"Todos os dias as minhas palavras me fazem hesitar, apenas pensam causar-me dano, espiam os meus passos para atentar contra a minha vida."
Salmos 55, 7
O coronel Ryszard Kuklinski abriu a porta de par em par para anunciar ao general Wojciech Jaruzelski que Karol Wojtyla acabava de ser eleito Sumo Pontífice. Com cinquenta e sete anos, para o ministro da Defesa da República Popular da Polónia aquela notícia não era melhor nem pior do que qualquer outra, mas o que ele não sabia nesse momento era que a eleição de um polaco como novo papa lhe causaria mais uma dor de cabeça.
Entretanto, os restos do escândalo IOR continuavam a cair sobre o Vaticano e uma obscura mão como a de Licio Gelli estaria disposta a solucionar a questão. Em Janeiro de 1979, Mário Sarcinelli convenceu Roberto Calvi a apresentar-se diante da comissão especial do Banco de Itália. O "banqueiro de Deus" seria interrogado acerca das suas relações com a Suprafin, sobre os contactos entre o Banco Ambrosiano e o IOR de Marcinkus e sobre a filial do banco que operava em Nassau. Um dos investigadores solicitou a Calvi que indicasse os nomes dos accionistas do Ambrosiano, mas o "banqueiro de Deus" recusou-se.
Um outro obstáculo seria o advogado e jornalista Carmine Mino Pecorelli. Na sua revista OP, Pecorelli revelou um grande número de escândalos nos anos sessenta. A maior parte deles procediam de várias fontes de informação, muitas das quais relacionadas com a Máfia. Com o passar dos anos, a OP tornou-se numa importante fonte de informação não apenas para os políticos, mas também para os financeiros, advogados e inspectores fiscais.
A verdade é que o jornalista tinha acesso a fontes de informação privilegiadas graças aos estreitos contactos com membros dos serviços secretos italianos, com os serviços secretos papais e, naturalmente, com pessoas de destaque na loja Propaganda 2. Pecorelli era membro da P-2 por causa das suas relações com Lido Gelli.
O próprio grão-mestre pedia aos seus poderosos irmãos da loja que facilitassem papéis e documentos à OP com o intuito de denunciar todos aqueles que se opusessem em segredo a favor da loja ou ainda pelos interesses da P-2. Em meados de 1977, Pecorelli decidiu iniciar uma investigação sobre um dos maiores roubos na história das finanças da República da Itália. O caso consistia na adulteração e venda fraudulenta de um derivado de petróleo que se utilizava para o aquecimento central nos edifícios e como combustível nos camiões. Os lucros, segundo os dados que Pecorelli apresentava, chegavam a quase nove mil e quinhentos milhões de dólares. O jornalista continuou a investigar perigosamente até descobrir que nessa fraude estavam implicados o IOR e o monsenhor Paul Marcinkus. Através de um agente livre da Santa Aliança, talvez o jesuíta polaco Kazimierz Przydatek, o Banco Vaticano desviava o dinheiro sujo obtido para contas no estrangeiro, sobretudo em Nassau e na Suíça. Num certo dia de Agosto de 1988, os artigos sobre o escândalo do combustível deixaram de aparecer. Pecorelli foi pressionado pelo senador democrata-cristão Cláudio Vitalote, pelo juiz Cario Testi e pelo general Donato Prete, da Central de Finanças, para que esquecesse o assunto. Fala-se também de uma misteriosa visita que Przydatek terá feito ao jornalista. Uma fonte garantiu, após o assassínio de Pecorelli, que o jesuíta polaco e espião dos serviços secretos do Vaticano, Kazimierz Przydatek, era um agente livre às ordens de monsenhor Marcinkus.
Em princípios de 1978, Mino Pecorelli começou de novo a publicar artigos sobre a infiltração da Maçonaria no Vaticano e em especial nos seus três grandes núcleos de poder: diplomacia, finanças e nos serviços secretos2. Num dos artigos o jornalista publicava uma lista com os nomes dos principais membros da Maçonaria vaticana, onde apareda o nome do poderoso cardeal Jean Villot. Licio Gelli soube que, se essa lista chegasse às mãos do papa Luciani, poderia colocá-los em sérias dificuldades e em especial Paul Marcinkus e Roberto Calvi.
Após a morte de João Paulo I, Gelli negociou directamente com Pecorelli e, segundo parece, o jornalista estimou o seu silêncio em cerca de três milhões de dólares, mas Gelli negou-se a pagar tal valor.
O primeiro artigo apareceu na OP, o que deixava em má posição o próprio Licio Gelli. O texto afirmava que o grão-mestre da loja P-2 tinha sido espião do KGB e depois da CIA americana e por ultimo trabalhara para a Santa Aliança vaticana.
Passados alguns dias sobre o aparecimento dos primeiros cinco artigos nas páginas da OP, Licio Gelli convidou Mino Pecorelli para jantar e falar do assunto. Nessa noite, Przydatek foi visto perto da casa de Pecorelli, mas nunca foi interrogado a esse respeito pela polícia italiana. Na noite seguinte, dia do encontro com Gelli, Pecorelli trabalnou todo o dia no seu gabinete. Uma hora antes da reunião marcada com o líder da P-2, Mino Pecorelli saiu do edifício e seguiu na direcção do carro estacionado no parque. Nessa altura, dois homens aproximaram-se do jornalista e deram-lhe três tiros na boca. A Máfia tinha feito a sua justiça especial, aplicando em Pecorelli o sasso in bocca, que significa que um traidor não voltará a falar. Mas nunca ninguém foi detido por causa deste assassínio.
A 29 de Março de 1979, alguém deu ordem para que fossem presos os directores do Banco de Itália que investigavam as conexões do Banco Ambrosiano e do IOR de Marcinkus. Mário Sarcinelli e Paolo Baffi foram presos e acusados de esconder deliberadamente informações sobre o inquérito.
