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A hora dos assassinos (1979-1982)

por Thynus, em 20.04.13

 

"Todos os dias as minhas palavras me fazem hesitar, apenas pensam causar-me dano, espiam os meus passos para atentar contra a minha vida."
Salmos 55, 7

 

 

O coronel Ryszard Kuklinski abriu a porta de par em par para anunciar ao general Wojciech Jaruzelski que Karol Wojtyla acabava de ser eleito Sumo Pontífice. Com cinquenta e sete anos, para o ministro da Defesa da República Popular da Polónia aquela notícia não era melhor nem pior do que qualquer outra, mas o que ele não sabia nesse momento era que a eleição de um polaco como novo papa lhe causaria mais uma dor de cabeça.

Entretanto, os restos do escândalo IOR continuavam a cair sobre o Vaticano e uma obscura mão como a de Licio Gelli estaria disposta a solucionar a questão. Em Janeiro de 1979, Mário Sarcinelli convenceu Roberto Calvi a apresentar-se diante da comissão especial do Banco de Itália. O "banqueiro de Deus" seria interrogado acerca das suas relações com a Suprafin, sobre os contactos entre o Banco Ambrosiano e o IOR de Marcinkus e sobre a filial do banco que operava em Nassau. Um dos investigadores solicitou a Calvi que indicasse os nomes dos accionistas do Ambrosiano, mas o "banqueiro de Deus" recusou-se.

 

Um outro obstáculo seria o advogado e jornalista Carmine Mino Pecorelli. Na sua revista OP, Pecorelli revelou um grande número de escândalos nos anos sessenta. A maior parte deles procediam de várias fontes de informação, muitas das quais relacionadas com a Máfia. Com o passar dos anos, a OP tornou-se numa importante fonte de informação não apenas para os políticos, mas também para os financeiros, advogados e inspectores fiscais.

 

A verdade é que o jornalista tinha acesso a fontes de informação privilegiadas graças aos estreitos contactos com membros dos serviços secretos italianos, com os serviços secretos papais e, naturalmente, com pessoas de destaque na loja Propaganda 2. Pecorelli era membro da P-2 por causa das suas relações com Lido Gelli.

 

O próprio grão-mestre pedia aos seus poderosos irmãos da loja que facilitassem papéis e documentos à OP com o intuito de denunciar todos aqueles que se opusessem em segredo a favor da loja ou ainda pelos interesses da P-2. Em meados de 1977, Pecorelli decidiu iniciar uma investigação sobre um dos maiores roubos na história das finanças da República da Itália. O caso consistia na adulteração e venda fraudulenta de um derivado de petróleo que se utilizava para o aquecimento central nos edifícios e como combustível nos camiões. Os lucros, segundo os dados que Pecorelli apresentava, chegavam a quase nove mil e quinhentos milhões de dólares. O jornalista continuou a investigar perigosamente até descobrir que nessa fraude estavam implicados o IOR e o monsenhor Paul Marcinkus. Através de um agente livre da Santa Aliança, talvez o jesuíta polaco Kazimierz Przydatek, o Banco Vaticano desviava o dinheiro sujo obtido para contas no estrangeiro, sobretudo em Nassau e na Suíça. Num certo dia de Agosto de 1988, os artigos sobre o escândalo do combustível deixaram de aparecer. Pecorelli foi pressionado pelo senador democrata-cristão Cláudio Vitalote, pelo juiz Cario Testi e pelo general Donato Prete, da Central de Finanças, para que esquecesse o assunto. Fala-se também de uma misteriosa visita que Przydatek terá feito ao jornalista. Uma fonte garantiu, após o assassínio de Pecorelli, que o jesuíta polaco e espião dos serviços secretos do Vaticano, Kazimierz Przydatek, era um agente livre às ordens de monsenhor Marcinkus.

 

Em princípios de 1978, Mino Pecorelli começou de novo a publicar artigos sobre a infiltração da Maçonaria no Vaticano e em especial nos seus três grandes núcleos de poder: diplomacia, finanças e nos serviços secretos2. Num dos artigos o jornalista publicava uma lista com os nomes dos principais membros da Maçonaria vaticana, onde apareda o nome do poderoso cardeal Jean Villot. Licio Gelli soube que, se essa lista chegasse às mãos do papa Luciani, poderia colocá-los em sérias dificuldades e em especial Paul Marcinkus e Roberto Calvi. 

Após a morte de João Paulo I, Gelli negociou directamente com Pecorelli e, segundo parece, o jornalista estimou o seu silêncio em cerca de três milhões de dólares, mas Gelli negou-se a pagar tal valor.

O primeiro artigo apareceu na OP, o que deixava em má posição o próprio Licio Gelli. O texto afirmava que o grão-mestre da loja P-2 tinha sido espião do KGB e depois da CIA americana e por ultimo trabalhara para a Santa Aliança vaticana.

 

Passados alguns dias sobre o aparecimento dos primeiros cinco artigos nas páginas da OP, Licio Gelli convidou Mino Pecorelli para jantar e falar do assunto. Nessa noite, Przydatek foi visto perto da casa de Pecorelli, mas nunca foi interrogado a esse respeito pela polícia italiana. Na noite seguinte, dia do encontro com Gelli, Pecorelli trabalnou todo o dia no seu gabinete. Uma hora antes da reunião marcada com o líder da P-2, Mino Pecorelli saiu do edifício e seguiu na direcção do carro estacionado no parque. Nessa altura, dois homens aproximaram-se do jornalista e deram-lhe três tiros na boca. A Máfia tinha feito a sua justiça especial, aplicando em Pecorelli o sasso in bocca, que significa que um traidor não voltará a falar. Mas nunca ninguém foi detido por causa deste assassínio.

 

A 29 de Março de 1979, alguém deu ordem para que fossem presos os directores do Banco de Itália que investigavam as conexões do Banco Ambrosiano e do IOR de Marcinkus. Mário Sarcinelli e Paolo Baffi foram presos e acusados de esconder deliberadamente informações sobre o inquérito.

 

Apesar de Sarcinelli, chefe de investigadores do Banco de Itália, ter sido posto em liberdade, o juiz negou-se a permitir o seu reingresso no banco e, portanto, a não prosseguir no trabalho de inquérito do caso do Banco Ambrosiano.

 

Um outro inspector que tentara fazer um inquérito independente sobre as relações entre Michele Sindona e o Banco Vaticano foi Giorgio Ambrosoli. Como inspector liquidatário do império Sindona desde 1974, pôde denunciar as operações que o banqueiro da Máfia tinha realizado em colaboração com o Banco Vaticano.

 

A sua investigação permitiu identificar quase noventa e sete altos funcionários da administração, da política, das finanças e do Vaticano relacionados com contas-correntes no estrangeiro, sobretudo em Londres, na Suíça e nos Estados Unidos. Nessa lista apareciam os nomes de homens de confiança do papa Paulo VI e depois de João Paulo II, como Máximo Spada ou Luigi Mennini.

 

 

O inspector Ambrosoli achou provas irrefutáveis da cumplicidade do Banco Vaticano com as operações fraudulentas realizadas por Michele Sindona. Em Maio de 1979, Ambrosoli calculava a falência do império Sindona por perdas próximas dos setecentos e cinquenta e sete mil milhões de liras.

 

Com o inspector Giorgio Ambrosoli colaboraram também Boris Giuliano, superintendente das forças policiais em Palermo, e o tenente-coronel António Varisco, chefe de segurança de Roma. Giuliano pôs-se a investigar Sindona quando de forma casual descobriu no colete de um mafioso assassinado dois cheques que incriminavam o banqueiro da Máfia com o envio de dinheiro sujo procedente do tráfico de heroína para uma conta bancária no Caribe. Por sua vez, Varisco efectuou uma investigação profunda sobre as origens da P-2. Por exemplo, Ambrosoli descobriu como tinha mudado de mãos a Banca Cattolica dei Veneto e como um agente da Santa Aliança de um país de Leste (possivelmente, Kazimierz Przydatek) transportara em duas maletas nove milhões e meio de dólares em comissões que eram destinadas a Roberto Calvi, Paul Marcinkus e ao cardeal John Cody.

 

A 11 de Junho de 1979, Ambrosoli foi assassinado à entrada de sua casa por William Arico, um assassino profissional. Uma vez mais várias testemunhas relataram à polícia que, alguns dias antes da morte do inspector, um homem alto, de cabelos castanho-claros, tinha sido visto nas  

proximidades a tomar notas de alguma coisa. Przydatek, o agente da espionagem pontifícia que trabalhava para Marcinkus, parecia coincidir com essa descrição.

A 13 de Junho, o tenente-coronel António Varisco foi assassinado quando dois homens o metralharam num semáforo. A 20 de Julho, Boris Giuliano entrou no Lux Bar, em Palermo, como fazia todas as manhãs para tomar o seu café. Quando se dirigia à caixa para pagar a despesa, um homem aproximou-se dele por trás e disparou um tiro na nuca. Antes de sair do local, o assassino colocou sobre o corpo um cravo branco. Uma investigação demonstraria anos depois que o "cravo branco" era um sinal utilizado pela Inquisição em Roma durante os anos em que o cardeal e inquisidor-geral Miguel Ghislieri espalhava o terror na Cidade Eterna. O cravo branco era colocado pelos denunciantes anónimos para indicar as casas dos que deviam ser presos e torturados pelo Santo Ofício.

 

Embora Ambrosoli não tivesse concluído a sua investigação, o volumoso dossier serviu como prova acusatória durante o julgamento que decorreu em Nova Iorque contra Michele Sindona. Tanto Roberto Calvi como Paul Marcinkus negaram sempre terem recebido qualquer comissão pela venda da Banca Cattolica dei Veneto. O julgamento de Sindona pelo colapso do Franklin Bank começou em Fevereiro de 1979.

 

Altos membros da Cúria Romana, como Paul Marcinkus, e ilustres cardeais, como Giuseppe Caprio e Sérgio Guerri, estavam prontos a depor a favor de Sindona, mas poucas horas antes das suas declarações, na embaixada dos Estados Unidos em Roma, o cardeal Agostino Casa-roli, ao que parece por ordem expressa do papa João Paulo II, exigiu que Marcinkus, Capri e Guerri "mantivessem a boca fechada". A seguir, o Vaticano, através da Secretaria de Estado, emitiu um comunicado em que dizia:

 

Podem criar um precedente muito conflituoso e prejudicial. Houve demasiada publicidade. Dói-nos muito que o Governo dos Estados Unidos não reconheça o Vaticano no plano diplomático, porque o Vaticano é um Estado de direito.

 

A verdade é que Casaroli salvou o Estado do Vaticano de um escândalo, sem saber que tinha desobedecido a uma ordem expressa do papa João Paulo II, que autorizava Marcinkus, Capri e Guerri a declarar a favor de Sindona, mas o fiel Casaroli só saberia disso anos depois.

 

Por fim, a 23 de Março de 1980, Michele Sindona, o banqueiro da Máfia, foi declarado culpado em noventa e cinco crimes, entre eles os de fraude, conspiração, perjúrio, falsificação de documentos bancários e apropriação indevida de fundos depositados nos seus bancos. Sindona ficou preso no Centro Correccional Metropolitano de Manhattan à espera da sentença. Enquanto passava as horas numa cela e trocava os fatos de mil e quinhentos dólares por um quimono laranja de presidiário, Roberto Calvi e Paul Marcinkus continuavam com os seus negócios sujos. Uma das sociedades mais rentáveis para o Vaticano seria a Bellatrix, com sede no Panamá.

 

Embora tivesse sido fundada em 1976 por Calvi com dinheiro do IOR, todas as suas operações eram realmente controladas e dirigidas pelo próprio Marcinkus, em representação do IOR, Licio Gelli, o maçónico Umberto Ortolani e Bruno Tassan Din, director executivo e estratego financeiro do poderoso grupo editorial Rizzoli.

 

Através da Bellatrix foram transferidos milhões de dólares todos os dias para contas secretas. Por um lado, entravam fundos provenientes da lavagem de dinheiro do tráfico de drogas ou de operações financeiras

 

fraudulentas, e, por outro lado, o dinheiro saía para as mãos de políticos corruptos sul-americanos. Por conta da Bellatrix, Marcinkus tinha ali colocados três agentes da Santa Aliança que o informavam directamente, saltando por cima do chefe imediato, monsenhor Luigi Poggi.

A espionagem vaticana sabia que em Setembro de 1976 Calvi tinha aberto em Managua uma sucursal do Banco Comercial, pertencente ao Grupo Ambrosiano. Mesmo que a função oficial fosse facilitar as transacções comerciais entre países da região, a extra-oficial, com a aprovação de Paul Marcinkus, consistia em desviar fundos resultantes dos negócios fraudulentos para contas em Nassau.

Era claro que para Luigi Poggi e para a Santa Aliança seria melhor fechar os olhos face às operações fraudulentas preparadas por Marcinkus através do IOR, uma vez que, no fim de contas, os seus lucros sempre poderiam ser utilizados para financiar operações encobertas a favor da Igreja e sempre na defesa da fé.

 

Foi Lido Gelli quem apresentou Anastasio Somoza a Calvi. Em troca de converter a Nicarágua num refúgio seguro para o dinheiro "B" do Vaticano e pelo passaporte diplomático nicaraguano que estaria nas mãos de Calvi até ao dia da sua morte, o IOR pagou grandes somas ao ditador, sempre através de maletas que eram levadas por qualquer agente da Santa Aliança.

