuses hindus na Índia, os deuses bön no Tibete e os deuses xintoístas no Japão.
Além disso, com o passar do tempo várias seitas budistas criaram panteões de budas e bodisatvas. Estes são seres humanos e não humanos com a capacidade de se livrar totalmente do sofrimento, mas que abriram mão dessa libertação por compaixão, a fim de ajudar os inúmeros seres que continuam presos no ciclo de sofrimento. Em vez de cultuar deuses, muitos budistas começaram a cultuar esses seres iluminados, pedindo ajuda não só para alcançar o nirvana como também para lidar com problemas mundanos. Assim, encontramos muitos budas e bodisatvas em todo o leste da Ásia que se dedicam a trazer chuvas, impedir pragas e até mesmo vencer guerras sanguinárias – em troca de preces, flores coloridas, incensos perfumados e oferendas de arroz e doces.

O culto do homem
Os últimos 300 anos muitas vezes são retratados como uma era de secularismo crescente, em que as religiões perderam cada vez mais sua importância. Se estamos falando de religiões teístas, isso é, em grande parte, correto. Mas, se levarmos em consideração as religiões baseadas em leis naturais, veremos que a modernidade é uma era marcada por intenso fervor religioso, esforços missionários sem paralelos e as guerras religiosas mais sanguinárias da história. A era moderna testemunhou a ascensão de uma série de religiões baseadas em leis naturais, como o liberalismo, o comunismo, o capitalismo, o nacionalismo e o nazismo. Esses credos não gostam de ser chamados de religiões e se referem a si mesmos como ideologias. Mas esse é apenas um exercício semântico. Se uma religião é um sistema de normas e valores humanos que se baseia na crença de uma ordem sobre-humana, então o comunismo soviético é uma religião tanto quanto o islamismo.
O islamismo é, obviamente, diferente do comunismo, porque o islamismo vê a ordem sobrehumana governando o mundo como o decreto de um deus criador onipotente, ao passo que o comunismo soviético não acreditava em deuses. Mas o budismo também dá pouca importância aos deuses, e ainda assim nós o classificamos como uma religião. Como os budistas, os comunistas acreditavam em uma ordem sobre-humana de leis naturais e imutáveis que devem guiar as ações humanas. Enquanto os budistas acreditam que a lei da natureza foi descoberta por Sidarta Gautama, os comunistas acreditavam que a lei da natureza foi descoberta por Karl Marx, Friedrich Engels e Vladimir Ilitch Lenin. A similaridade não termina aí. Como outras religiões, o comunismo também tem seus escritos sagrados e seus livros proféticos, como O Capital, de Marx, que previu que a história logo terminaria com a vitória inevitável do proletariado. O comunismo tinha seus feriados e festividades, como o Primeiro de Maio e o aniversário da Revolução de Outubro. Tinha teólogos adeptos da dialética marxista, e cada unidade no exército soviético tinha um capelão, chamado de comissário, que monitorava a devoção de soldados e oficiais. O comunismo teve mártires, guerras santas e heresias, como o trotskismo. O comunismo soviético foi uma religião fanática e missionária. Um comunista devoto não podia ser cristão nem budista, e se esperava que difundisse o evangelho de Marx e Lenin mesmo que isso lhe custasse a própria vida.
Alguns leitores podem se sentir desconfortáveis com essa linha de raciocínio. Se isso o faz se sentir melhor, continue chamando o comunismo de ideologia em vez de religião. Não faz diferença. Podemos dividir os credos em religiões centradas em deus e ideologias sem deus que afirmam se basear em leis naturais. Mas então, para sermos coerentes, precisaríamos catalogar pelo menos algumas seitas budistas, taoistas e estoicas como ideologias em vez de religiões. Por outro lado, devemos notar que a crença em deuses persiste no seio de muitas ideologias modernas e que algumas delas, mais notadamente o liberalismo, têm pouco sentido sem essa crença.