Apesar de Sarcinelli, chefe de investigadores do Banco de Itália, ter sido posto em liberdade, o juiz negou-se a permitir o seu reingresso no banco e, portanto, a não prosseguir no trabalho de inquérito do caso do Banco Ambrosiano.
Um outro inspector que tentara fazer um inquérito independente sobre as relações entre Michele Sindona e o Banco Vaticano foi Giorgio Ambrosoli. Como inspector liquidatário do império Sindona desde 1974, pôde denunciar as operações que o banqueiro da Máfia tinha realizado em colaboração com o Banco Vaticano.
A sua investigação permitiu identificar quase noventa e sete altos funcionários da administração, da política, das finanças e do Vaticano relacionados com contas-correntes no estrangeiro, sobretudo em Londres, na Suíça e nos Estados Unidos. Nessa lista apareciam os nomes de homens de confiança do papa Paulo VI e depois de João Paulo II, como Máximo Spada ou Luigi Mennini.
O inspector Ambrosoli achou provas irrefutáveis da cumplicidade do Banco Vaticano com as operações fraudulentas realizadas por Michele Sindona. Em Maio de 1979, Ambrosoli calculava a falência do império Sindona por perdas próximas dos setecentos e cinquenta e sete mil milhões de liras.
Com o inspector Giorgio Ambrosoli colaboraram também Boris Giuliano, superintendente das forças policiais em Palermo, e o tenente-coronel António Varisco, chefe de segurança de Roma. Giuliano pôs-se a investigar Sindona quando de forma casual descobriu no colete de um mafioso assassinado dois cheques que incriminavam o banqueiro da Máfia com o envio de dinheiro sujo procedente do tráfico de heroína para uma conta bancária no Caribe. Por sua vez, Varisco efectuou uma investigação profunda sobre as origens da P-2. Por exemplo, Ambrosoli descobriu como tinha mudado de mãos a Banca Cattolica dei Veneto e como um agente da Santa Aliança de um país de Leste (possivelmente, Kazimierz Przydatek) transportara em duas maletas nove milhões e meio de dólares em comissões que eram destinadas a Roberto Calvi, Paul Marcinkus e ao cardeal John Cody.
A 11 de Junho de 1979, Ambrosoli foi assassinado à entrada de sua casa por William Arico, um assassino profissional. Uma vez mais várias testemunhas relataram à polícia que, alguns dias antes da morte do inspector, um homem alto, de cabelos castanho-claros, tinha sido visto nas
proximidades a tomar notas de alguma coisa. Przydatek, o agente da espionagem pontifícia que trabalhava para Marcinkus, parecia coincidir com essa descrição.
A 13 de Junho, o tenente-coronel António Varisco foi assassinado quando dois homens o metralharam num semáforo. A 20 de Julho, Boris Giuliano entrou no Lux Bar, em Palermo, como fazia todas as manhãs para tomar o seu café. Quando se dirigia à caixa para pagar a despesa, um homem aproximou-se dele por trás e disparou um tiro na nuca. Antes de sair do local, o assassino colocou sobre o corpo um cravo branco. Uma investigação demonstraria anos depois que o "cravo branco" era um sinal utilizado pela Inquisição em Roma durante os anos em que o cardeal e inquisidor-geral Miguel Ghislieri espalhava o terror na Cidade Eterna. O cravo branco era colocado pelos denunciantes anónimos para indicar as casas dos que deviam ser presos e torturados pelo Santo Ofício.
Embora Ambrosoli não tivesse concluído a sua investigação, o volumoso dossier serviu como prova acusatória durante o julgamento que decorreu em Nova Iorque contra Michele Sindona. Tanto Roberto Calvi como Paul Marcinkus negaram sempre terem recebido qualquer comissão pela venda da Banca Cattolica dei Veneto. O julgamento de Sindona pelo colapso do Franklin Bank começou em Fevereiro de 1979.
Altos membros da Cúria Romana, como Paul Marcinkus, e ilustres cardeais, como Giuseppe Caprio e Sérgio Guerri, estavam prontos a depor a favor de Sindona, mas poucas horas antes das suas declarações, na embaixada dos Estados Unidos em Roma, o cardeal Agostino Casa-roli, ao que parece por ordem expressa do papa João Paulo II, exigiu que Marcinkus, Capri e Guerri "mantivessem a boca fechada". A seguir, o Vaticano, através da Secretaria de Estado, emitiu um comunicado em que dizia:
Podem criar um precedente muito conflituoso e prejudicial. Houve demasiada publicidade. Dói-nos muito que o Governo dos Estados Unidos não reconheça o Vaticano no plano diplomático, porque o Vaticano é um Estado de direito.
A verdade é que Casaroli salvou o Estado do Vaticano de um escândalo, sem saber que tinha desobedecido a uma ordem expressa do papa João Paulo II, que autorizava Marcinkus, Capri e Guerri a declarar a favor de Sindona, mas o fiel Casaroli só saberia disso anos depois.
Por fim, a 23 de Março de 1980, Michele Sindona, o banqueiro da Máfia, foi declarado culpado em noventa e cinco crimes, entre eles os de fraude, conspiração, perjúrio, falsificação de documentos bancários e apropriação indevida de fundos depositados nos seus bancos. Sindona ficou preso no Centro Correccional Metropolitano de Manhattan à espera da sentença. Enquanto passava as horas numa cela e trocava os fatos de mil e quinhentos dólares por um quimono laranja de presidiário, Roberto Calvi e Paul Marcinkus continuavam com os seus negócios sujos. Uma das sociedades mais rentáveis para o Vaticano seria a Bellatrix, com sede no Panamá.
Embora tivesse sido fundada em 1976 por Calvi com dinheiro do IOR, todas as suas operações eram realmente controladas e dirigidas pelo próprio Marcinkus, em representação do IOR, Licio Gelli, o maçónico Umberto Ortolani e Bruno Tassan Din, director executivo e estratego financeiro do poderoso grupo editorial Rizzoli.