 

No começo de 1978, os sandinistas conseguiram derrubar o ditador e tomaram conta do poder na Nicarágua. A primeira medida do novo regime foi a nacionalização de toda a banca estrangeira, com excepção do Banco Comercial do Grupo Ambrosiano. Por mero acaso, como em toda a história da política externa do Vaticano, o IOR de Paul Marcinkus havia enviado milhões de dólares para os "comandantes" da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) para que pudessem comprar material de guerra em países como a Espanha, a França e a Bélgica.

 

As acções do Banco Ambrosiano, negociadas ilegalmente e postas em companhias fantasmas criadas pelo IOR no Panamá, estavam fora do alcance dos inspectores do Banco de Itália, mas Calvi não se mostrava muito tranquilo com a chegada dos sandinistas e por isso resolveu mudar todos os seus negócios da Nicarágua para o Peru. Nesse sentido, a 1 de Outubro de 1979 inaugurou o Banco Ambrosiano Andino, mas apenas as operações da Bellatrix foram transferidas para Lima, porque as outras empresas continuaram a proliferar no Luxemburgo. No total, dezanove sociedades financeiras operavam a partir da cidade europeia e todas elas pertenciam ao IOR, como demonstra o certificado expedido pelo próprio Banco Vaticano e assinado por Paul Marcinkus.

No final de 1979, os prejuízos do IOR atingiam os duzentos milhões de dólares e para o ano seguinte estavam previstos duzentos e oitenta milhões. De acordo com o cardeal Sérgio Guerri, administrador do Governo da Cidade do Vaticano, o papa João Paulo II ter-lhe-á dito pessoalmente que a seguir a mesma tendência estava convencido de que em finais de 1985 se poderia dizer que o Estado da Cidade do Vaticano se encontraria por completo arruinado. Mas ao mesmo tempo tinha sido tornado público um relatório do Bank for International Settlements que se assinalava que entre 1978 e 1979 o IOR depositara em bancos estrangeiros fundos entre novecentos a mil e trezentos milhões de dólares. Os fundos totais depositados dentro e fora do Vaticano podiam nessa altura aproximar-se dos dois mil e quinhentos milhões de dólares. João Paulo II conhecia este dado, mas omi-tiu-o durante a sua reunião com os cardeais Felici e Benelli.

No início de 1980, enquanto a dívida externa da Polónia aumentava e o país enfrentava um Inverno sem carvão, o governo decidiu lançar mão ao congelamento salarial e aumentar os preços dos bens essenciais e por isso ninguém se alarmou quando começaram a ser decretadas greves gerais por todo o país. Enquanto o papa trabalhava em Castelgandolfo com monsenhor Luigi Poggio, o seu chefe de espiões, o electricista no desemprego Lech Walesa, de ombros largos e bigode farto, subia para cima de uma escavadora nos estaleiros Lenine. Ao longo de vários meses os trabalhadores dos estaleiros tinham-se recusado a aderir às greves.

 

A economia da Polónia estava em quebra, milhões de operários mos-travam-se descontentes e as greves, que de início eram espontâneas, alar-garam-se a mais de cento e cinquenta grandes empresas.

 

Apesar de a polícia ter morto quarenta e cinco trabalhadores nos estaleiros desde 1970, ninguém queria um novo confronto, mas nesse dia, e enquanto o gerente e director dos estaleiros de Gdansk, Klemens Giech, prometia aumentos salariais aos que voltassem ao trabalho, Lech Walesa do cimo da escavadora gritava e chamava mentiroso a Giech.

 

A verdade é que o que numa primeira fase eram greves isoladas tor-nou-se em pouco tempo como verdadeiras "insurreições políticas contra-revolucionárias", segundo as palavras de Leónidas Brejnev. Walesa con-tra-atacou quando a 16 de Agosto vários trabalhadores estiveram prestes a abandonar a greve por um aumento salarial à volta de mil e quinhentos zulotes e uma garantia para construir nos estaleiros um monumento à memória das vítimas de Dezembro de 1970.

 

Muito entusiasmado, Walesa apresentou uma lista com dezasseis exigências e, quando estavam quase a ser aceites, apresentou uma outra com mais vinte e uma reivindicações, que incluía a aceitação por parte do governo de um sindicato livre. Nesse mesmo dia, cento e oitenta fábricas do país uniram-se em bloco à greve, apoiando todas as exigências feitas por Walesa.

 

Entretanto, no Vaticano, o papa João Paulo II recebia os relatórios elaborados pelos agentes da Santa Aliança e que monsenhor Luigi Poggi arquivava em belas pastas na presença do cardeal Agostino Casaroli. Poggi ordenara ao agente e sacerdote jesuíta polaco Kazimierz Przydatek que formasse um grupo de religiosos da sua própria nacionalidade para que se infiltrassem nos círculos grevistas e nos sindicatos. A partir desse momento, Przydatek tornou-se uma sombra de Walesa e no melhor espião do Vaticano sobre a situação polaca.

Segundo o papa, "Walesa foi enviado por Deus, pela Providência", e Poggi precisava de um contacto permanente junto do líder sindical. Todas as noites, o agente da Santa Aliança recolhia informações em primeira mão depois de conversar com trabalhadores e religiosos. Uma das suas melhores fontes era o padre Henryk Jankowski, da Igreja de Santa Brígida, a paróquia de Lech Walesa em Gdansk. O papa João Paulo II gostou de saber como vários trabalhadores do estaleiro tinham escalado as altas redes de arame, onde penduraram enormes fotografias do papa diante do aparato da polícia que vigiava as instalações. Przydatek sabia desde os tempos da sua colaboração com Paul Marcinkus o que gostavam de ouvir no Vaticano e estava disposto a fazê-lo. Kazimierz Przydatek inventou mesmo que os operários tinham desobedecido a uma ordem de parar e, depois de subirem às redes, arrancaram as imagens dos dirigentes polacos para as trocar pelas de João Paulo II. Claro que era mentira, mas o Sumo Pontífice ficou muito satisfeito com a história. 

 

O sindicato criado recentemente por Lech Walesa, com o nome de "Solidariedade", seria o objectivo seguinte da Santa Aliança.

 

Perante o receio de que o sindicato se convertesse em mais um refúgio de comunistas moderados, o papa ordenou a Poggi que os seus agentes se infiltrassem no "Solidariedade" e obrigassem de alguma forma os seus dirigentes a aceitar uma organização muito mais aberta em que estivessem representados dirigentes e intelectuais claramente católicos.

 

Przydatek convenceu Walesa a aceitar na direcção do sindicato Tadeusz Mazowiecki, chefe de redação do jornal Wiez, e o historiador católico Bro-nislaw Geremek. A partir desse momento, o movimento grevista passou a ficar sob o controlo da Igreja e em poucos dias a Santa Aliança informou Poggi de que o cardeal-primaz Wyszynski preparava uma homilia contra a greve e o governo de Varsóvia deu-lhe eco na televisão pública. Poggi transmitiu a Casaroli, mas o perito diplomático sabia que nada poderia dizer ao papa sobre o seu amigo e antigo protector.

 

 

O cardeal Wyszynski começou nesse dia a falar sobre os erros que todos cometem e que ninguém (referia-se aos grevistas) deveria incriminar o próximo (o governo comunista polaco). "Todos cometemos erros e pecados", disse o cardeal no púlpito do templo de Czestochova. A parte mais importante do discurso foi quando se referiu às exigências da parte dos grevistas: "Não podem exigir tudo de uma vez. É melhor estabelecer um programa. Ninguém deverá colocar o país em perigo", disse ele.

 

O discurso caiu como uma bomba. Os grevistas consideraram ser um claro apoio da Igreja para atrasar as reivindicações de um sindicato independente e os intelectuais católicos protestaram pelo discurso, mas mantiveram-se em silêncio. Por sua vez, Walesa não fez caso do que disse o arcebispo-primaz e o papa João Paulo II passou três dias a murmurar por entre dentes nos corredores de Castelgandolfo, dizendo a mesma frase: "Ah! Esse velho... esse velho".

 

A 31 de Agosto de 1980, seriam assinados os célebres "Acordos de Gdansk", que ratificavam a criação do primeiro sindicato independente para lá da Cortina de Ferro, enquanto o "Solidariedade", com o apoio político do Vaticano e do papa João Paulo II, e financeiro através da Santa Aliança, (1) começou a estender-se por todo o país. Poucos dias depois, Edward Gierek perdeu o poder e foi substituído por Stanislaw Kania.

 

A 29 de Outubro de 1980, reuniu-se em segredo e numa sessão extraordinária o Politburo da União Soviética. Andropov, Gorbachov, Kirilenko, Chemenko, Rusakov e todos os outros abordaram a situação da Polónia. "Creio, e os factos o demonstram, que os dirigentes polacos não entendem plenamente a gravidade da situação conhecida", afirmou Yuri Andropov, chefe do KGB. "A não ser que se imponha a lei marcial, as coisas podem complicar-se ainda mais. As nossas forças do Norte estão na plena disposição e bem preparadas para a luta", afirmou Ustinov, mas a mais radical das posições foi de Andrei Gromiko, ministro dos Negócios Estrangeiros, quando disse: "Não devemos perder a Polónia. A União Soviética perdeu seiscentos mil soldados para a libertar do jugo nazi. Não podemos permitir uma contra-revolução." E todos ficaram calados.

 

Ninguém desejava uma nova revolta húngara como a de 1956, nem uma "Primavera de Praga" como a de 1968. De facto, nos inícios de 1980, nenhum dirigente soviético queria ver os tanques russos avançar no solo de Varsóvia para reprimir uma contra-revolução.

 

Dois dias depois dessa reunião, João Paulo II e Agostino Casaroli tinham em seu poder, graças a um agente da Santa Aliança infiltrado no Ministério da Defesa da Polónia, tudo o que fora transmitido a Varsóvia a partir de Moscovo. Esse agente era de facto o coronel Ryszard Kuklinski, ajudante de campo do general Wojciech Jaruzelski.

 

 

A 20 de Janeiro de 1981, Ronald Reagan assumiu a presidência dos Estados Unidos, mas algumas semanas antes de prestar juramento no Capitólio tinham já sido estabelecidos alguns contactos estratégicos entre Washington e a Cidade do Vaticano, entre Ronald Reagan e o papa João Paulo II, entre William Casey, da CIA, e monsenhor Luigi Poggi, da Santa Aliança.

  Desde finais de 1980, os contactos entre os Estados Unidos e o Vaticano sobre a situação na Polónia foram estabelecidos entre Zbigniew Brzezinski, assessor da Segurança Nacional do presidente Cárter, e o cardeal Josef Tomko, chefe da Propaganda do Vaticano e antigo chefe da contra-espionagem, o Sodalitium Pianum. Tomko foi o chefe do S. P. até João Paulo II ter nomeado monsenhor Luigi Poggi como responsável dos serviços de inteligência do Vaticano, que ficaram assim ligados num único comando, ou seja, na situação que ainda se mantém.

Foram Tomko e Brzezinski que prepararam, com a autorização de Jimmy Cárter e de João Paulo II, a chamada "Operação Livro Aberto", que consistia em inundar de livros anticomunistas os países do Leste e as regiões da União Soviética como a Ucrânia e os estados bálticos. Esta operação seria coordenada pela CIA e a Santa Aliança através dos padres que trabalhavam nessas zonas.

 

Enquanto João Paulo II apoiava a "Operação Livro Aberto", Cárter limitava-se a fazer algumas objecções. Zbigniew Brzezinski escreveria anos depois nas suas memórias:

 

Era claro que João Paulo II é que devia ser eleito presidente dos Estados Unidos e Jimmy Cárter escolhido como Sumo Pontífice.

 

À medida que os acontecimentos ofereciam a maior possibilidade de as forças soviéticas entrarem na Polónia, a Santa Aliança resolveu compartilhar com a CIA a informação fornecida pelo coronel Kuklinski, que durante onze anos, como militar polaco e oficial do Estado-Maior, fornecera informações muito valiosas aos serviços secretos do Vaticano.

 

Com a nova administração a funcionar, o Vaticano tinha dois novos interlocutores para o problema da Polónia: Richard Allen, conselheiro da Segurança Nacional, e William Casey, director da CIA. As ligações de Kuklinski e da Santa Aliança e o Vaticano faziam com que a informação fosse muito importante do ponto de vista de análise estratégica. Zbigniew Brzezinski conservava a sua posição de elemento de ligação entre a Casa Branca e a Santa Aliança de Poggi.

 

 

O certo é que a visão que Ronald Reagan tinha da Igreja Católica e do Vaticano era muito diferente das anteriores administrações, mesmo da de John F. Kennedy, o único presidente católico dos Estados Unidos. Reagan era filho de um trabalhador católico irlandês e isso marcou-o muito. Um dos principais núcleos de votantes eram os católicos e sentia-se bastante apoiado por eles. Para Reagan e os seus assessores, a Igreja era o perfeito contraforte do comunismo. Tal como o papa João Paulo II, o presidente dos Estados Unidos considerava o marxismo, o leninismo e o comunismo como os sinais do mal que era preciso afastar do Mundo.

 

Era muito claro que o "Solidariedade" representava para Moscovo uma ameaça séria sem precedentes, talvez uma "infecção" que estava a contagiar um sistema monolítico como era o comunista e, se chegasse. A infectar os estados bálticos, poderia chegar a desfazer o bloco soviético.

 

João Paulo II e os principais assessores do Vaticano estavam bem convencidos de que se o sindicato "Solidariedade" triunfasse na Polónia a onda expansiva afectaria também a Ucrânia, os Balcãs, a Letónia, a Lituânia, a Estónia e talvez a Checoslováquia. Reagan entendeu que, se assim fosse, poderia pensar no fim da Guerra Fria e no triunfo do capitalismo sobre o comunismo.