Seria impossível investigar, aqui, a história de todos os credos modernos, especialmente porque não há fronteiras claras entre eles. São tão sincréticos quanto o monoteísmo e o budismo popular. Assim como um budista pode cultuar deidades hindus e um monoteísta pode acreditar na existência de Satã, o norte-americano típico de nossos dias é simultaneamente um nacionalista (acredita na existência de uma nação norte-americana com um papel especial a exercer na história), capitalista de livre mercado (acredita que a competição aberta e a busca dos próprios interesses são as melhores maneiras de criar uma sociedade próspera) e humanista liberal (acredita que os humanos foram dotados pelo criador de certos direitos inalienáveis). O nacionalismo será discutido no capítulo 18. O capitalismo – a mais bem-sucedida das religiões modernas – tem um capítulo inteiro, o capítulo 16, que expõe suas principais crenças e rituais. Nas páginas restantes deste capítulo, abordarei as religiões humanistas.
As religiões teístas focam o culto aos deuses (por isso são chamadas “teístas”, da palavra grega para deus, theos). As religiões humanistas cultuam a humanidade ou, mais corretamente, o Homo sapiens. O humanismo é a crença de que o Homo sapiens tem uma natureza única e sagrada, que é fundamentalmente diferente da natureza de todos os outros animais e todos os outros fenômenos. Os humanistas acreditam que a natureza única do Homo sapiens é a coisa mais importante do mundo e determina o significado de tudo que acontece no universo. O bem supremo é o bem do Homo sapiens. O resto do mundo e todos os outros seres só existem para o benefício dessa espécie.
Todos os humanistas cultuam a humanidade, mas eles não concordam quanto à sua definição.
Os humanistas se dividiram em três seitas rivais que disputam a definição exata de “humanidade”, assim como seitas cristãs rivais disputaram a definição exata de Deus. Hoje, a seita humanista mais importante é o humanismo liberal, que acredita que “humanidade” é uma qualidade de indivíduos humanos, e que a liberdade de indivíduos é portanto sacrossanta. De acordo com os liberais, a natureza sagrada da humanidade reside em cada Homo sapiens individual. A essência dos indivíduos humanos dá significado ao mundo e é a fonte de toda autoridade ética e política. Se nos depararmos com um dilema ético ou político, devemos olhar para dentro e escutar nossa voz interior – a voz da humanidade. Os principais mandamentos do humanismo liberal visam a proteger a liberdade dessa voz interior contra a intrusão ou o dano. Esses mandamentos são coletivamente conhecidos como “direitos humanos”.
É por isso, por exemplo, que os liberais se opõem à tortura e à pena de morte. Nos primórdios da Europa moderna, considerava-se que os assassinos violavam e desestabilizavam a ordem cósmica. Para restaurar o equilíbrio cósmico, era necessário torturar e executar publicamente o criminoso, para que todos pudessem ver a ordem restabelecida. Comparecer a execuções horrendas era um dos passatempos favoritos dos habitantes de Londres e de Paris na época de Shakespeare e de Molière. Na Europa de hoje, o assassinato é visto como uma violação da natureza sagrada da humanidade. Para restaurar a ordem, os europeus de hoje não torturam e executam criminosos. Em vez disso, punem um assassino da forma que consideram a mais “humana” possível, de modo a proteger e até mesmo reconstruir sua santidade humana. Ao honrar a natureza humana do assassino, todos são lembrados da santidade da humanidade, e a ordem é restabelecida. Ao defender o assassino, corrigimos o que o assassino estragou.
Embora o humanismo liberal santifique os humanos, não nega a existência de Deus e, com efeito, se baseia em crenças monoteístas. A crença liberal na natureza livre e sagrada de cada indivíduo é um legado direto da crença cristã tradicional em almas individuais livres e eternas. Sem poder recorrer a almas eternas e um Deus Criador, fica embaraçosamente difícil para os liberais explicar o que há de tão especial nos indivíduos sapiens.
Outra seita importante é o humanismo socialista. Os socialistas acreditam que a “humanidade” é coletiva, e não individualista. Eles consideram sagrada não a voz interna de cada indivíduo, mas da espécie Homo sapiens como um todo. Enquanto os humanistas liberais buscam tanta liberdade quanto possível para os indivíduos humanos, o humanismo socialista busca a igualdade entre todos os humanos. De acordo com os socialistas, a desigualdade é a pior blasfêmia contra a santidade da humanidade, porque privilegia qualidades periféricas dos humanos em detrimento de sua essência universal. Por exemplo, quando os ricos têm privilégios sobre os pobres, significa que damos mais valor ao dinheiro do que à essência universal de todos os humanos, que é a mesma para ricos e pobres.