Através da Bellatrix foram transferidos milhões de dólares todos os dias para contas secretas. Por um lado, entravam fundos provenientes da lavagem de dinheiro do tráfico de drogas ou de operações financeiras
fraudulentas, e, por outro lado, o dinheiro saía para as mãos de políticos corruptos sul-americanos. Por conta da Bellatrix, Marcinkus tinha ali colocados três agentes da Santa Aliança que o informavam directamente, saltando por cima do chefe imediato, monsenhor Luigi Poggi.
A espionagem vaticana sabia que em Setembro de 1976 Calvi tinha aberto em Managua uma sucursal do Banco Comercial, pertencente ao Grupo Ambrosiano. Mesmo que a função oficial fosse facilitar as transacções comerciais entre países da região, a extra-oficial, com a aprovação de Paul Marcinkus, consistia em desviar fundos resultantes dos negócios fraudulentos para contas em Nassau.
Era claro que para Luigi Poggi e para a Santa Aliança seria melhor fechar os olhos face às operações fraudulentas preparadas por Marcinkus através do IOR, uma vez que, no fim de contas, os seus lucros sempre poderiam ser utilizados para financiar operações encobertas a favor da Igreja e sempre na defesa da fé.
Foi Lido Gelli quem apresentou Anastasio Somoza a Calvi. Em troca de converter a Nicarágua num refúgio seguro para o dinheiro "B" do Vaticano e pelo passaporte diplomático nicaraguano que estaria nas mãos de Calvi até ao dia da sua morte, o IOR pagou grandes somas ao ditador, sempre através de maletas que eram levadas por qualquer agente da Santa Aliança.
No começo de 1978, os sandinistas conseguiram derrubar o ditador e tomaram conta do poder na Nicarágua. A primeira medida do novo regime foi a nacionalização de toda a banca estrangeira, com excepção do Banco Comercial do Grupo Ambrosiano. Por mero acaso, como em toda a história da política externa do Vaticano, o IOR de Paul Marcinkus havia enviado milhões de dólares para os "comandantes" da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) para que pudessem comprar material de guerra em países como a Espanha, a França e a Bélgica.
As acções do Banco Ambrosiano, negociadas ilegalmente e postas em companhias fantasmas criadas pelo IOR no Panamá, estavam fora do alcance dos inspectores do Banco de Itália, mas Calvi não se mostrava muito tranquilo com a chegada dos sandinistas e por isso resolveu mudar todos os seus negócios da Nicarágua para o Peru. Nesse sentido, a 1 de Outubro de 1979 inaugurou o Banco Ambrosiano Andino, mas apenas as operações da Bellatrix foram transferidas para Lima, porque as outras empresas continuaram a proliferar no Luxemburgo. No total, dezanove sociedades financeiras operavam a partir da cidade europeia e todas elas pertenciam ao IOR, como demonstra o certificado expedido pelo próprio Banco Vaticano e assinado por Paul Marcinkus.
No final de 1979, os prejuízos do IOR atingiam os duzentos milhões de dólares e para o ano seguinte estavam previstos duzentos e oitenta milhões. De acordo com o cardeal Sérgio Guerri, administrador do Governo da Cidade do Vaticano, o papa João Paulo II ter-lhe-á dito pessoalmente que a seguir a mesma tendência estava convencido de que em finais de 1985 se poderia dizer que o Estado da Cidade do Vaticano se encontraria por completo arruinado. Mas ao mesmo tempo tinha sido tornado público um relatório do Bank for International Settlements que se assinalava que entre 1978 e 1979 o IOR depositara em bancos estrangeiros fundos entre novecentos a mil e trezentos milhões de dólares. Os fundos totais depositados dentro e fora do Vaticano podiam nessa altura aproximar-se dos dois mil e quinhentos milhões de dólares. João Paulo II conhecia este dado, mas omi-tiu-o durante a sua reunião com os cardeais Felici e Benelli.
No início de 1980, enquanto a dívida externa da Polónia aumentava e o país enfrentava um Inverno sem carvão, o governo decidiu lançar mão ao congelamento salarial e aumentar os preços dos bens essenciais e por isso ninguém se alarmou quando começaram a ser decretadas greves gerais por todo o país. Enquanto o papa trabalhava em Castelgandolfo com monsenhor Luigi Poggio, o seu chefe de espiões, o electricista no desemprego Lech Walesa, de ombros largos e bigode farto, subia para cima de uma escavadora nos estaleiros Lenine. Ao longo de vários meses os trabalhadores dos estaleiros tinham-se recusado a aderir às greves.
A economia da Polónia estava em quebra, milhões de operários mos-travam-se descontentes e as greves, que de início eram espontâneas, alar-garam-se a mais de cento e cinquenta grandes empresas.
Apesar de a polícia ter morto quarenta e cinco trabalhadores nos estaleiros desde 1970, ninguém queria um novo confronto, mas nesse dia, e enquanto o gerente e director dos estaleiros de Gdansk, Klemens Giech, prometia aumentos salariais aos que voltassem ao trabalho, Lech Walesa do cimo da escavadora gritava e chamava mentiroso a Giech.
A verdade é que o que numa primeira fase eram greves isoladas tor-nou-se em pouco tempo como verdadeiras "insurreições políticas contra-revolucionárias", segundo as palavras de Leónidas Brejnev. Walesa con-tra-atacou quando a 16 de Agosto vários trabalhadores estiveram prestes a abandonar a greve por um aumento salarial à volta de mil e quinhentos zulotes e uma garantia para construir nos estaleiros um monumento à memória das vítimas de Dezembro de 1970.
Muito entusiasmado, Walesa apresentou uma lista com dezasseis exigências e, quando estavam quase a ser aceites, apresentou uma outra com mais vinte e uma reivindicações, que incluía a aceitação por parte do governo de um sindicato livre. Nesse mesmo dia, cento e oitenta fábricas do país uniram-se em bloco à greve, apoiando todas as exigências feitas por Walesa.