 

Durante uma reunião do presidente Reagan com William Casey e William Clark, assessor presidencial, este declarou: "Não nos podemos ver a entrar no país e derrubar o governo em nome do povo. A única coisa que podemos fazer é utilizar o «Solidariedade» como arma para conseguir isso". Reagan resolveu então que o "Solidariedade" receberia ajuda financeira dos Estados Unidos. Casey não sabia de onde sairiam os fundos, mas isso seria resolvido no coração do Vaticano.

Como elo de ligação para as novas operações conjuntas da CIA com a Santa Aliança na Polónia foi nomeado Jan Nowak, chefe do congresso polaco-americano. A sua função era manter o fluxo constante de informações entre Varsóvia e o Vaticano e do Vaticano até Washington. Nowak também se ocuparia da recolha de fundos e do envio de dinheiro para a Polónia a fim de financiar a imprensa clandestina, a aquisição de máquinas tipográficas, a compra de fotocopiadoras e outro material.

 

Uma outra figura que teve um grande portagonismo na "Operação Polónia" foi o delegado apostólico do papa em Washington, o arcebispo Pio Laghi. Casey e Clark gostavam de visitar Laghi na sua residência e, enquanto tomavam café, falavam da situação política na América Central, do controlo da natalidade, mas sobretudo o tema principal era a Polónia. Ronald Reagan precisava de saber todos os aspectos da espionagem desenvolvida pela Santa Aliança na Polónia e nessa altura apareceu também em cena o cardeal John Krol, de Filadélfia.

 

 

Allen, Casey e o próprio Reagan começaram a reunir-se com Krol e o cardeal entrava mesmo pela porta traseira da Casa Branca. Mais do que nenhuma outra figura da Igreja, Krol esforçava-se por manter a Casa Branca sempre informada acerca da situação do "Solidariedade", das suas necessidades e das relações com o episcopado polaco21. Apesar de John Krol em muitos sentidos interferir nas operações e comunicações da Santa Aliança de monsenhor Luigi Poggi para o Vaticano e para o papa João Paulo II, a relação do arcebispo de Filadélfia com o presidente Ronald Reagan devia ser aproveitada e os próprios colaboradores de Reagan chamavam a John Krol o "Compincha do Papa". Na Primavera de 1981, as relações entre a Casa Branca e o Vaticano eram muito fluidas, em especial sobre as questões relacionadas com a Polónia e a América Central. Por isso mesmo, William Casey, Vernon Walters, William Clark e Zbigniew Brzezinski, pelo lado norte-americano, e monsenhor Luigi Poggi e os cardeais Pio Lagni, John Krol e Agostino Casaroli, pelo lado do Vaticano, tornaram-se numa espécie de força de choque, cujo único objectivo era apoiar o sindicato "Solidariedade" na sua luta particular contra o governo comunista de Varsóvia.

 

Sempre que Walters, o embaixador especial de Reagan, regressava de Roma, onde tinha encontros secretos com o papa João Paulo II, os seus relatórios eram mais abundantes. Walters falava com o papa acerca da Polónia, da América Central, do terrorismo, do Chile, do poder militar chinês, da Argentina, da teologia da libertação, ou da saúde de Leónidas Brejnev, das ambições nucleares do Paquistão, da Ucrânia ou da situação no Próximo Oriente. Mas o que de facto faziam João Paulo II e Vernon Walters era manter "contactos geoestratégicos".

 

Como contrapartida, a Santa Aliança recebeu da CIA relatórios baseados em comunicações telefónicas travadas entre padres e bispos da Nicarágua e El Salvador, que apoiavam a teologia da libertação e assim participavam activamente na oposição às forças apoiadas pelos Estados Unidos. Por ordem de William Casey, Oliver North e outros membros do Conselho de Segurança Nacional fizeram pagamentos secretos a padres da classe dirigente da América Central e leais ao papa e à Santa Aliança. Na verdade, não existe nenhum documento que demonstre que o papa João Paulo II ou qualquer outro alto dignitário do Vaticano aprovasse tais pagamentos, embora haja indícios de que Luigi Poggi devia saber.

 

A 23 de Abril de 1981, William Casey chegou a Roma. O objectivo da viagem era tratar da manutenção do apoio da CIA e da Santa Aliança ao "Solidariedade". O director da Agência sabia que a situação da Polónia era mais um processo evolutivo do que revolucionário e não havia a menor dúvida de que era necessário conseguir que se afastasse da órbita

 

 

soviética. O papa João Paulo II e Casaroli encontrar-se-iam por três vezes com o embaixador soviético em Roma e Casey seria informado de tudo o que tratavam.

 

Jaruzelski temia um autêntico desastre que passasse pela intervenção das tropas do Exército Vermelho em Varsóvia e que afastasse os homens do "Solidariedade", e nesse sentido solicitou ajuda ao cardeal Wyszyinski para que convencesse Walesa a suspender a greve geral. Quando Walesa e os outros dirigentes se recusaram, o cardeal pôs-se de joelhos diante dele, agarrou-o pelas calças e disse que não o soltaria enquanto não se comprometesse a suspender a greve.

 

A chantagem emocional funcionou e Walesa ordenou o fim da greve, permitindo ao general Jaruzelski comunicar a Moscovo que tinha a situação controlada. A 9 de Fevereiro de 1981, Jaruzelski foi nomeado primeiro-ministro da República Popular da Polónia e nesse dia o general foi investido no cargo depois de um golpe de Estado e da posterior demissão de Jozef Pinkowski.

  Conforme Luigi Poggi informou o papa, Jaruzelski era considerado como um duro e contrário a qualquer forma de liberalização da vida pública e sem dúvida alguma converter-se-ia no principal inimigo do "Solidariedade" e ainda das operações que a Santa Aliança estava a levar a cabo na Polónia.

Durante a reunião com o papa, William Casey falou da América Central, da possível extensão do comunismo em toda a área centro-ame-ricana, do treino de militares nicaraguanos e sandinistas por parte de Cuba. Segundo disse Casey a João Paulo II, "os russos, os cubanos, os búlgaros e os norte-coreanos estão comprometidos". Entregou ainda ao papa João Paulo II uma pasta com um relatório em cuja capa aparecia a indicação de "Alto Segredo". O Sumo Pontífice não a abriu, mas passou-a a monsenhor Luigi Poggi, que estava a seu lado e sempre presente nos encontros do Santo Padre com o director da CIA.

 

O relatório tinha sido entregue pelo serviço de espionagem italiano à CIA e esta por sua vez passou-o à Santa Aliança. Falava-se aí de que quando Lech Walesa viajou para Roma, em Janeiro, para visitar o papa se tinha também reunido com Luigi Scricciollo, da Confederação Italiana do Trabalho. A contra-espionagem italiana dizia no relatório que Scricciollo era de facto um agente dos serviços secretos búlgaros. Para os italianos isso significava que os planos do "Solidariedade" podiam ser conhecidos ou que Lech Walesa podia ser assassinado.

 

A 13 de Maio de 1981, nada fazia adivinhar a tragédia que se avizinhava. João Paulo II almoçou ao meio-dia com vários convidados e pelas cinco da tarde o papa dirigiu-se ao Palácio Apostólico para celebrar a audiência geral semanal na Praça de São Pedro, a qual começou com pontualidade. Milhares de pessoas apinhavam-se no círculo formado pela Colunata de Bernini: 264 colunas coroadas por 162 estátuas de santos.

 

O percurso que o "Papamóvel" devia realizar já estava delimitado, quando um jovem turco chegara à praça meia hora antes. O papa João Paulo II recusou levar escolta. Chegou ao veículo e num salto subiu para a plataforma. Seguiam-no de perto Camillo Cibin, chefe de Segurança do Vaticano, dois agentes de fato azul, dois agentes da Santa Aliança e à frente quatro membros do corpo da Guarda Suíça. Poggi tinha convocado Cibin meses antes para lhe dar a conhecer que receberam um relatório da espionagem francesa no qual se falava de uma trama de qualquer serviço secreto do Pacto de Varsóvia para tentar matar o Sumo Pontífice e que por isso os seus homens deviam estar atentos.

 

Às 5.18 da tarde, e quando o papa estava com uma menina ao colo, soou o primeiro tiro na praça de São Pedro. Com as mãos agarradas na barra do "Papamóvel", João Paulo II começou a cambalear. A bala disparada por Mehmet Ali Agca perfurou-lhe o estômago e causou graves ferimentos no intestino delgado, cólon e intestino grosso. Sem pestanejar, o papa João Paulo II, que sabia estar ferido pela dor insuportável no estômago, tentava com as mãos, mas sem o conseguir, deter o sangue que brotava pelo pequeno orifício.

 

Tinham passado apenas breves segundos e ouviu-se o segundo tiro, mas desta vez a bala feriu o papa na mão direita. O terceiro tiro disparado por Agca atingiu o papa mais acima, no braço. O condutor olhou para trás sem entender o que se passava, mas ao voltar-se Cibin estava já a agarrar a cabeça do papa, caído no banco, no meio de uma poça de sangue.

 

Cibin gritava aos agentes com as armas na mão que procurassem o atirador, que mergulhara na multidão. Agca corria e abria caminho de arma na mão, uma Browning automática de nove milímetros. Mas a certa altura sentiu que alguém lhe bateu nas pernas e o fez cair: era um agente da polícia italiana que estava num passeio da praça e o prendeu.

Estendido no chão, vários agentes papais pontapearam e bateram em Ali Agca antes de ele ser arrastado para uma carrinha celular, enquanto o "Papamóvel" se dirigia a toda a velocidade para a Porta de Bronze para colocar o papa numa ambulância. No meio dos gritos, o veículo abriu passagem até à Clínica Gemelli de Roma, a que ficava mais próximo do Vaticano.

 

Uma vez na zona cirúrgica do nono andar, foi rasgada a sotaina branca do papa João Paulo II e ficaram a descoberto uma medalha de ouro e uma cruz manchadas de sangue. Curiosamente, a medalha estava abaulada pelo impacte de uma das balas. Ao que parece, o projéctil ter-lhe-ia atingido o peito se não fosse essa medalha desviar a bala, que apenas lhe atingiu o indicador da mão direita.

 

Quando recuperou a vida depois de seis horas de intervenção cirúrgica, João Paulo II acreditava que tinha sido salvo pela Virgem de Fátima. Ao longo dos muitos meses de recuperação, o desejo de saber quem tinha dado a ordem para o assassinar converteu-se numa obsessão para João Paulo II.

 

Leu todos os relatórios da Santa Aliança que caíam nas suas mãos vindos da CIA, da BND alemã, do Mossad israelita, do serviço secreto austríaco ou da espionagem turca, mas nenhum deles respondia à sua pergunta. E nem sequer se inteirou de algo mais quando Mehmet Ali Agca foi presente à justiça de Roma na última semana de Julho de 1981 e condenado a prisão perpétua.

 

Segundo o escritor Gordon Thomas, no seu livro Gideorís Spies. The History of Mossad, seria monsenhor Luigi Poggi, chefe da Santa Aliança, quem lhe daria a resposta. Durante meses, o espião papal tivera estreitos contactos com Yizhak Hofi, o memuneh do Mossad. Poggi teve reuniões secretas em Viena, Varsóvia, Paris e Sófia. Em Novembro de 1983, monsenhor Luigi Poggi voltava de uma reunião em Viena e trazia consigo a resposta para a pergunta de João Paulo II. Quem tinha dado a ordem para o matar?

 

O seu motorista esperou durante horas no aeroporto pela chegada do avião que trazia Poggi da capital austríaca. Ao chegar à Porta dos Sinos, deram passagem ao veículo com matrícula vaticana, mas mesmo assim foi detido pelos elementos da Guarda Suíça para identificação do passageiro. Ao ver de quem se tratava, o soldado pôs-se em sentido e apresentou armas ao chefe da Santa Aliança.

 

O arcebispo trazia vestida uma gabardina preta e um cachecol que lhe cobria todo o rosto, mas notava-se que era um homem corpulento. E enquanto aquecia o corpo, recordava ainda a reunião secreta havida no bairro judeu de Viena. Era uma sala um tanto desarrumada, mas Poggi escutara atentamente um katsa chamado Eli responder à pergunta que João Paulo II fazia constantemente.

 

Poggi foi acompanhado por um mordomo até ao gabinete do papa. Os livros e os relatórios militares amontoavam-se nas estantes. O chefe da espionagem papal sabia que o atentado afectara muito o Santo Padre física e mentalmente. Depois de uma breve saudação, Poggi sentou-se com as mãos sobre os joelhos e num tom baixo começou a relatar a história que tinha ouvido na Áustria. Depois de 13 de Maio de 1981 não deixavam de chegar notícias ao quartel-general do Mossad em Telavive e o facto de todos os serviços secretos terem realizado as suas próprias investigações fez com que Hofi mantivesse o Mossad fora do assunto.

A investigação do serviço de espionagem israelita teve realmente início em 1982, por ordem de Nahum Admoni, que substituíra Yitzhak Hofi no comando do Mossad. Para os norte-americanos estava claro que Ali Agca tinha apertado o gatilho, mas a ordem partira do KGB, ao ver que o apoio expresso de João Paulo II e do seu serviço de espionagem ao sindicato "Solidariedade" podia acender o facho do nacionalismo polaco. Esta mesma versão é defendida pela escritora Claire Sterling no seu livro The Time ofthe Assassins. Para os israelitas, a conspiração tinha sido preparada em Teerão e ordenada pelo ayatola Khomeini: assassinar o papa era o primeiro passo para o ythad contra o Ocidente. Esta mesma versão defende-a o jornalista russo Eduard Kovaliov no seu livro Atentado en la plaza de San Pedro.