Como o humanismo liberal, o humanismo socialista também se baseia no monoteísmo. A ideia de que todos os humanos são iguais é uma versão renovada da convicção monoteísta de que todas as almas são iguais diante de Deus. A única seita humanista que rompeu com o monoteísmo tradicional é o humanismo evolutivo, cujos representantes mais famosos são os nazistas. O que distinguia o nazismo de outras seitas humanistas era uma definição diferente de “humanidade”, que era fortemente influenciada pela teoria da evolução. À diferença de outros humanistas, os nazistas acreditavam que a humanidade não é algo eterno e universal, e sim uma espécie mutável que pode evoluir ou se degenerar. O homem pode evoluir e se tornar um super-homem, ou degenerar e se tornar um subhumano.
A principal ambição dos nazistas era proteger a humanidade da degeneração e encorajar sua evolução progressiva. É por isso que os nazistas afirmavam que a raça ariana, a forma mais avançada de humanidade, tinha de ser protegida e encorajada, ao passo que tipos degenerados de Homo sapiens, como judeus, ciganos, homossexuais e doentes mentais, tinham de ser colocados em quarentena e até mesmo exterminados. Os nazistas explicavam que o Homo sapiens surgiu quando uma população “superior” de humanos antigos evoluiu, ao passo que populações “inferiores” como os neandertais foram extintas. Essas populações diferentes, no início, eram não mais diferentes do que raças, mas evoluíram de maneira independente por seus próprios caminhos evolutivos. Isso poderia muito bem acontecer novamente. De acordo com os nazistas, o Homo sapiens já havia se dividido em várias raças distintas, cada uma delas com suas qualidades únicas. Uma dessas raças, a raça ariana, tinha as melhores qualidades – racionalismo, beleza, integridade, diligência. A raça ariana, portanto, tinha o potencial de transformar o homem em super-homem. Outras raças, como os judeus e os negros, eram os neandertais de hoje, apresentando qualidades inferiores. Se lhes fosse permitido procriar – e, em particular, procriar com arianos –, eles adulterariam todas as populações humanas e condenariam o Homo sapiens à extinção.
Desde então, os biólogos têm desmascarado a teoria racial nazista. Em particular, as pesquisas genéticas realizadas após 1945 demonstraram que as diferenças entre as várias linhagens humanas são muito menores do que os nazistas postulavam. Mas essas conclusões são relativamente novas. Dado o estado do conhecimento científico em 1933, as crenças nazistas dificilmente estavam em dissonância com o pensamento da época. A existência de raças humanas diferentes, a superioridade da raça branca e a necessidade de proteger e cultivar essa raça superior foram crenças amplamente aceitas pela maior parte das elites ocidentais. Acadêmicos nas universidades ocidentais mais prestigiosas, usando os métodos científicos ortodoxos da época, publicaram estudos que supostamente comprovavam que membros da raça branca eram mais inteligentes, mais éticos e mais habilidosos que africanos ou indianos. Políticos em Washington, Londres e Camberra davam como certo que era seu dever evitar a adulteração e a degeneração da raça branca ao, por exemplo, restringir a imigração da China ou mesmo da Itália para países “arianos” como os Estados Unidos e a Austrália.
Essas posições não mudaram simplesmente porque novas pesquisas científicas foram publicadas. Os progressos sociológicos e políticos foram agentes muito mais poderosos de mudança. Nesse sentido, Hitler cavou não só o seu próprio túmulo como também o do racismo em geral.
Quando iniciou a Segunda Guerra Mundial, ele compeliu seus inimigos a fazerem distinções claras entre “nós” e “eles”. Mais tarde, precisamente porque a ideologia nazista era tão racista, o racismo caiu em descrédito no Ocidente. Mas a mudança levou tempo. A supremacia branca continuou sendo uma ideologia dominante na política norte-americana pelo menos até os anos 1960. A política da Austrália branca, que restringia a imigração de povos não brancos ao país, continuou vigente até 1973. Os aborígenes australianos não tinham direitos políticos iguais até os anos 1960, e muitos eram proibidos de votar nas eleições porque eram considerados inaptos para atuarem como cidadãos.