Entretanto, no Vaticano, o papa João Paulo II recebia os relatórios elaborados pelos agentes da Santa Aliança e que monsenhor Luigi Poggi arquivava em belas pastas na presença do cardeal Agostino Casaroli. Poggi ordenara ao agente e sacerdote jesuíta polaco Kazimierz Przydatek que formasse um grupo de religiosos da sua própria nacionalidade para que se infiltrassem nos círculos grevistas e nos sindicatos. A partir desse momento, Przydatek tornou-se uma sombra de Walesa e no melhor espião do Vaticano sobre a situação polaca.
Segundo o papa, "Walesa foi enviado por Deus, pela Providência", e Poggi precisava de um contacto permanente junto do líder sindical. Todas as noites, o agente da Santa Aliança recolhia informações em primeira mão depois de conversar com trabalhadores e religiosos. Uma das suas melhores fontes era o padre Henryk Jankowski, da Igreja de Santa Brígida, a paróquia de Lech Walesa em Gdansk. O papa João Paulo II gostou de saber como vários trabalhadores do estaleiro tinham escalado as altas redes de arame, onde penduraram enormes fotografias do papa diante do aparato da polícia que vigiava as instalações. Przydatek sabia desde os tempos da sua colaboração com Paul Marcinkus o que gostavam de ouvir no Vaticano e estava disposto a fazê-lo. Kazimierz Przydatek inventou mesmo que os operários tinham desobedecido a uma ordem de parar e, depois de subirem às redes, arrancaram as imagens dos dirigentes polacos para as trocar pelas de João Paulo II. Claro que era mentira, mas o Sumo Pontífice ficou muito satisfeito com a história.
O sindicato criado recentemente por Lech Walesa, com o nome de "Solidariedade", seria o objectivo seguinte da Santa Aliança.
Perante o receio de que o sindicato se convertesse em mais um refúgio de comunistas moderados, o papa ordenou a Poggi que os seus agentes se infiltrassem no "Solidariedade" e obrigassem de alguma forma os seus dirigentes a aceitar uma organização muito mais aberta em que estivessem representados dirigentes e intelectuais claramente católicos.
Przydatek convenceu Walesa a aceitar na direcção do sindicato Tadeusz Mazowiecki, chefe de redação do jornal Wiez, e o historiador católico Bro-nislaw Geremek. A partir desse momento, o movimento grevista passou a ficar sob o controlo da Igreja e em poucos dias a Santa Aliança informou Poggi de que o cardeal-primaz Wyszynski preparava uma homilia contra a greve e o governo de Varsóvia deu-lhe eco na televisão pública. Poggi transmitiu a Casaroli, mas o perito diplomático sabia que nada poderia dizer ao papa sobre o seu amigo e antigo protector.
O cardeal Wyszynski começou nesse dia a falar sobre os erros que todos cometem e que ninguém (referia-se aos grevistas) deveria incriminar o próximo (o governo comunista polaco). "Todos cometemos erros e pecados", disse o cardeal no púlpito do templo de Czestochova. A parte mais importante do discurso foi quando se referiu às exigências da parte dos grevistas: "Não podem exigir tudo de uma vez. É melhor estabelecer um programa. Ninguém deverá colocar o país em perigo", disse ele.
O discurso caiu como uma bomba. Os grevistas consideraram ser um claro apoio da Igreja para atrasar as reivindicações de um sindicato independente e os intelectuais católicos protestaram pelo discurso, mas mantiveram-se em silêncio. Por sua vez, Walesa não fez caso do que disse o arcebispo-primaz e o papa João Paulo II passou três dias a murmurar por entre dentes nos corredores de Castelgandolfo, dizendo a mesma frase: "Ah! Esse velho... esse velho".
A 31 de Agosto de 1980, seriam assinados os célebres "Acordos de Gdansk", que ratificavam a criação do primeiro sindicato independente para lá da Cortina de Ferro, enquanto o "Solidariedade", com o apoio político do Vaticano e do papa João Paulo II, e financeiro através da Santa Aliança, (1) começou a estender-se por todo o país. Poucos dias depois, Edward Gierek perdeu o poder e foi substituído por Stanislaw Kania.
A 29 de Outubro de 1980, reuniu-se em segredo e numa sessão extraordinária o Politburo da União Soviética. Andropov, Gorbachov, Kirilenko, Chemenko, Rusakov e todos os outros abordaram a situação da Polónia. "Creio, e os factos o demonstram, que os dirigentes polacos não entendem plenamente a gravidade da situação conhecida", afirmou Yuri Andropov, chefe do KGB. "A não ser que se imponha a lei marcial, as coisas podem complicar-se ainda mais. As nossas forças do Norte estão na plena disposição e bem preparadas para a luta", afirmou Ustinov, mas a mais radical das posições foi de Andrei Gromiko, ministro dos Negócios Estrangeiros, quando disse: "Não devemos perder a Polónia. A União Soviética perdeu seiscentos mil soldados para a libertar do jugo nazi. Não podemos permitir uma contra-revolução." E todos ficaram calados.
Ninguém desejava uma nova revolta húngara como a de 1956, nem uma "Primavera de Praga" como a de 1968. De facto, nos inícios de 1980, nenhum dirigente soviético queria ver os tanques russos avançar no solo de Varsóvia para reprimir uma contra-revolução.
Dois dias depois dessa reunião, João Paulo II e Agostino Casaroli tinham em seu poder, graças a um agente da Santa Aliança infiltrado no Ministério da Defesa da Polónia, tudo o que fora transmitido a Varsóvia a partir de Moscovo. Esse agente era de facto o coronel Ryszard Kuklinski, ajudante de campo do general Wojciech Jaruzelski.
A 20 de Janeiro de 1981, Ronald Reagan assumiu a presidência dos Estados Unidos, mas algumas semanas antes de prestar juramento no Capitólio tinham já sido estabelecidos alguns contactos estratégicos entre Washington e a Cidade do Vaticano, entre Ronald Reagan e o papa João Paulo II, entre William Casey, da CIA, e monsenhor Luigi Poggi, da Santa Aliança.