Antecipando-se ao fracasso de Agca, os serviços secretos iranianos pensaram apresentar o turco como um fanático solitário e nesse sentido se faria todo um relatório favorável.

 

Poggi relatou ao papa a história de Agca, que estava num relatório da Santa Aliança que entregou ao Sumo Pontífice dentro de uma pasta vermelha: "Mehmet Ali Agca nasceu na aldeia de Yesiltepe, a leste da Turquia. Com dezanove anos ligou-se aos «Lobos Cinzentos», um grupo terrorista pró-iraniano que era financiado por Teerão. Em Fevereiro de 1979, Agca assassinou o editor de um jornal célebre pela sua posição a favor do Ocidente. Poucos dias depois do assassínio, o jornal recebeu uma carta supostamente escrita por Agca, na qual se referia a João Paulo II como o comandante das Cruzadas e ameaçava matá-lo se ele (o papa) pisasse solo do Islão".

 

O papa fazia pequenas pausas no relato de Poggi para beber água e fazer-lhe perguntas concretas. Depois da Líbia, continuava o espião papal a relatar, Agca viajou para a Bulgária em Fevereiro de 1981 para se juntar aos agentes do serviço secreto búlgaro. William Casey estava tão furioso pelo facto de o KGB ter envolvido a CIA no atentado que ordenou criar uma "conexão búlgara" na tentativa de assassínio. Segundo ele, o KGB ordenou aos búlgaros que preparassem uma conspiração para liquidar o papa pela sua política em relação à Polónia e ao "Solidariedade".

 

A 23 de Dezembro de 1983, o papa João Paulo II pôde fazer a pergunta que não lhe saía da cabeça nos últimos dois anos directamente a Mehmet Ali Agca. O papa avançou sozinho até à cela T4 da prisão de Rebibbia. Ao vê-lo, Ali Agca ajoelhou-se e beijou com todo o respeito o anel do Pescador. Os dois homens sentaram-se e, quase roçando as suas cabeças, Agca começou a falar, quase a sussurrar, ao ouvido do papa e, enquanto escutava o que Agca dizia, o seu rosto tornava-se mais sério. Finalmente, o papa João Paulo II obteve a resposta para a sua pergunta.

 

Mais tarde o próprio espião do papa, monsenhor Poggi, explicava: "Ali Agca sabe coisas apenas até certo nível. Para lá desse nível não sabe nada. Se se tratou de uma conspiração, ela foi tramada por profissionais e estes não deixam vestígios. Nunca ninguém encontra nada."

 

A verdade é que desde esse dia 13 de Maio de 1981 se escreveram dezenas de livros e reportagens acerca de quem tentou matar o papa João Paulo II naquela tarde, na Praça de São Pedro. Foram procurados centenas de presumíveis culpados e dezenas de explicações dos motivos políticos para essa conjura. Foram acusados os iranianos pelo yihad, acusaram os soviéticos pela política papal na Polónia, a CIA pela ligação de Mehmet Ali Agca com um ex-agente colocado na Líbia, os búlgaros como títeres do KGB, mas ninguém sabe de fonte segura, nem sequer a Santa Aliança, quando passaram mais de vinte anos sobre o atentado na Praça de São Pedro, quem esteve por detrás do gatilho de Mehmet Ali Agca.

 

Poucos anos depois havia de se saber que, após o encontro de 23 de Dezembro de 1983 entre o Sumo Pontífice e Ali Agca na prisão de Rebibbia, João Paulo II ordenou a monsenhor Luigi Poggi, e portanto à Santa Aliança e ao Sodalitium Pianum, que cessasse qualquer inquérito a respeito do atentado. Como "ordem pontifícia", o espião papal assumiu o mais puro estilo vaticano, ou seja, colocando um véu escuro sobre o que se relacionasse com o "13 de Maio de 1981". A 24 de Dezembro de 1983, e enquanto o Vaticano se preparava para as festividades de Natal, dois agentes da Santa Aliança, escoltados por quatro membros da Guarda Suíça, transportaram em várias caixas, hermeticamente fechadas e seladas com o escudo pontifício, todos os documentos que diziam respeito ao atentado na Praça de São Pedro até ao Arquivo Secreto Vaticano, onde ainda dormem no esquecimento.

Entretanto, as pontas que ficaram por atar no caso IOR-Banco Ambro-siano-Calvi-Marcinkus estavam prestes a ser bem atadas. Michele Sindona, o banqueiro da Máfia, foi condenado a 13 de Junho de 1980 a vinte e cinco anos de prisão por um tribunal norte-americano, mas no entanto havia muito que dizer até ele ser assassinado, em 1986. E ainda há muito para dizer sobre os anos polacos.


(Eric Frattini -  "A santa aliança, cinco séculos de espionagem do Vaticano)


(1) - Segundo citação de Gianluigi Nuzzi - "Vaticano S.p.A.", o custo desta operação saldou-se por um rombo de mais de 100 milhões de dólares aos cofres do Vaticano:

Di fronte a questi scandali e all'emorragia finanziaria causata dalle truffaldine operazioni di Sindona-Calvi, l'astro di Marcinkus è destinato a inabissarsi. L'arcivescovo gode però della protezione incondizionata di Giovanni Paolo II. Protezione dovuta soprattutto ai fondi per oltre 100 milioni di dollari che il Vaticano inviò al sindacato polacco Solidarnosc.Infatti, è solo per le insistenze del segretario di Stato Agostino Casaroli che l'arcivescovo non viene promosso cardinale. Già nel 1980 sempre Casaroli, contravvenendo alle disposizioni di Wojtyla, aveva impedito che Marcinkus testimoniasse nel processo Sindona a favore del finanziere di Patti sei anni dopo il crac. Evitando così un'ulteriore figura alla già critica posizione nella quale si era ritrovata la Chiesa. L'azione di Andreatta accelera lo scontro tra l'arcivescovo di Cicero e Casaroli. Il segretario vuol mettere ala porta Marcinkus visti i danni d'immagine e finanziari cagionati. Wojtyla, per esempio, deve proclamare l'Anno Santo straordinario nel 1983 (già tenutosi nel 1975) pur di far lievitare le donazioni e rimpinguare le casse. Per portare a termine il piano Casaroli si deve muovere con calma, senza sbagliare una mossa. Impiegherà così molto più tempo del previsto: Marcinkus lascerà la banca vaticana solo nel 1989.

publicado às 22:24

 

"Esses tais são falsos apóstolos, operários desonestos, que se disfarçam em apóstolos de Cristo. E não é de estranhar, porque o próprio Satanás se disfarça em anjo de luz. Por isso, não é de admirar que os seus ministros se disfarcem em ministros da justiça. O seu fim, porém, será segundo as suas obras."
(2ª Carta aos Coríntios 11, 13-15)

O Istituto per le Opere di Religione (IOR), vulgarmente conhecido como "Banco Vaticano", é um dos organismos, juntamente com os seus serviços de espionagem, mais secretos de todos os departamentos papais. Atravessando as portas de Santa Ana e à direita da Colunata de Bernini, deixando a igreja de Santa Ana à direita e os pavilhões da Guarda Suíça à esquerda, encontra-se o edifício onde está instalado o IOR. O torreão foi construído por ordem do papa Nicolau V há quase seiscentos e cinquenta anos, como parte dos planos defensivos da Santa Sé. Apenas um pequeno piquete da Guarda Suíça protege ainda hoje a sua entrada de mármore e as suas portas de bronze hermeticamente fechadas e que apenas podem ser abertas a alguns escolhidos e ilustres membros da Cúria Romana.

O Banco Vaticano foi fonte de inúmeros escândalos e esteve envolvido na perda de milhões de dólares, falências bancárias, venda de armas a países em conflito, criação de sociedades fantasmas em paraísos fiscais, financiamento de golpes de Estado, lavagem de dinheiro da Máfia e "suicídios" misteriosos. O IOR conseguiu violar centenas de leis financeiras internacionais sem que nenhum dos seus dirigentes fosse julgado em qualquer tipo de tribunal terreno. Desde a sua fundação, o IOR não é um departamento oficial do Estado da Cidade do Vaticano. Existe como entidade, mas sem uma ligação clara com os assuntos eclesiásticos ou com outros organismos da Santa Sé, sendo o Sumo Pontífice o seu único órgão de controlo.

 

Ao contrário de outras instituições financeiras internacionais, o Banco Vaticano não é fiscalizado por uma agência interna ou externa, nem existem registos escritos das suas operações. Por exemplo, em 1996, o cardeal Edmundo Szoka, auditor interno da Santa Sé, informou vários investigadores de que ele tinha qualquer espécie de autoridade sobre o Banco Vaticano e acrescentou que desconhecia por completo as suas actuações ou o sistema de operar.

 

Em 1990, o Estado do Vaticano declarou um défice de 78 milhões de dólares, enquanto o Banco Vaticano "declarou" de forma extra-oficial ter lucros nesse ano que ultrapassavam os dez mil milhões de dólares.

 

Em 1967, o papa Paulo VI criou um gabinete de contabilidade geral a que o Vaticano chamou Prefeitura de Assuntos Económicos da Santa Sé. O Sumo Pontífice entregou a direcção a um seu amigo, o cardeal Egidio Vagnozzi, mas poucos meses depois ele foi demitido. Parece que Vagnozzi descobriu as estranhas relações entre o papa e o chamado "banqueiro da Máfia", Michele Sindona. Curiosamente, Egidio Vagnozzi foi impedido de falar sobre qualquer assunto relacionado com a Prefeitura por causa do famoso "Segredo Pontifício".

 

Aquele que era responsável pela direcção da Prefeitura descobriu que milhões de dólares de origem desconhecida eram depositados todas as semanas nos cofres do Banco Vaticano sem nenhum tipo de explicação e, com a mesma rapidez com que entrava, logo o dinheiro saía pela porta traseira para contas privadas em bancos suíços e para empresas do Grupo Sindona. Este dinheiro servia para financiar revoltas e golpes de Estado, como o que aconteceu na Grécia em Abril de 1967.

 

A loja Propaganda 2, intimamente ligada ao Vaticano e aos seus serviços secretos, concentrara toda a sua atenção nas eleições gregas que se aproximavam. O favorito era o líder da esquerda Andreas Papandreu, um inimigo político do monarca Constantino II, rei da Grécia e comandante-chefe dos seus exércitos. As sondagens demonstravam que Papandreu conseguiria o poder, enquanto o exército receava que entregasse o país aos comunistas. O coronel Papadopoulos garantiu que se tal acontecesse a Grécia seria arrastada para uma guerra civil.

 

Por volta de finais desse ano, o Continental Bank of Illinois, que pertencia a Sindona, fez uma transferência de quatro milhões de dólares para a Banca Privata Finanziaria, dentro da órbita vaticana. Quando o dinheiro foi recebido, o próprio Michele Sindona encarregou um agente da Santa Aliança de levantar esses fundos e entregá-los pessoalmente ao coronel Papadopoulos. O dinheiro foi depositado numa conta-corrente em nome da imobiliária Helleniki Tecniki, controlada pelo exército grego e avalizada pelo próprio Banco Central da Grécia.

 

A Santa Aliança, em associação com Michele Sindona, Licio Gelli e a loja Propaganda 2, decidiu financiar o golpe de Estado para evitar a chegada da esquerda ao poder. Os investigadores não estão de acordo se os serviços secretos do Vaticano foram um simples instrumento de Gelli e Sindona ou se a Santa Aliança foi realmente quem elaborou a chamada "Operação Tatoi" e Licio Gelli e Michele Sindona foram somente as fontes de financiamento.

 

A verdade é que, a 21 de Abril de 1967, um grupo de coronéis realizou um golpe de Estado e decretou a entrada em vigor da lei marcial, a Constituição foi suspensa e foi desencadeada uma violenta repressão contra os movimentos democráticos e em especial contra os sindicatos e as organizações comunistas. O líder socialista Andreas Papandreu foi condenado a nove anos de prisão.

 

Em Dezembro do mesmo ano, o rei Constantino tentou derrubar a Junta, mas fracassou e teve de se exilar em Roma com toda a família. Os militares nomearam o general Zoitakis como presidente e Papadopoulos como primeiro-ministro. O regime dos "coronéis", como foi conhecido, continuou a receber a ajuda dos Estados Unidos, da loja maçónica P-2 e de grandes empresários gregos - Aristóteles Onassis e Stavros Niarchos.

 

Devido ao êxito obtido na Grécia, Michele Sindona, com a ajuda dos fundos vaticanos, através da rede montada por ele mesmo para o IOR, e de alguns agentes "livres" da Santa Aliança, decidiu financiar os grupos de extrema-direita. Poucos anos depois, começou a aparecer em cena esse misterioso Paul Casimir Marcinkus, um homem que estava ligado aos serviços secretos do Vaticano.

 

Nascido nos arredores de Chicago em 1922, fez os seus estudos religiosos nos Estados Unidos e mais tarde mudou-se para Roma, onde ingressou na Universidade Gregoriana e se formou em Direito Canónico. Em 1952, Marcinkus entrou na Secretaria de Estado e foi colocado nas nunciaturas do Canadá e da Bolívia para se tornar chefe de segurança do papa Paulo VI. Foi neste período na Secretaria de Estado que Marcinkus estabeleceu estreitas relações com os serviços secretos do Vaticano e com importantes elementos da Santa Aliança, que anos mais tarde lhe hão-de prestar valiosa ajuda. Um desses agentes implicados no futuro escândalo do Banco Ambrosiano foi o jesuíta polaco Kazimierz Przydatek.