Os nazistas não detestavam a humanidade. Eles combatiam o humanismo liberal, os direitos humanos e o comunismo precisamente porque admiravam a humanidade e acreditavam no grande potencial da espécie humana. Mas, seguindo a lógica da evolução darwinista, argumentavam que era preciso permitir que a seleção natural eliminasse os indivíduos inaptos e deixasse que apenas os mais aptos sobrevivessem e se reproduzissem. Ao socorrer os fracos, o liberalismo e o comunismo não só permitiam que indivíduos inaptos sobrevivessem como também lhes davam oportunidade de se reproduzir, dessa formam boicotando a seleção natural. Em tal mundo, os humanos mais aptos inevitavelmente afundariam em um mar de degenerados inaptos. A humanidade se tornaria cada vez menos apta com o passar das gerações – o que poderia levar à sua extinção.
Um livro de biologia alemão de 1942 explica, no capítulo “As leis da natureza e a humanidade”, que a lei suprema da natureza é que todos os seres estão condenados a uma luta cruel pela sobrevivência. Depois de descrever como as plantas lutam por território, como os besouros lutam para encontrar parceiros para acasalar e assim por diante, o livro conclui que: A batalha pela existência é árdua e inclemente, mas é a única maneira de manter a vida. Essa luta elimina tudo que é inapto para a vida e seleciona tudo que é capaz de sobreviver. [...] Essas leis naturais são incontroversas; as criaturas vivas as demonstram com sua própria sobrevivência. Elas são implacáveis. Os que resistem a elas serão exterminados. A biologia não nos fala apenas de animais e de plantas – também nos mostra as leis que devemos seguir em nossa vida e fortalece nossa disposição para viver e lutar de acordo com essas leis. O significado da vida é luta. Ai daquele que transgredir essas leis.
Então, segue-se uma citação de Mein Kampf: “A pessoa que tenta lutar contra a lógica férrea da natureza luta contra os princípios aos quais deve agradecer por sua vida como ser humano. Lutar contra a natureza é provocar a própria destruição”.(Marie Harm e Hermann Wiehle, Lebenskunde fuer Mittelschulen – Fuenfter Teil. Klasse 5 fuer Jungen (Halle: Hermann Schroedel Verlag, 1942), 152-157.)
No início do terceiro milênio, o futuro do humanismo evolutivo não está claro. Durante 60 anos após o fim da guerra contra Hitler, foi um tabu associar humanismo com evolução e defender o uso de métodos biológicos para “aprimorar” o Homo sapiens. Mas hoje tais projetos estão em voga novamente. Ninguém fala de exterminar raças ou pessoas inferiores, mas muitos cogitam usar nosso conhecimento cada vez maior da biologia humana para criar super-humanos.
Ao mesmo tempo, uma brecha enorme está se abrindo entre os dogmas do humanismo liberal e as últimas descobertas das ciências da vida, uma brecha que não podemos ignorar por muito tempo. Nossos sistemas jurídicos e políticos liberais se baseiam na crença de que todo indivíduo tem uma natureza interna sagrada, indivisível e imutável, que dá significado ao mundo e que é a fonte de toda autoridade ética e política. Essa é uma reencarnação da crença cristã tradicional em uma alma livre e eterna que reside em cada indivíduo. Mas, nos últimos 200 anos, as ciências da vida minaram totalmente essa crença. Os cientistas que estudam o funcionamento interno do organismo humano não encontraram ali nenhuma alma. Eles argumentam cada vez mais que o comportamento humano é determinado por hormônios, genes e sinapses, e não pelo livre-arbítrio – as mesmas forças que determinam o comportamento de chimpanzés, lobos e formigas. Nossos sistemas jurídicos e políticos tentam varrer tais descobertas inconvenientes para debaixo do tapete. Mas, com toda a franqueza, por quanto tempo poderemos manter o muro que separa o departamento de biologia dos departamentos de direito e ciência política?

 (Yuval Noah Harari - Sapiens, uma breve história da humanidade)
 
LINKS:
A religião faz as pessoas se comportarem melhor?
A Grande Conspiração
O CRESCIMENTO DA IGREJA
"Vaticano S. A." e os negócios de Deus (1976-1978)
O beijo de Judas e o beijo de Constantino
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publicado às 22:09



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