Desde finais de 1980, os contactos entre os Estados Unidos e o Vaticano sobre a situação na Polónia foram estabelecidos entre Zbigniew Brzezinski, assessor da Segurança Nacional do presidente Cárter, e o cardeal Josef Tomko, chefe da Propaganda do Vaticano e antigo chefe da contra-espionagem, o Sodalitium Pianum. Tomko foi o chefe do S. P. até João Paulo II ter nomeado monsenhor Luigi Poggi como responsável dos serviços de inteligência do Vaticano, que ficaram assim ligados num único comando, ou seja, na situação que ainda se mantém.
Foram Tomko e Brzezinski que prepararam, com a autorização de Jimmy Cárter e de João Paulo II, a chamada "Operação Livro Aberto", que consistia em inundar de livros anticomunistas os países do Leste e as regiões da União Soviética como a Ucrânia e os estados bálticos. Esta operação seria coordenada pela CIA e a Santa Aliança através dos padres que trabalhavam nessas zonas.
Enquanto João Paulo II apoiava a "Operação Livro Aberto", Cárter limitava-se a fazer algumas objecções. Zbigniew Brzezinski escreveria anos depois nas suas memórias:
Era claro que João Paulo II é que devia ser eleito presidente dos Estados Unidos e Jimmy Cárter escolhido como Sumo Pontífice.
À medida que os acontecimentos ofereciam a maior possibilidade de as forças soviéticas entrarem na Polónia, a Santa Aliança resolveu compartilhar com a CIA a informação fornecida pelo coronel Kuklinski, que durante onze anos, como militar polaco e oficial do Estado-Maior, fornecera informações muito valiosas aos serviços secretos do Vaticano.
Com a nova administração a funcionar, o Vaticano tinha dois novos interlocutores para o problema da Polónia: Richard Allen, conselheiro da Segurança Nacional, e William Casey, director da CIA. As ligações de Kuklinski e da Santa Aliança e o Vaticano faziam com que a informação fosse muito importante do ponto de vista de análise estratégica. Zbigniew Brzezinski conservava a sua posição de elemento de ligação entre a Casa Branca e a Santa Aliança de Poggi.
O certo é que a visão que Ronald Reagan tinha da Igreja Católica e do Vaticano era muito diferente das anteriores administrações, mesmo da de John F. Kennedy, o único presidente católico dos Estados Unidos. Reagan era filho de um trabalhador católico irlandês e isso marcou-o muito. Um dos principais núcleos de votantes eram os católicos e sentia-se bastante apoiado por eles. Para Reagan e os seus assessores, a Igreja era o perfeito contraforte do comunismo. Tal como o papa João Paulo II, o presidente dos Estados Unidos considerava o marxismo, o leninismo e o comunismo como os sinais do mal que era preciso afastar do Mundo.
Era muito claro que o "Solidariedade" representava para Moscovo uma ameaça séria sem precedentes, talvez uma "infecção" que estava a contagiar um sistema monolítico como era o comunista e, se chegasse. A infectar os estados bálticos, poderia chegar a desfazer o bloco soviético.
João Paulo II e os principais assessores do Vaticano estavam bem convencidos de que se o sindicato "Solidariedade" triunfasse na Polónia a onda expansiva afectaria também a Ucrânia, os Balcãs, a Letónia, a Lituânia, a Estónia e talvez a Checoslováquia. Reagan entendeu que, se assim fosse, poderia pensar no fim da Guerra Fria e no triunfo do capitalismo sobre o comunismo.
Durante uma reunião do presidente Reagan com William Casey e William Clark, assessor presidencial, este declarou: "Não nos podemos ver a entrar no país e derrubar o governo em nome do povo. A única coisa que podemos fazer é utilizar o «Solidariedade» como arma para conseguir isso". Reagan resolveu então que o "Solidariedade" receberia ajuda financeira dos Estados Unidos. Casey não sabia de onde sairiam os fundos, mas isso seria resolvido no coração do Vaticano.
Como elo de ligação para as novas operações conjuntas da CIA com a Santa Aliança na Polónia foi nomeado Jan Nowak, chefe do congresso polaco-americano. A sua função era manter o fluxo constante de informações entre Varsóvia e o Vaticano e do Vaticano até Washington. Nowak também se ocuparia da recolha de fundos e do envio de dinheiro para a Polónia a fim de financiar a imprensa clandestina, a aquisição de máquinas tipográficas, a compra de fotocopiadoras e outro material.
Uma outra figura que teve um grande portagonismo na "Operação Polónia" foi o delegado apostólico do papa em Washington, o arcebispo Pio Laghi. Casey e Clark gostavam de visitar Laghi na sua residência e, enquanto tomavam café, falavam da situação política na América Central, do controlo da natalidade, mas sobretudo o tema principal era a Polónia. Ronald Reagan precisava de saber todos os aspectos da espionagem desenvolvida pela Santa Aliança na Polónia e nessa altura apareceu também em cena o cardeal John Krol, de Filadélfia.
Allen, Casey e o próprio Reagan começaram a reunir-se com Krol e o cardeal entrava mesmo pela porta traseira da Casa Branca. Mais do que nenhuma outra figura da Igreja, Krol esforçava-se por manter a Casa Branca sempre informada acerca da situação do "Solidariedade", das suas necessidades e das relações com o episcopado polaco21. Apesar de John Krol em muitos sentidos interferir nas operações e comunicações da Santa Aliança de monsenhor Luigi Poggi para o Vaticano e para o papa João Paulo II, a relação do arcebispo de Filadélfia com o presidente Ronald Reagan devia ser aproveitada e os próprios colaboradores de Reagan chamavam a John Krol o "Compincha do Papa". Na Primavera de 1981, as relações entre a Casa Branca e o Vaticano eram muito fluidas, em especial sobre as questões relacionadas com a Polónia e a América Central. Por isso mesmo, William Casey, Vernon Walters, William Clark e Zbigniew Brzezinski, pelo lado norte-americano, e monsenhor Luigi Poggi e os cardeais Pio Lagni, John Krol e Agostino Casaroli, pelo lado do Vaticano, tornaram-se numa espécie de força de choque, cujo único objectivo era apoiar o sindicato "Solidariedade" na sua luta particular contra o governo comunista de Varsóvia.