 

Em 1969, Marcinkus foi consagrado bispo pelo papa Paulo VI e na manhã seguinte "consagrado" também secretário do Banco Vaticano. Dois anos depois, e de forma surpreendente, o papa Paulo VI premiou a fidelidade de Paul Marcinkus ao nomeá-lo como responsável máximo do IOR, dando assim início a uma fulgurante carreira financeira. O seu círculo mais íntimo era formado por Michele Sindona, Roberto Calvi, Umberto Ortolani e Licio Gelli, todos eles relacionados com a Máfia (a família Gambino), a loja maçónica Propaganda 2 e as finanças do Vaticano.

 

Marcinkus utilizou a Santa Aliança em proveito próprio como fonte de informação. Um relatório do serviço secreto do Vaticano, em poder de Paul Marcinkus, demonstrava que Sindona tinha criado, certamente com fundos da Santa Sé, uma holding no Liechenstein chamada Fasco AG e que através dela adquirira em Milão a Banca Privada Finanziaria (BPF). O que esse relatório não esclarecia era que com uma parte dos lucros de tal compra ele criou a Casa delia Madonnina. O então cardeal Montini, arcebispo de Milão, precisava de fundos e Sindona ofereceu-lhos. No total, dois milhões e meio de dólares foram para os cofres do arcebispado para financiar a instituição religiosa.

 

Marcinkus saberia anos depois que esse dinheiro não procedia dos lucros da aquisição da BPF, mas da lavagem de dinheiro sujo oriundo da Máfia siciliana, principalmente do tráfico internacional de heroína. A partir daí, e por intermédio do cardeal Montini, Sindona pôde criar uma importante carteira de clientes que ele próprio assessorava em assuntos relativos a impostos, a investimentos e até a evasão fiscal.

 

Assim, pouco a pouco, os negócios do Banco Vaticano e dos seus "assessores" começaram a ser cada vez mais perigosos, colocando em graves dificuldade não só as várias instituições financeiras, mas também os sistemas económicos do próprio Vaticano e da Itália. Um relatório da CIA desses anos, e que caiu em poder da Santa Aliança, pormenorizava as extensas relações do banqueiro de Paulo VI com a família Gambino, dos Estados Unidos, e com as famílias Inzerillo e Spatola, da Sicília. O dossier com cerca de vinte páginas explicava bem as ligações de Cario Gambino com as famílias Colombo, Bonanno, Lucchese e Genovese, todas elas envolvidas na manipulação, tráfico e venda de heroína, cocaína e marijuana. O relatório dizia ainda que Sindona depositava parte dos lucros da droga, prostituição, fraude bancária, pornografia e usura em contas bancárias secretas na Suíça, Liechenstein e Beirute. A verdade é que Michele Sindona não era apenas o assessor financeiro do papa Paulo VI e do Vaticano, mas era também de famílias mafiosas. Mas foi Marcinkus, ao que parece, quem ordenara a destruição do relatório sobre o banqueiro que a Santa Aliança recebeu da CIA. Anos depois, o responsável do IOR recordaria isso mesmo ao próprio Sindona pouco antes da sua queda.

 

Entretanto, começava a enfraquecer a saúde do grande protector das escuras manobras financeiras do Vaticano, situação que tem a sua origem quando Paulo VI é operado à próstata em 1968, aos setenta e um anos. Em 1978, o Sumo Pontífice foi muito afectado por dois acontecimentos que marcariam os seus últimos meses de vida: o sequestro e assassínio do líder da democracia-cristã Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas e a aprovação da lei do aborto em Itália.

 

No sábado 5 de Agosto, depois de jantar, rezou o rosário na sua capela privada e, antes de se deitar, assinou vários documentos segundo parece relacionados com assuntos do Banco Vaticano. Na manhã seguinte, 6 de Agosto, não pôde celebrar missa, devido ao estado em que estava, e à tarde a sua saúde agravou-se. Os médicos do Vaticano diagnosticaram um grave edema pulmonar e pouco depois já não respondia aos cuidados médicos acabando por falecer.

 

A partir desse momento, a máquina do Vaticano pôs-se em marcha para ser escolhido um novo papa. As conspirações palacianas estavam preparadas para a convocatória do novo conclave, no qual se devia eleger o sucessor do Sumo Pontífice falecido.

 

Os departamentos do Banco Vaticano começaram a queimar muitos documentos para atenuar uma possível investigação face à chegada de um papa mais liberal e dado que a pessoas como Marcinkus, Gelli, Calvi e Sindona não lhes seria muito fácil explicar ao novo papa muitos desses actos financeiros realizados em nome do Vaticano, do papa e de Deus.

 

A 10 de Agosto, o cardeal Albino Luciani, patriarca de Veneza, decidiu partir para Roma com o propósito de participar no conclave que deveria escolher o sucessor de Paulo VI, mas a verdade é que o seu nome não figurava sequer entre os favoritos e, portanto, manteve-se tranquilo na sua cela número 60.

 

Em apenas nove horas de votações, cento e dez cardeais chegaram a acordo por aclamação sobre a pessoa que devia assumir o ministério papal. Foi nas reuniões anteriores ao conclave que o cardeal Giovanni Benelli comentou na presença dos surpreendidos cardeais Albino Luciani, Stefan Wyszynski, primaz da Polónia, e Laszlo Lekai, primaz da Hungria, que o próximo papa se defrontaria com sérias dificuldades ao chegar ao trono de São Pedro devido à situação económica e financeira da Igreja. Benelli disse aos três cardeais que estavam à sua volta que a situação "não apenas é crítica, como está prestes a rebentar".

 

O cardeal camarlengo, Jean Villot, que estava perto, escutou as advertências do cardeal Benelli e pediu silêncio. De imediato chamou o prefeito dos Assuntos Económicos do Vaticano, que era o cardeal Egidio Vagnozzi, e pediu-lhe que com a ajuda da Santa Aliança preparasse um relatório sobre a situação "tão crítica" a que o cardeal Benelli se referia.

 

Vagnozzi sabia até onde podia chegar com a sua investigação, mas que nunca chegaria a conhecer os fundos escuros do IOR dirigido por monsenhor Paul Marcinkus e os tentáculos por ele estabelecidos sob o manto protector de Paulo VI. Misteriosamente, o cardeal Pietro Palazzini avisou a Santa Aliança e a contra-espionagem, o Sodalitium Pianum, de que deviam prestar toda a sua ajuda a Vagnozzi, mas o problema residia no facto de muitos agentes da Santa Aliança fazerem trabalhos especiais para Marcinkus e, portanto, ele foi informado dos movimentos de Benelli e de Palazzini.

 

Paul Marcinkus e Michele Sindona tinham sido tranquilizados pelo próprio cardeal Villot sobre a quase segura eleição do cardeal Giuseppe Siri, de Florença, homem conservador e de majestosa figura. Marcinkus sabia que, se Siri fosse eleito, o IOR não seria sujeito, pois, a incómodas investigações, porque ao fim e ao cabo o cardeal Giuseppe Siri não tinha boas relações com os cardeais Benelli e Palazzini.

 

Um dos mais firmes defensores da abertura do inquérito ao IOR foi o cardeal Sérgio Pignedoli. Meses antes de se iniciar o conclave, Pignedoli falou, talvez demasiado abertamente, a outros cardeais sobre a necessidade de investigar o destino de milhões de dólares procedentes do Vaticano. O cardeal teve uma reunião secreta com os cardeais Benelli, Palazzini e Vagnozzi, em que lhes exprimiu a sua preocupação acerca dos constantes rumores que circulavam a respeito do IOR e certas operações efectuadas com o ditador nicaraguano Anastasio Somoza.

 

Durante o conclave, o cardeal Franjo Seper revelara ao ainda cardeal Luciani que certas forças obscuras dentro do Vaticano tinham afastado o "perigoso" cardeal Pignedoli da corrida ao pontificado. O cardeal jugoslavo garantiria a Luciani que durante a ceia alguém aludiu em voz baixa e só para quem estava ao lado os rumores sobre a condição sexual de Sérgio Pignedoli durante o seu apostolado entre a juventude "e por isso às vezes o seu apartamento ficava cheio de sacos de dormir quando não lhes encontrava outro alojamento".

 

O certo é que esse rumor era apenas um pretexto infundado para acabar com as possibilidades de Pignedoli entre os conclavistas, e isso foi conseguido. Seper garantiu que o cardeal responsável pelo boato tinha sido expulso do conclave, mas já o mal estava feito. Segundo parece, ele trabalhou durante anos no Banco Vaticano até ser transferido para outro lugar. As "forças obscuras", como as definia o próprio Albino Luciani, conseguiram afastar assim um candidato incómodo para o IOR e para Paul Marcinkus.

 

No sábado, 26 de Agosto de 1978, a primeira votação foi encarada como um ensaio, mas nela surgiu um claro domínio do cardeal Giuseppe Siri, que não conseguiu os dois terços necessários, setenta e cinco votos, e teve assim de se proceder a uma segunda votação, em que Luciani obteve cinquenta votos e Pignedoli vinte.

Após uma breve pausa, os conclavistas voltaram à Capela Sistina para se realizarem as duas votações da tarde. A primeira delas foi às quatro e o cardeal Bafile leu o nome do cardeal Albino Luciani por mais de setenta e cinco vezes. Logo a seguir, os influentes cardeais Villot, pelos bispos, Siri, pelos presbíteros, e Felici, pelos diáconos, aproximaram-se de Luciani para lhe pedir que aceitasse o seu destino. Depois de pronunciar a palavra "Aceito", o cardeal Jean Villot perguntou: "Como vos desejais chamar, Santo Padre?" E Luciani respondeu: "João Paulo". "Sereis João Paulo I", replicou o cardeal Felici sem saber o lapso que acabava de cometer. O papa que inaugura uma dinastia de nomes não se distingue por um ordinal até chegar o segundo pontífice que utilize esse nome. As palavras que de seguida o novo papa proferiu seriam quase premonitórias: "Seja João Paulo primeiro, já que o segundo chegará em breve", disse o ex-cardeal Albino Luciani. 