Sempre que Walters, o embaixador especial de Reagan, regressava de Roma, onde tinha encontros secretos com o papa João Paulo II, os seus relatórios eram mais abundantes. Walters falava com o papa acerca da Polónia, da América Central, do terrorismo, do Chile, do poder militar chinês, da Argentina, da teologia da libertação, ou da saúde de Leónidas Brejnev, das ambições nucleares do Paquistão, da Ucrânia ou da situação no Próximo Oriente. Mas o que de facto faziam João Paulo II e Vernon Walters era manter "contactos geoestratégicos".
Como contrapartida, a Santa Aliança recebeu da CIA relatórios baseados em comunicações telefónicas travadas entre padres e bispos da Nicarágua e El Salvador, que apoiavam a teologia da libertação e assim participavam activamente na oposição às forças apoiadas pelos Estados Unidos. Por ordem de William Casey, Oliver North e outros membros do Conselho de Segurança Nacional fizeram pagamentos secretos a padres da classe dirigente da América Central e leais ao papa e à Santa Aliança. Na verdade, não existe nenhum documento que demonstre que o papa João Paulo II ou qualquer outro alto dignitário do Vaticano aprovasse tais pagamentos, embora haja indícios de que Luigi Poggi devia saber.
A 23 de Abril de 1981, William Casey chegou a Roma. O objectivo da viagem era tratar da manutenção do apoio da CIA e da Santa Aliança ao "Solidariedade". O director da Agência sabia que a situação da Polónia era mais um processo evolutivo do que revolucionário e não havia a menor dúvida de que era necessário conseguir que se afastasse da órbita
soviética. O papa João Paulo II e Casaroli encontrar-se-iam por três vezes com o embaixador soviético em Roma e Casey seria informado de tudo o que tratavam.
Jaruzelski temia um autêntico desastre que passasse pela intervenção das tropas do Exército Vermelho em Varsóvia e que afastasse os homens do "Solidariedade", e nesse sentido solicitou ajuda ao cardeal Wyszyinski para que convencesse Walesa a suspender a greve geral. Quando Walesa e os outros dirigentes se recusaram, o cardeal pôs-se de joelhos diante dele, agarrou-o pelas calças e disse que não o soltaria enquanto não se comprometesse a suspender a greve.
A chantagem emocional funcionou e Walesa ordenou o fim da greve, permitindo ao general Jaruzelski comunicar a Moscovo que tinha a situação controlada. A 9 de Fevereiro de 1981, Jaruzelski foi nomeado primeiro-ministro da República Popular da Polónia e nesse dia o general foi investido no cargo depois de um golpe de Estado e da posterior demissão de Jozef Pinkowski.
Conforme Luigi Poggi informou o papa, Jaruzelski era considerado como um duro e contrário a qualquer forma de liberalização da vida pública e sem dúvida alguma converter-se-ia no principal inimigo do "Solidariedade" e ainda das operações que a Santa Aliança estava a levar a cabo na Polónia.
Durante a reunião com o papa, William Casey falou da América Central, da possível extensão do comunismo em toda a área centro-ame-ricana, do treino de militares nicaraguanos e sandinistas por parte de Cuba. Segundo disse Casey a João Paulo II, "os russos, os cubanos, os búlgaros e os norte-coreanos estão comprometidos". Entregou ainda ao papa João Paulo II uma pasta com um relatório em cuja capa aparecia a indicação de "Alto Segredo". O Sumo Pontífice não a abriu, mas passou-a a monsenhor Luigi Poggi, que estava a seu lado e sempre presente nos encontros do Santo Padre com o director da CIA.
O relatório tinha sido entregue pelo serviço de espionagem italiano à CIA e esta por sua vez passou-o à Santa Aliança. Falava-se aí de que quando Lech Walesa viajou para Roma, em Janeiro, para visitar o papa se tinha também reunido com Luigi Scricciollo, da Confederação Italiana do Trabalho. A contra-espionagem italiana dizia no relatório que Scricciollo era de facto um agente dos serviços secretos búlgaros. Para os italianos isso significava que os planos do "Solidariedade" podiam ser conhecidos ou que Lech Walesa podia ser assassinado.
A 13 de Maio de 1981, nada fazia adivinhar a tragédia que se avizinhava. João Paulo II almoçou ao meio-dia com vários convidados e pelas cinco da tarde o papa dirigiu-se ao Palácio Apostólico para celebrar a audiência geral semanal na Praça de São Pedro, a qual começou com pontualidade. Milhares de pessoas apinhavam-se no círculo formado pela Colunata de Bernini: 264 colunas coroadas por 162 estátuas de santos.
O percurso que o "Papamóvel" devia realizar já estava delimitado, quando um jovem turco chegara à praça meia hora antes. O papa João Paulo II recusou levar escolta. Chegou ao veículo e num salto subiu para a plataforma. Seguiam-no de perto Camillo Cibin, chefe de Segurança do Vaticano, dois agentes de fato azul, dois agentes da Santa Aliança e à frente quatro membros do corpo da Guarda Suíça. Poggi tinha convocado Cibin meses antes para lhe dar a conhecer que receberam um relatório da espionagem francesa no qual se falava de uma trama de qualquer serviço secreto do Pacto de Varsóvia para tentar matar o Sumo Pontífice e que por isso os seus homens deviam estar atentos.
Às 5.18 da tarde, e quando o papa estava com uma menina ao colo, soou o primeiro tiro na praça de São Pedro. Com as mãos agarradas na barra do "Papamóvel", João Paulo II começou a cambalear. A bala disparada por Mehmet Ali Agca perfurou-lhe o estômago e causou graves ferimentos no intestino delgado, cólon e intestino grosso. Sem pestanejar, o papa João Paulo II, que sabia estar ferido pela dor insuportável no estômago, tentava com as mãos, mas sem o conseguir, deter o sangue que brotava pelo pequeno orifício.
Tinham passado apenas breves segundos e ouviu-se o segundo tiro, mas desta vez a bala feriu o papa na mão direita. O terceiro tiro disparado por Agca atingiu o papa mais acima, no braço. O condutor olhou para trás sem entender o que se passava, mas ao voltar-se Cibin estava já a agarrar a cabeça do papa, caído no banco, no meio de uma poça de sangue.
Cibin gritava aos agentes com as armas na mão que procurassem o atirador, que mergulhara na multidão. Agca corria e abria caminho de arma na mão, uma Browning automática de nove milímetros. Mas a certa altura sentiu que alguém lhe bateu nas pernas e o fez cair: era um agente da polícia italiana que estava num passeio da praça e o prendeu.
Estendido no chão, vários agentes papais pontapearam e bateram em Ali Agca antes de ele ser arrastado para uma carrinha celular, enquanto o "Papamóvel" se dirigia a toda a velocidade para a Porta de Bronze para colocar o papa numa ambulância. No meio dos gritos, o veículo abriu passagem até à Clínica Gemelli de Roma, a que ficava mais próximo do Vaticano.
Uma vez na zona cirúrgica do nono andar, foi rasgada a sotaina branca do papa João Paulo II e ficaram a descoberto uma medalha de ouro e uma cruz manchadas de sangue. Curiosamente, a medalha estava abaulada pelo impacte de uma das balas. Ao que parece, o projéctil ter-lhe-ia atingido o peito se não fosse essa medalha desviar a bala, que apenas lhe atingiu o indicador da mão direita.
Quando recuperou a vida depois de seis horas de intervenção cirúrgica, João Paulo II acreditava que tinha sido salvo pela Virgem de Fátima. Ao longo dos muitos meses de recuperação, o desejo de saber quem tinha dado a ordem para o assassinar converteu-se numa obsessão para João Paulo II.
Leu todos os relatórios da Santa Aliança que caíam nas suas mãos vindos da CIA, da BND alemã, do Mossad israelita, do serviço secreto austríaco ou da espionagem turca, mas nenhum deles respondia à sua pergunta. E nem sequer se inteirou de algo mais quando Mehmet Ali Agca foi presente à justiça de Roma na última semana de Julho de 1981 e condenado a prisão perpétua.
Segundo o escritor Gordon Thomas, no seu livro Gideorís Spies. The History of Mossad, seria monsenhor Luigi Poggi, chefe da Santa Aliança, quem lhe daria a resposta. Durante meses, o espião papal tivera estreitos contactos com Yizhak Hofi, o memuneh do Mossad. Poggi teve reuniões secretas em Viena, Varsóvia, Paris e Sófia. Em Novembro de 1983, monsenhor Luigi Poggi voltava de uma reunião em Viena e trazia consigo a resposta para a pergunta de João Paulo II. Quem tinha dado a ordem para o matar?
O seu motorista esperou durante horas no aeroporto pela chegada do avião que trazia Poggi da capital austríaca. Ao chegar à Porta dos Sinos, deram passagem ao veículo com matrícula vaticana, mas mesmo assim foi detido pelos elementos da Guarda Suíça para identificação do passageiro. Ao ver de quem se tratava, o soldado pôs-se em sentido e apresentou armas ao chefe da Santa Aliança.
O arcebispo trazia vestida uma gabardina preta e um cachecol que lhe cobria todo o rosto, mas notava-se que era um homem corpulento. E enquanto aquecia o corpo, recordava ainda a reunião secreta havida no bairro judeu de Viena. Era uma sala um tanto desarrumada, mas Poggi escutara atentamente um katsa chamado Eli responder à pergunta que João Paulo II fazia constantemente.
Poggi foi acompanhado por um mordomo até ao gabinete do papa. Os livros e os relatórios militares amontoavam-se nas estantes. O chefe da espionagem papal sabia que o atentado afectara muito o Santo Padre física e mentalmente. Depois de uma breve saudação, Poggi sentou-se com as mãos sobre os joelhos e num tom baixo começou a relatar a história que tinha ouvido na Áustria. Depois de 13 de Maio de 1981 não deixavam de chegar notícias ao quartel-general do Mossad em Telavive e o facto de todos os serviços secretos terem realizado as suas próprias investigações fez com que Hofi mantivesse o Mossad fora do assunto.
A investigação do serviço de espionagem israelita teve realmente início em 1982, por ordem de Nahum Admoni, que substituíra Yitzhak Hofi no comando do Mossad. Para os norte-americanos estava claro que Ali Agca tinha apertado o gatilho, mas a ordem partira do KGB, ao ver que o apoio expresso de João Paulo II e do seu serviço de espionagem ao sindicato "Solidariedade" podia acender o facho do nacionalismo polaco. Esta mesma versão é defendida pela escritora Claire Sterling no seu livro The Time ofthe Assassins. Para os israelitas, a conspiração tinha sido preparada em Teerão e ordenada pelo ayatola Khomeini: assassinar o papa era o primeiro passo para o ythad contra o Ocidente. Esta mesma versão defende-a o jornalista russo Eduard Kovaliov no seu livro Atentado en la plaza de San Pedro.
Antecipando-se ao fracasso de Agca, os serviços secretos iranianos pensaram apresentar o turco como um fanático solitário e nesse sentido se faria todo um relatório favorável.