  Enquanto os jornais como Ubsservatore Romano publicavam a notícia na primeira página da eleição do novo papa João Paulo I, a revista The Economist inseria no interior as estranhas operações feitas por financeiros ao serviço da banca do Vaticano.
No entanto, quando soube da notícia, Paul Marcinkus avisou logo os sócios do IOR e Roberto Calvi, que se encontrava em Buenos Aires. Aconselhou-os a não esquecer que o novo papa era muito diferente de Paulo VI e acabou por lhes recomendar que transferissem todos os fundos da banca internacional para um país mais seguro, por exemplo, Bahamas ou Suíça.
Mas nos corredores vaticanos corriam rumores e especulações sobre as actuações dos responsáveis máximos do IOR, que negavam ter-se reunido alguma vez com figuras como Michele Sindona ou Roberto Calvi. Uns dias depois da nomeação do cardeal Bernardin Gantin como presidente do Conselho Pontifício Cor Unun, o próprio papa encontrou no seu gabinete uma cópia do relatório da Repartição Italiana de Controlo Bolsista, a UIC. Alguém tinha decidido deixar a primeira pista a João Paulo I sobre os escuros negócios que o IOR estava a realizar .
O relatório, assinado pelo ministro do Comércio Externo, Rinaldo Ossola, declarava que o Banco Vaticano era uma instituição financeira não-residente, isto é, "estrangeira" e inviolável.
O ministro Ossola estava incomodado pelos abusos no tráfico de moeda, que tinha provocado a saída de grande quantidade de divisas de Itália, deixando a lira numa situação perigosa. Ossola julgava saber que no Vaticano ou próximo dele essa operação era dirigida pelo próprio IOR.
Conta-se a história de que sempre que o papa, quando ainda era cardeal, pedia uma explicação sobre os rumores da situação financeira do IOR, o papa Paulo VI mandava Marcinkus fazer-lhe a mesma pergunta: "Sua Eminência, não tem hoje mais que fazer? Deve fazer o seu trabalho que eu faço o meu", respondia o responsável pelas finanças do Vaticano ao patriarca de Veneza.
João Paulo I, depois de ler o documento, pediu uma reunião secreta com os cardeais Benelli e Felici, a quem exigiu que lhe explicassem tudo o que souberam nos últimos anos acerca da investigação levada a cabo pelo Banco de Itália ao Banco Ambrosiano.
Durante várias noites, Benelli pôde relatar ao Sumo Pontífice as relações do IOR com Licio Gelli, a loja Propaganda 2, Michele Sindona e Roberto Calvi e as conexões deste com o IOR e Paul Marcinkus. Parece que Benelli era informado de cada passo do inquérito através de uma fonte secreta, uma "garganta funda" no Banco de Itália, mas monsenhor Felici por sua vez era informado por uma fonte dentro da Santa Aliança.
Esta última fonte foi aquela que informou o cardeal Benelli sobre a investigação que estava a ser realizada contra o império de Roberto Calvi e que em Setembro de 1978 atingiria a máxima tensão. O agente da Santa Aliança que informava Benelli era um padre por ela infiltrado no IOR de Marcinkus, chamado Giovanni DaNicola. Licenciado em Ciências Económicas e perito na criação de sociedades bolsistas e sociedades em paraísos fiscais, o padre DaNicola não tivera dificuldades em infiltrar-se no IOR. Os seus serviços eram muito solicitados por aqueles em que o Banco Vaticano era proprietário de sociedades: Bahamas, Ilhas Caimão, Luxemburgo, Mónaco, Genebra e Liechtenstein. DaNicola tinha revelado ao cardeal Benelli que o Banco de Itália estava a investigar as ligações do Vaticano com as sociedades de Calvi e os próprios inspectores tinham já provas suficientes para o prender. Na lista dos investigados constavam Paul Marcinkus, responsável pelo IOR, Luigi Mennini, secretário-inspector do IOR, e Pellegrino de Strobel, chefe contabilista do Banco Vaticano.
Mas não era só o cardeal Benelli quem dispunha do acesso a essa informação; dentro do próprio Banco de Itália, os membros da loja P-2 informavam Licio Gelli na Argentina e ele por sua vez informava Roberto Calvi e Umberto Ortolani, maçónico e "Cavaleiro de Sua Santidade", nomeado pelo próprio papa Paulo VI. Ao mesmo tempo, certos membros da P-2 colocados na Magistratura de Milão informaram Gelli de que a investigação sobre o Banco Ambrosiano estava concluída e que o amplo e volumoso processo seria entregue ao juiz Emilio Alessandrini. Nesse relatório, segundo disse o padre DaNicola, da Santa Aliança, tinha sido incluída uma reportagem publicada em  o Osservatore Politico (OP) e assinada por um jornalista chamado Mino Pecorelli. A reportagem tinha o título de "A Grande Loja Vaticana" e no texto fazia-se referência, com os seus nomes e apelidos, a cento vinte e um membros do Vaticano que pertenciam a diferentes lojas maçónicas. Cardeais, bispos, prelados e oficiais da Santa Sé apareciam numa lista que acabava com o nome de Licio Gelli, grão-mestre da Propaganda 2. Segundo descobriu a Santa Aliança, Pecorelli era um activo membro da loja da qual, desencantado, se dedicava então a limpar as nódoas negras, embora estas manchassem o próprio Vaticano.
A 12 de Setembro, o padre Giovanni DaNicola apresentou de modo formal e pessoalmente a lista ao Sumo Pontífice. João Paulo I viu nela os nomes do cardeal Jean Villot, de monsenhor Agostino Casaroli, do cardeal-vigário de Roma, Ugo Poletti, do cardeal Sebastiano Baggio, do bispo Paul Marcinkus ou de monsenhor Donato de Bonis, do Banco Vaticano.
O papa perguntou a Felici e a Benelli se aquela lista era verdadeira e os dois religiosos confirmaram que uma lista semelhante tinha circulado na sede da contra-espionagem, o Sodalitium Pianum, já em 1976.
Roberto Calvi acreditava que o papa João Paulo I desejava vingar-se dele por causa do assalto que o seu próprio grupo tinha feito à Banca Cattolica dei Veneto. Mas o que os seus sócios no IOR não sabiam era que Calvi conseguira desviar cerca de quatrocentos milhões de dólares e depositá-los em contas secretas em diversos bancos da América Latina. Gelli disse a Calvi que, segundo as suas fontes, o papa João Paulo I queria renovar as finanças do Vaticano e que se fizesse isso seria descoberto o desvio continuado de fundos, as empresas em paraísos fiscais, a lavagem do dinheiro procedente da Máfia e muitas outras coisas.
Licio Gelli garantiu a Roberto Calvi que o "problema" devia ser resolvido. Calvi não soube nunca se o chefe da Propaganda 2 se referia ao responsável do Banco Ambrosiano ou ao papa João Paulo I.
Na manhã de domingo, 17 de Setembro, e após um ligeiro pequeno almoço, o Sumo Pontífice chamou o padre DaNicola para lhe entregar o relatório redigido pela Santa Aliança sobre o processo da crise das finanças do Vaticano e que se designou por "IOR-Banco Vaticano. Situação e Processo", classificado de "Alto Segredo" e "Sob Segredo Pontifício". O relatório, redigido à mão por um agente da Santa Aliança, começava por afirmar que "o papa João XXIII tinha deixado ao seu sucessor alguns fundos de reserva procedentes do óbolo de São Pedro e administrados pelo IOR. A quantia ascendia a cinquenta mil milhões de liras". Naquela altura, a Administração de Bens era dirigida pelo cardeal Gustavo Testa e o IOR por monsenhor Alberto Di Jorio. "Paulo VI chegou a preparar um decreto para unir todas as administrações, mas misteriosamente no último momento não foi levado a cabo", dizia o relatório. "Eu creio (o agente da Santa Aliança que redigiu o relatório) que a presença de Michele Sindona nos nossos interesses financeiros e a sua ligação com Lido Gelli teve muito a ver com a retirada desse decreto".
A análise do serviço de espionagem papal referia-se também "a uma figura sinistra chamada Umberto Ortolani, que era um bolonhês amigo íntimo do cardeal Giacomo Lercaro e do cardeal Joseph Fríngs".
O Sodalitium Pianum era o departamento de espionagem pontifício que melhor informação tinha sobre Ortolani. Segundo o relatório do S. R, Ortolani era um bolonhês baixo, de aspecto redondo, que trazia sempre um grosso cordão de ouro no colete. As suas operações eram dirigidas a partir da sua faustosa vivenda de Grottaferrata, onde se instalaram por várias vezes os cardeais Lercaro e Frings. "Umberto Ortolani dedica-se a recuperar empresas em crise e, depois de estarem saneadas, liberta-se delas e vende-as pelo melhor preço", dizia-se no relatório. Num anexo especial indicava-se ainda que Ortolani tinha ingressado na Ordem de Malta e iniciou-se depois na loja P-2 de Licio Gelli.
Desde Janeiro do ano anterior (1977), a Santa Aliança conhecia a "Lista dos 500". Nessa mesma data, Mário Barone, antigo companheiro universitário de Michele Sindona, revelou a existência da célebre lista com os nomes de meio milhar de empresários, políticos, financeiros, membros da Cúria Romana, industriais e mafiosos que utilizaram os bancos de Sindona para fazer sair de Itália grandes somas de capitais. Barone prometeu entregar a lista às autoridades em troca da imunidade, mas quando abriu o cofre de segurança da Banca Privata, onde devia estar depositada essa lista, ele estava vazio. O que não se sabe é como o serviço de espionagem papal pôde ficar com uma cópia.
A 23 de Setembro, o papa João Paulo I já quase que tinha nas suas mãos a totalidade da investigação sobre o "Vaticano S.A.". Nessa mesma tarde, e após uma reunião com os responsáveis da Santa Aliança, o chefe dos espiões papais informou o Sumo Pontífice sobre outra obscura figura que se movimentava entre as finanças do Vaticano, o eslovaco monsenhor Pavel Hnilica. Alguns indicavam que era este membro da Cúria que informava a partir do IOR os agentes da Santa Aliança, mas esta versão nunca pôde ser confirmada.
Um outro relatório nas mãos do agente da Santa Aliança padre Gio-vanni DaNicola, e depois em poder de João Paulo I, dava uma outra informação que lhe tinha passado a sua própria fonte. Segundo parece, os inspectores do Banco de Itália passaram a investigar o Ambrosiano após uma denúncia anónima (Luigi Cavallo, um mafioso de pouca importância amigo de Michele Sindona) a 21 de Novembro de 1977. Era evidente que a presa era Roberto Calvi e pouco a pouco as autoridades fiscais começaram a desmontar a sua emaranhada organização.
Calvi tinha interesses financeiros no Peru e na Nicarágua, em Porto Rico e nas Ilhas Caimão, no Canadá, na Bélgica e nos Estados Unidos, mas de facto o ponto fraco do financeiro eram as sociedades Suprafin e Ultrafin. Tanto a Calvi como a Sindona não lhes interessava que se soubesse a verdade sobre essas empresas e a sua única tábua de salvação era mesmo Paul Marcinkus. Quando os inspectores italianos começaram a decifrar as ligações das suas sociedades e movimentos financeiros, apareceu Cario Oligati, administrador-geral do Ambrosiano, a declarar que a Suprafin era mesmo propriedade do Vaticano e portanto "intocável". Marcinkus apenas teve de abanar a cabeça para espantar as autoridades italianas.
O último dia de vida de João Paulo I foi uma jornada normal de trabalho. Esse 28 de Setembro de 1978 começou com uma oração na sua capela privada, um pequeno-almoço frugal, enquanto escutava as notícias da RAI, e um primeiro contacto com os seus secretários John Magee e Diego Lorenzi.
Às nove da manhã começaram as audiências. João Paulo I recebeu o cardeal Bernardin Gantin e o padre Riedmatten, ambos responsáveis por todas as obras de ajuda em matéria social. Por volta das duas horas da tarde, o Sumo Pontífice retirou-se para almoçar com um pequeno grupo que costumava acompanhá-lo. Nesse dia sentaram-se à mesa o cardeal Jean Villot e os padres Lorenzi e Magee e a seguir deram todos um longo passeio de cerca de uma hora pelos jardins do Vaticano.
No começo da tarde, o papa, acompanhado por dois membros da sua escolta e seguido por dois agentes da Santa Aliança, dedicou-se a espiolhar alguns papéis e cartas pessoais às quais devia responder. Ao entardecer passou largas horas com o cardeal secretário de Estado, Jean Villot, a despachar assuntos da Santa Sé. Falou ainda pelo telefone com os cardeais Giovanni Colombo, arcebispo de Milão, e Benelli.
As oito da tarde, retirou-se para rezar o terço em companhia de duas freiras e dos seus dois secretários. Depois, foi servida a ceia à base de sopa de peixe, feijão verde, queijo fresco e fruta. Por volta das nove, e como era seu hábito, sentou-se à frente do televisor para ver o noticiário. Logo a seguir, o papa retirou-se para o seu quarto e pediu a soror Vincenza que lhe levasse um jarro com água para colocar na sua mesinha. Às nove e meia da noite, João Paulo I fechou a porta do seu quarto, pronunciando as suas últimas palavras.
Antes de adormecer, João Paulo I tinha o costume de ler um pouco na cama e para isso mandou colocar uma pequena lâmpada na mesa situada ao lado. A escolta de agentes da Santa Aliança que seguiam o papa foi retirada por ordem de um superior não identificado, conforme informou na manhã seguinte o padre Giovanni DaNicola ao cardeal Benelli.
O Sumo Pontífice morria de "morte natural" ou "assassinado" entre as nove e meia da noite de 28 de Setembro e as quatro e meia da madrugada do dia 29.
Existem duas versões sobre quem descobriu o cadáver. A oficial, ou seja, a do Vaticano, é a de que o primeiro a entrar no quarto do papa morto foi o secretário John Magee. A extra-oficial e verdadeira é a de que a primeira pessoa a entrar no quarto por ele não responder à sua chamada foi soror Vincenza Taffarell e ali descobriu o corpo do papa João Paulo I.
As 5.40, como todas as manhãs, soror Vincenza bateu à porta com os dedos para acordar o Santo Padre. Chamou nervosamente, sem obter uma resposta. Ao entrar, encontrou a luz acesa na mesinha e o corpo de João Paulo I imóvel. Estava morto. Saiu rapidamente do quarto e a pesada máquina vaticana foi logo posta em movimento. A ajudante do papa avisou o padre John Magee e este avisou o cardeal secretário de Estado, Jean Villot, e o decano do Sacro Colégio Cardinalício, o cardeal Cario Confalonieri. Villot avisou o médico do papa, Renato Buzzonetti. No interior do quarto a confusão era total. O diagnóstico do médico papal foi certificar a morte de João Paulo I ocorrida por volta das onze e meia da noite de 28 de Setembro por um enfarte agudo do miocárdio. Às sete e meia da manhã, a agência noticiosa ANSA dava a notícia da morte do Sumo Pontífice.
A comissão cardinalícia criada para investigar a morte de João Paulo I, dirigida pelos cardeais Silvio Oddi e António Samore, acabou por concluir que se tratou de uma "morte natural por enfarte", mas muitas perguntas ficaram sem resposta quando o papa João Paulo II ordenou a classificação de "Segredo Pontifício" para o processo de inquérito. Ainda hoje esse relatório permanece, como muitos outros, num obscuro recanto do Arquivo Secreto do Vaticano.
Por que se disse que o papa sofria do coração quando o seu médico de toda a vida, doutor António Da Ros, recusou tal afirmação? Por que não foi avisado o doutor Da Ros se o seu secretário John Magee disse que o papa se tinha queixado várias vezes durante o dia de que lhe doía o peito? Por que se disse que o papa apenas tomava vitaminas, quando realmente e por prescrição do doutor Buzzonetti lhe tinham sido receitadas injecções para estimular a glândula que segrega a adrenalina? Por que não se disse que foram receitadas a João Paulo I injecções para minorar o problema da baixa pressão sanguínea? Por que é que a cafeteira de café que todas as manhãs soror Vincenza lhe levava estava intacta quando se descobriu o corpo do papa e desapareceu pouco depois sem deixar o menor rasto? Porquê e quem ordenou a retirada da vigilância ao papa João Paulo I dos agentes da Santa Aliança? Por que é que quando Hans Roggan, oficial da Guarda Suíça, comunicou a Paul Marcinkus a morte do Sumo Pontífice ele não mostrou nenhuma estranheza, segundo o testemunho do próprio Roggan? Por que é que se disse que não se tinha feito nenhuma autópsia ao cadáver do papa, quando na verdade se fizeram três? Por que é que se não tornaram públicos os resultados de nenhuma das três autópsias? Por que foi ordenado à Santa Aliança que não abrisse qualquer inquérito por parte dos serviços secretos papais? Sim, todas estas perguntas e muitas outras ficariam sem resposta.
O padre Giovanni DaNicola, que informava o Sumo Pontífice sobre os maus investimentos financeiros realizados por Paul Marcinkus e os seus sócios através do IOR, sabia que depois da morte de João Paulo I tinha os seus dias contados. O espião pediu protecção ao cardeal Benelli, mas por um ou por outro motivo essa protecção não foi dada. Benelli conseguira que a Santa Sé, através da Secretaria de Estado, transferisse DaNicola para a nunciatura no Canadá, mas a confirmação da mudança de destino do espião papal nunca chegou.
Quatro dias após a morte de João Paulo I, e enquanto o Mundo se recompunha da surpresa, o espião da Santa Aliança apareceu enforcado num solitário parque de Roma muito concorrido por travestis e prostitutas em busca de clientes. Apesar de a polícia italiana ter arquivado o caso depois de considerar que se tratou de suicídio, ninguém quis investigar as estranhas marcas que DaNicola tinha nos braços e no corpo, como se tivesse lutado com alguém. A autópsia revelava que Giovanni DaNicola tinha o pescoço partido, ao que parece provocado por uma forte pancada na nuca e não pelo efeito do peso do corpo ao cair em seco com a corda amarrada ao pescoço. Era evidente que aquele que sem dúvida mais sabia dos segredos do IOR e de Paul Marcinkus fora assassinado. Ninguém fez perguntas, nem sequer os chefes da espionagem e da contra-espionagem do Estado do Vaticano.
A misteriosa morte de João Paulo I fez novamente reunir-se o conclave para escolher o sucessor. A 14 de Outubro de 1978, às quatro e meia da tarde, cento e onze cardeais entraram no conclave de onde devia sair o novo sucessor de Pedro. Na Capela Sistina, os cardeais ouviram em silêncio as estritas normas do conclave. O cardeal Wojtyla estava muito tranquilo na véspera da primeira votação.
No dia seguinte, domingo 15 de Outubro, começaram as votações. A luta trava-se entre o cardeal Giuseppe Siri e o cardeal Benelli, porque cada um deles obteve trinta votos. Na segunda votação, os dois perdem apoio, mas à tarde o cardeal Ugo Poletti, presidente da Conferência de Bispos Italianos, recebe trinta votos. Na quarta votação, entram na liça os cardeais Felici e Wojtyla, que recebe cinco votos. Apesar do silêncio que reinava nas celas que rodeiam a Capela Sistina, estava a travar-se uma grande luta pelo controlo da Igreja Católica.
Embora a candidatura de Siri não perdesse terreno, cada votação apenas faz com que entrem e saiam novos nomes de candidatos, sem que se alcance o resultado esperado. Na noite de 15 de Outubro, o cardeal Franz Kõnig negoceia com os cardeais franceses, alemães, espanhóis e norte-americanos o possível apoio ao cardeal polaco Wojtyla. Na manhã de segunda-feira, dia 16, ocorrem mais duas votações e Siri continua a perder terreno em relação a outros cardeais, como Giovanni Colombo, Ugo Poletti ou Johannes Willebrands.
No sufrágio seguinte, cresceu o número de votos no cardeal Karol Wojtyla e nessa tarde Wotjtyla reúne-se na sua cela com o cardeal-primaz da Polónia, Wyszynski, que lhe diz que se o elegerem ele deve aceitar. Duas votações depois, Karol Wojtyla ouviu o seu nome em voz alta: entre cento e oito cardeais, noventa e nove tinham-lhe dado o seu voto.
Era inimaginável e nunca se tinha visto: um papa de um país do Leste da Europa, de uma nação para lá da Cortina de Ferro. Depois de pronunciar as palavras de aceitação e dizer o nome que adoptaria como Pontífice, o novo papa foi escoltado até à antecâmara conhecida como comera lacrimatoria, onde o novo papa vestiu o seu hábito branco.
Logo de seguida, e num passo firme, João Paulo II dirigiu-se para a varanda para lançar a sua bênção Urbi et Orbi ao Mundo e aos fiéis. Momentos depois, o papa pediu aos membros do conclave que ficassem para jantar com ele. As expectativas perante a chegada de um novo papa desfizeram-se com as primeiras nomeações. Para dirigir a Santa Aliança e o Sodalitium Pianum, João Paulo II escolheu monsenhor Luigi Poggi, nascido há sessenta e um anos na região italiana de Piacenza e que tinha ocupado o cargo de delegado apostólico na Polónia desde 1975. Poggi era sem dúvida aquele de quem precisaria a Santa Aliança na altura em que começavam a surgir as primeiras brechas na Cortina de Ferro. Trata-se de novos tempos e para isso são precisos uns serviços de espionagem activos num dos pontificados mais políticos de toda a história da Igreja Católica Romana e quando ainda se sentem as repercussões pelas acções económicas do IOR.

Se fosse eleito o cardeal Benelli, não restava a menor dúvida de que o cardeal Jean Villot seria substituído, enquanto Marcinkus, Mennini e De Strobel seriam demitidos e talvez processados, mas não aconteceu nada disso. O cardeal polaco Karol Wojtyla foi o eleito e tudo continuou na mesma apesar da mudança de papa.

Toda a informação sobre o escândalo financeiro recolhida pelo cardeal Benelli, a Santa Aliança, o Sodalitium Pianum e o cardeal Felici foi posta à sua disposição e também lhe entregaram as provas dos membros da Maçonaria que faziam parte da Cúria, mas tudo ficou tal como estava. O cardeal Jean Villot foi confirmado à frente da Secretaria de Estado, Paul Casimir Marcinkus, ajudado por Mennin e De Strobel, continuou a reger os destinos do IOR e a encobrir as actividades ilegais do Banco Ambrosiano. Calvi, Gelli e Ortolani continuaram com toda a liberdade para se dedicarem ao roubo sistemático, apoiados pelo IOR. Por sua vez, Sindona estava em condições de continuar em liberdade nos Estados Unidos longe da alçada da lei italiana. Como diria um dia a personagem do príncipe de Lampedusa, no célebre romance O Leopardo: "Faz falta que tudo mude para que tudo continue igual".

Dez anos após a sua fundação por Licio Gelli, a loja Propaganda 2 continuou a operar e a manipular a política de vários países e a apoiar golpes de Estado, como o dos militares argentinos.

Entre 1979 e 1982, cinco cardeais relacionados com o inquérito do IOR e do Banco Ambrosiano, gozando de boa saúde e com uma média de idades de sessenta e nove anos, faleceram misteriosamente: Jean Villot, setenta e três anos, Sérgio Pignedoli, setenta anos, Egidio Vagnozzi, setenta e quatro anos, Pericle Felici, setenta anos, e ainda Giovanni Benelli, com sessenta e um anos.

Vários escritores investigaram a misteriosa morte do papa João Paulo I, como o investigador David Yallop no seu livro In God's Name. An Investigation into the murder of Pope John Paul 1, e o historiador John Cornwell, na sua obra A Thied in the Night. Life and Death in the Vatican. Mas enquanto Yallop defende que a morte de João Paulo I foi o resultado da conjura organizada pela loja P-2 e os círculos financeiros que rodeavam o IOR, Cornwell sustenta que, embora a morte do papa possa ter sido natural, não descarta qualquer conspiração financeira que "considerasse ser conveniente" a sua morte para continuar com as obscuras operações financeiras.

Fosse como fosse, o certo é que a morte de João Paulo I continua a ser um dos maiores e mais bem guardados segredos de toda a história do Estado do Vaticano. As intervenções da Santa Aliança e do Sodalitium Pianum neste caso foram apenas testemunhais e quase acidentais. Com a chegada do papa João Paulo II ao trono de São Pedro, os agentes da Santa Aliança assumiriam um papel muito mais activo em operações clandestinas, como a venda de armas à Argentina durante a Guerra das Malvinas/Falklands contra a Grã-Bretanha de Margaret Thatcher, ou o financiamento ilegal com fundos desviados do IOR feito ao sindicato "Solidariedade" de Lech Walesa. De qualquer forma, faltava ainda ajustar contas com muitos dos maiores protagonistas dos escândalos financeiros em que o Vaticano estava envolvido e nesse plano, é verdade, a Santa Aliança actuaria de forma decisiva na hora dos assassinos.

 

(Eric Frattini -  "A santa aliança, cinco séculos de espionagem do Vaticano)

publicado às 14:57

 

Em parte, o desamparo atual que toma conta de grande parte da humanidade, se deriva de nossa incapacidade de sonhar e de projetar utopias. Não qualquer utopia. Mas aquelas necessárias que podem se transformar em topias,  quer dizer,  em algo que se realiza, mesmo imperfeitamente, nas condições de nossa história. Caso contrário, nosso futuro comum, da vida e da civilização correm graves riscos.

 

Temos, portanto,  que tentar tudo, para não chegarmos tarde demais ao verdadeiro caminho, que nos poderá salvar. Esse caminho passa pelo cuidado, pela sustentabilidade, pela responsabilidade coletiva e por um sentido espiritual da vida.

 

Valho-me das palavras inspiradoras de Oscar Wilde, o conhecido escritor irlandês que disse acerca da utopia: “Uma mapa do mundo que não inclua  a utopia não é digno sequer de ser espiado, pois ignora o único território em que a humanidade sempre atraca, partindo, em seguida, para uma terra ainda melhor…O progresso é a realização de utopias.”

 

         Pertence ao campo da utopia projetar cenários esperançadores. Vamos apresentar um, de Robert Müller, que por 40 anos foi um  alto funcionário da ONU, chamado também de “cidadão do mundo” e “pai da educação global”. Era um homem de sonhos, um deles realizado ao criar e ser o primeiro reitor da Universidade da Paz, criada em 1980 pela ONU em Costa Rica, único pais do mundo a  não ter exército.

 

Ele se imaginou um novo relato do Gênesis bíblico: o surgimento de uma civilização realmente planetária na qual a espécie humana se assume como espécie junto com outras com a missão de garantir a sustentabilidade da Terra e cuidar dela bem como de todos os seres que nela existem. Eis o que ele chamou de “Novo Gênesis”:

 

E Deus viu que todas as nações da Terra, negras e brancas, pobres e ricas, do Norte e do Sul, do Oriente e do Ocidente, de todos os credos, enviavam seus emissários a um grande edifício de cristal às margens do rio do Sol Nascente, na ilha de Manhattan, para juntos estudarem, juntos pensarem e juntos cuidarem do mundo e de todos os seus povos.

 

E Deus disse:” Isso é bom”.E esse foi o primeiro dia da Nova Era da Terra.

 

         E Deus viu que os soldados da paz separavam os combatentes de nações em guerra, que as diferenças eram resolvidas pela negociação e pela razão e não pelas armas, e que os líderes das nações encontravam-se, trocavam idéias e uniam seus corações, suas mentes, suas almas e suas forças para o benefício de toda a humanidade.

 

         E Deus disse:” Isso é bom.”E esse foi o segundo dia do Planeta da Paz.

 

E Deus viu que os seres humanos amavam a totalidade da Criação, as estrelas e o Sol, o dia e a noite, o ar e os oceanos, a terra e as águas, os peixes e as aves, as flores e as plantas e todos os seus irmãos e irmãs humanos.

 

         E Deus disse:”Isso é bom.” E esse foi o terceiro dia do Planeta da Felicidade.

 

E Deus viu que os seres humanos eliminavam a fome, a doença, a ignorância e o sofrimento em todo o globo, proporcionando a cada pessoa humana uma vida decente, consciente e feliz, reduzindo a avidez, a força e a riqueza de uns poucos.

 

         E Deus disse:”Isto é bom.” E esse foi o quarto dia do Planeta da Justiça.

 

E Deus viu que os seres humanos viviam em harmonia com seu planeta e em paz com os outros, gerenciando seus recursos com sabedoria, evitando o desperdício, refreando os excessos, substituindo o ódio pelo amor, a avidez pela satisfação, a arrogância pela humildade, a divisão pela cooperação e a suspeita pela compreensão.

 

         E Deus disse:” Isso é bom.” E esse foi o quinto dia do Planeta de Ouro.

 

E Deus viu que as nações destruíam  suas armas, suas bombas, seus mísseis, seus navios e aviões de guerra, desativando suas bases e desmobilizando seus exércitos, mantendo apenas policiais da paz para proteger os bons dos violentos e os sensatos dos insanos.     

 

         E Deus disse:” Isso é bom”. E esse foi o sexto dia do Planeta da Razão.

 

E Deus viu que os seres humanos instauravam Deus e a pessoa humana como o Alfa e o Omega de todas as coisas, reduzindo instituições, crenças, políticas, governos e todas as entidades humanas a simples servidores de Deus e dos povos. E Deus os viu adotar como lei suprema:”Amarás ao Deus do Universo com todo o teu coração, com toda  tua alma, com toda atua mente e com todas as tuas forças; amarás teu belo e esplendoroso planeta e o tratarás com infinito cuidado; amarás teus irmãos e irmãs humanos como amas a ti mesmo. Não há mandamentos maiores que estes”.

 

         E Deus disse:”Isso é bom.” E esse foi o sétimo dia do Planeta de Deus”.

 

     Se na porta do inferno de Dante Alighieri estavava escrito: “Abandonai toda a esperança, vós que entrais” na porta da nova civilização na era da Terra e do mundo planetizado estará escrito em todas as linguas que existem na face da Terra:

 

         “Não abandoneis jamais a esperança, vós que entrais”      

 

O futuro passa por esta utopia. Seus albores já se anunciam.