Poggi relatou ao papa a história de Agca, que estava num relatório da Santa Aliança que entregou ao Sumo Pontífice dentro de uma pasta vermelha: "Mehmet Ali Agca nasceu na aldeia de Yesiltepe, a leste da Turquia. Com dezanove anos ligou-se aos «Lobos Cinzentos», um grupo terrorista pró-iraniano que era financiado por Teerão. Em Fevereiro de 1979, Agca assassinou o editor de um jornal célebre pela sua posição a favor do Ocidente. Poucos dias depois do assassínio, o jornal recebeu uma carta supostamente escrita por Agca, na qual se referia a João Paulo II como o comandante das Cruzadas e ameaçava matá-lo se ele (o papa) pisasse solo do Islão".
O papa fazia pequenas pausas no relato de Poggi para beber água e fazer-lhe perguntas concretas. Depois da Líbia, continuava o espião papal a relatar, Agca viajou para a Bulgária em Fevereiro de 1981 para se juntar aos agentes do serviço secreto búlgaro. William Casey estava tão furioso pelo facto de o KGB ter envolvido a CIA no atentado que ordenou criar uma "conexão búlgara" na tentativa de assassínio. Segundo ele, o KGB ordenou aos búlgaros que preparassem uma conspiração para liquidar o papa pela sua política em relação à Polónia e ao "Solidariedade".
A 23 de Dezembro de 1983, o papa João Paulo II pôde fazer a pergunta que não lhe saía da cabeça nos últimos dois anos directamente a Mehmet Ali Agca. O papa avançou sozinho até à cela T4 da prisão de Rebibbia. Ao vê-lo, Ali Agca ajoelhou-se e beijou com todo o respeito o anel do Pescador. Os dois homens sentaram-se e, quase roçando as suas cabeças, Agca começou a falar, quase a sussurrar, ao ouvido do papa e, enquanto escutava o que Agca dizia, o seu rosto tornava-se mais sério. Finalmente, o papa João Paulo II obteve a resposta para a sua pergunta.
Mais tarde o próprio espião do papa, monsenhor Poggi, explicava: "Ali Agca sabe coisas apenas até certo nível. Para lá desse nível não sabe nada. Se se tratou de uma conspiração, ela foi tramada por profissionais e estes não deixam vestígios. Nunca ninguém encontra nada."
A verdade é que desde esse dia 13 de Maio de 1981 se escreveram dezenas de livros e reportagens acerca de quem tentou matar o papa João Paulo II naquela tarde, na Praça de São Pedro. Foram procurados centenas de presumíveis culpados e dezenas de explicações dos motivos políticos para essa conjura. Foram acusados os iranianos pelo yihad, acusaram os soviéticos pela política papal na Polónia, a CIA pela ligação de Mehmet Ali Agca com um ex-agente colocado na Líbia, os búlgaros como títeres do KGB, mas ninguém sabe de fonte segura, nem sequer a Santa Aliança, quando passaram mais de vinte anos sobre o atentado na Praça de São Pedro, quem esteve por detrás do gatilho de Mehmet Ali Agca.
Poucos anos depois havia de se saber que, após o encontro de 23 de Dezembro de 1983 entre o Sumo Pontífice e Ali Agca na prisão de Rebibbia, João Paulo II ordenou a monsenhor Luigi Poggi, e portanto à Santa Aliança e ao Sodalitium Pianum, que cessasse qualquer inquérito a respeito do atentado. Como "ordem pontifícia", o espião papal assumiu o mais puro estilo vaticano, ou seja, colocando um véu escuro sobre o que se relacionasse com o "13 de Maio de 1981". A 24 de Dezembro de 1983, e enquanto o Vaticano se preparava para as festividades de Natal, dois agentes da Santa Aliança, escoltados por quatro membros da Guarda Suíça, transportaram em várias caixas, hermeticamente fechadas e seladas com o escudo pontifício, todos os documentos que diziam respeito ao atentado na Praça de São Pedro até ao Arquivo Secreto Vaticano, onde ainda dormem no esquecimento.
Entretanto, as pontas que ficaram por atar no caso IOR-Banco Ambro-siano-Calvi-Marcinkus estavam prestes a ser bem atadas. Michele Sindona, o banqueiro da Máfia, foi condenado a 13 de Junho de 1980 a vinte e cinco anos de prisão por um tribunal norte-americano, mas no entanto havia muito que dizer até ele ser assassinado, em 1986. E ainda há muito para dizer sobre os anos polacos.
(Eric Frattini - "A santa aliança, cinco séculos de espionagem do Vaticano)
(1) - Segundo citação de Gianluigi Nuzzi - "Vaticano S.p.A.", o custo desta operação saldou-se por um rombo de mais de 100 milhões de dólares aos cofres do Vaticano:
Di fronte a questi scandali e all'emorragia finanziaria causata dalle truffaldine operazioni di Sindona-Calvi, l'astro di Marcinkus è destinato a inabissarsi. L'arcivescovo gode però della protezione incondizionata di Giovanni Paolo II. Protezione dovuta soprattutto ai fondi per oltre 100 milioni di dollari che il Vaticano inviò al sindacato polacco Solidarnosc.Infatti, è solo per le insistenze del segretario di Stato Agostino Casaroli che l'arcivescovo non viene promosso cardinale. Già nel 1980 sempre Casaroli, contravvenendo alle disposizioni di Wojtyla, aveva impedito che Marcinkus testimoniasse nel processo Sindona a favore del finanziere di Patti sei anni dopo il crac. Evitando così un'ulteriore figura alla già critica posizione nella quale si era ritrovata la Chiesa. L'azione di Andreatta accelera lo scontro tra l'arcivescovo di Cicero e Casaroli. Il segretario vuol mettere ala porta Marcinkus visti i danni d'immagine e finanziari cagionati. Wojtyla, per esempio, deve proclamare l'Anno Santo straordinario nel 1983 (già tenutosi nel 1975) pur di far lievitare le donazioni e rimpinguare le casse. Per portare a termine il piano Casaroli si deve muovere con calma, senza sbagliare una mossa. Impiegherà così molto più tempo del previsto: Marcinkus lascerà la banca vaticana solo nel 1989.