 

 

(Leonardo Boff é autor de Opção-Terra: a salvação da Terra não cai do céu. Record RJ 2010)

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publicado às 16:09

 

 

Cresce mais e mais a consciência de que entramos numa fase perigosa da vida na Terra. Nuvens escuras nos ocultam as estrelas-guias e nos advertem para eventuais tsunamis ecológicos-sociais de grande magnitude. Faltam-nos líderes com autoridade e com palavras e gestos convincentes que despertem a humanidade, especialmente, as elites dirigentes, para o destino comum da Terra e da Humanidade  e para a responsabilidade coletiva e diferenciada de garanti-lo para todos.

            É neste contexto que a figura do bispo de Roma, Francisco, poderá desempenhar um papel de grande relevância. Ele explicitamente se religa à figura de São Francisco de Assis. Primeiramente pela opção clara pelos pobres, contra a pobreza e pela justiça social, nascida inicialmente no seio da Igreja da libertação latino-americana em Medellin (1968) e Puebla (1979) e feita, segundo João Paulo II, patrimônio da Igreja Universal. Esta opção, bem o viram teólogos da libertação, inclui dentro de si o Grande Pobre que é nosso planeta super-estressado pois a pisada ecológica da Terra foi já ultrapassada em mais de 30%. Isso nos remete a um segundo ponto: a questão ecológica, vale dizer, como devemos nos relacionar com a natureza e com a Mãe Terra? É neste particular que Francisco de Assis pode inspirar a Francisco de Roma. Há elementos em sua vida e prática que são atitudes-geradoras. Vejamos algumas.

 

            Todos os biógrafos do tempo (Celano, São Boaventura, Legenda Perugina e outros) atestam “o terníssimo afeto que nutria para com todas as criaturas”; “dava-lhe o doce nome de irmãos e irmãs  de quem adivinhava os segredos, como quem já gozava da liberdade e da glória dos filhos de Deus”. Recolhia dos caminhos as lemas para não serem pisadas; dava mel às abelhas no inverno para que não morressem de frio ou de escassez; pedia aos jardineiros que deixassem um cantinho livre, sem cultivá-lo, para que ai pudessem crescer todas as ervas, inclusive as daninhas, pois “elas também anunciam o formosíssimo Pai de todos os seres”.

 

            Aqui notamos um outro modo-de-estar no mundo, diferente daquele da modernidade. Nesta o  ser humano está sobre as coisas como quem as possui e domina. O modo-de-estar de Francisco é colocar-se junto com elas para conviver como irmãos e irmãs em casa. Ele intuiu misticamente o que hoje sabemos por um dado de ciência: todos somos portadores do mesmo código genético de base; por isso um laço de consanguinidade nos une, fazendo que nos respeitemos e amemos uns aos outros e jamais usemos de violência entre nós. São Francisco está mais próximo dos povos originários, como os yanomamis ou os andinos que se sentem parte da natureza do que dos filhos e filhas a modernidade técnico-científica para os quais a natureza, tida como selvagem,  está ao nosso dispor para ser domesticada e explorada.

 

            Toda modernidade se construiu quase que exclusivamente sobre a inteligência intelectual; ela nos trouxe incontáveis comodidades. Mas não nos fez mais integrados e felizes porque colocou em segundo plano ou até recalcou a inteligência emocional ou cordial e negou cidadania à inteligência espiritual. Hoje faz-se urgente amalgamar estas três expressões da inteligência se quisermos desentranhar aqueles valores e sentimentos que tem nelas o seu nicho: a reverência o respeito e a convivência pacífica com a natureza e a Terra. Esta diligência nos alinha com a lógica da própria natureza que se consorcia, inter-retro-conecta todos com todos e  sustenta a sutil teia da vida.

 

            Francisco viveu esta síntese entre  ecologia interior e a ecologia exterior a ponto de São Boaventura chama-lo de “homo alterius saeculi” “um homem de um outro tipo de mundo”, diríamos hoje, de outro paradigma.

 

            Esta postura será fundamental para o futuro de nossa civilização, da natureza e da vida na Terra. O Francisco de Roma dever-se-á fazer o portador dessa herança sagrada, legada por São Francisco de Assis. Ele poderá ajudar toda a humanidade a fazer a passagem deste tipo de mundo que nos pode destruir para um outro, vivido em antecipação por São Francisco, feito de irmandade cósmica, de ternura e de amor incondicional.

 

(Leonardo Boff é autor de A oração de São Francisco pela paz, Vozes 2009)

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publicado às 16:08

O Papa Francisco exigiu que se “atue com determinação” diante dos abusos sexuais cometidos por religiosos, ao receber nesta sexta-feira 5, no Vaticano, os membros da Congregação para a Doutrina da Fé, encarregada de tais denúncias.
“O Santo Padre recomendou, em particular, o prosseguimento da linha de seu antecessor Bento XVI de agir com determinação nos casos de abusos sexuais”, indicou em um comunicado o Vaticano.
É a primeira vez que o pontífice latino-americano se pronuncia sobre as milhares de denúncias em todo o mundo contra padres pedófilos.
O Papa confirmou que preconizará a tolerância zero, como Bento XVI, e convidou a hierarquia da Igreja a promover “acima de tudo medidas de proteção dos menores”, ressalta a nota divulgada pelo gabinete de imprensa da Santa Sé.
Francisco também pediu para que “todos aqueles que foram vítimas de violência no passado sejam ajudados”.
O novo pontífice, eleito no dia 13 de março para substituir Bento XVI após sua renúncia, pediu para que sejam impulsionados “os procedimentos devidos contra os culpados”.
Também convidou as conferências episcopais de todos os países a “formular e cumprir” as diretrizes estabelecidas e reiterou que “reza de modo particular” pelo sofrimento das vítimas de abusos.
O escândalo dos sacerdotes que abusaram de crianças e adolescentes explodiu primeiro nos Estados Unidos no início dos anos 2000. Depois afetou as Igrejas de vários países da Europa, sobretudo da Irlanda, onde foram registrados milhares de casos de abusos.
A maior parte dos casos data das últimas décadas, mas outro crime ainda viria se somar ao cometido pelos sacerdotes: o silêncio que cobria os atos. Alguns padres eram transferidos ou protegidos pelos prelados.
A Igreja da América Latina também conheceu uma série de escândalos. O mais famoso foi o do fundador mexicano do movimento conservador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel, também culpado de abusos sexuais.
O papa Bento XVI pediu perdão em várias ocasiões em nome da Igreja às vítimas e impulsionou a tolerância zero. Em maio de 2011, a Congregação para a Doutrina da Fé deu o prazo de um ano às conferências episcopais do mundo inteiro para adotarem as diretrizes em matéria de luta contra a pedofilia, que envolvem colaborar com a justiça civil.
O promotor para a luta contra os casos de pedofilia, Monsenhor Charles Scicluna, indicou recentemente à Agência de Informações sobre o Vaticano I.Media que “em meados de setembro, 75% das conferências episcopais enviaram uma resposta”.
( http://www.cartacapital.com.br/internacional/papa-exige-determinacao-diante-da-pedofilia/ )

 

 

O celibato imposto, pode até não ser a causa direta dos abusos sexuais por parte dos padres pedófilos, mas que existe uma cultura que leva a casos de desvio sexual (pedofilia, homossexualismo, misoginia,...) na igreja romana, isso parece mais que evidente.
Por outro lado, os episódios de pedofilia que, pouco a pouco, vão-se manifestando por todo o mundo, evidenciam contradições estruturais da instituição Igreja. É claro que cada pedófilo deve responder individualmente perante as vítimas e perante a justiça, mas a responsabilidade individual não absolve a responsabilidade da instituição.
Bento XVI e agora o Papa Francisco, bem como grande parte dos bispos, falam de tolerância zero para com os padres pedófilos, curiosamente utilizando uma linguagem de extrema direita, mas ignoram a procura das raízes do fenômeno na estrutura da própria instituição eclesial. Tinha que ser aí mesmo, na estrutura do sagrado, que se deveria aplicar a tolerância zero.
É por demais conhecida a relação estreita entre sexo e poder. Já para os gregos e romanos o falo era símbolo do poder. Na Roma antiga, as dimensões e a forma do pénis não raramente favoreciam a carreira militar e política. Tudo o que se ergue parece ter uma referência fálica. Obeliscos, campanários, torres, o báculo, a pastoral, a mitra episcopal, que coisa são se não símbolos fálicos?! Não é por acaso que na igreja romana o poder é reservado ao sexo masculino e negado em absoluto às mulheres. A pedofilia é interna a esta relação entre sexo e poder. Quem procura crianças para satisfazer o seu apetite sexual, fá-lo para exprimir a própria sede de domínio para com uma criatura mais frágil. É esta sede de domínio a raiz mais profunda da pedofilia. É esta sede de domínio que deveria ser extirpada da estrutura do sagrado.
É hora de restituir ao cristianismo o sentido da libertação do sagrado, enquanto realidade separada, libertação não apenas de opressões econômicas e políticas, mas também psicológicas, ético-morais, simbólicas. Talvez a pedofilia não desapareça de vez, mas sem dúvida sofrerá um golpe profundo e não apenas os padres pedófilos.

HIPERLINKS:
* VÍTIMAS DA PEDOFILIA: UMA METÁFORA DO CATÓLICO PERFEITO
* A pedofilia é endémica à Igreja romana?
* Pedofilia e contradições estruturais da Igreja Católica Romana
*Pedofilia: Igreja católica entre o silêncio cúmplice e o delírio
* "Religiosos e pedofilia, um pecado de poder"
* Pedofilia na Igreja: o sol ainda gira em volta da terra?
* O pecado da Igreja romana
* O inconsciente da Igreja
*Há correlação entre celibato e pedofilia?
 

publicado às 15:31


Bergoglio e a Igreja do ‘não’

por Thynus, em 15.04.13
 
Nada como um dia após o outro, ensina a sabedoria popular. Com o novo papa, começam a aparecer indicativos consistentes de a renúncia de Ratzinger não decorrer apenas da falta de condições físicas e da situação de ingovernabilidade de uma Cúria mergulhada em escândalos e lutas intestinas pelo poder. Pelos indícios, Ratzinger parece ter-se conscientizado de estar fora de época e, assim, inadaptado para governar a Igreja.
Ratzinger mergulhou no obscurantismo e nada sobrou do jovem e renovador teólogo que auxiliou na elaboração dos trabalhos preparatórios do Concílio Vaticano II. Para Hans-Jürgen Schlamp, do Der Spiegel, o papado de Ratzinger foi trágico “pela sua incapacidade de entender os tempos”.
Durante o seu pontificado, prevaleceu a Igreja do “não” e a enfadonha repetição da condenação ao relativismo. Trocando em miúdos, a não aceitação, mundo afora, daquilo entendido por ele como princípios imutáveis e definitivos. No particular, Ratzinger levou a sério a infalibilidade estabelecida, em 1868, no Concílio Vaticano I e, também, o étimo do termo latino pontifex, ou seja, o de único guia capaz de conduzir por um caminho reto.
O emérito Ratzinger percebeu não possuir o carisma do antecessor Wojtyla para manter a Igreja do “não”. Além disso, escolheu o trapalhão Tarcisio Bertone para, como secretário de Estado, cuidar da Cúria. Para se ter uma ideia, Bertone, a misturar homofobia e ignorância, sustentou a correlação entre homossexualidade e pedofilia ( Veja: "O sol ainda gira em volta da terra?" ). Só para exemplificar, a Igreja do “não” de Ratzinger é aquela que nega a Eucaristia aos divorciados. De nada adiantou a pressão do Episcopado da Alemanha para a mudança. Mais ainda, é a Igreja do “não” à inseminação artificial, às pílulas anticoncepcional e do dia seguinte. A do “não” ao uso da camisinha e ao casamento de clérigos.
Também é a Igreja dos vetos ao testamento biológico, ao sacerdócio feminino (o antigo Santo Ofício, sob o cardeal Ratzinger, proibiu a divulgação, nos Estados Unidos, do livro Mulheres no Altar, da então sóror Lavinia Byner), à masturbação entre os adolescentes, ao sexo antes do casamento e à união homossexual. A que, segundo os prelados norte-americanos, adotou expressões inadequadas no novo “Catequismo da Igreja”. É aquela em que o papa Ratzinger reprova a nova tradução inglesa da Bíblia e de textos litúrgicos, por entendê-los “modernos e muito feministas”.
Nessa Igreja do “não” prevaleceu, durante anos, a lei do silêncio a encobrir crimes de pedofilia. A respeito, o teólogo Hans Küng frisou ter o então cardeal Ratzinger, em 28 de maio de 2001, recordado aos bispos do mundo todo que para as questões de ética sexual valia o segredo pontifício. E Küng: “Durante anos, e como pontífice, Ratzinger não mudou uma vírgula dessa praxe infeliz. Esse homem foi o responsável pela ocultação desses abusos em nível mundial e tinha o dever de pronunciar um mea-culpa”.
Para o lugar de Ratzinger buscou-se um papa de perfil diverso, humilde, popular, contra o fausto e a favor dos pobres. Muitos estão a comparar o papa Francisco ao saudoso Albino Luciani. Em agosto de 1978, com 101 votos dados por 111 participantes, Luciani, com o nome de João Paulo I, aboliu a missa de coroação e se recusava a sentar no trono nas cerimônias solenes. Luciani disse, sendo criticado por uma Cúria que o tachava de inadequado ao encargo, termos um Deus pai e mãe. E ele trombou com a Cúria ao afirmar que a Igreja não deveria contar com poder ou com riqueza. Sua intenção era, inicialmente, distribuir aos pobres 1% da riqueza da Igreja. A irritar o secretário de Estado Jean Villot, Luciani sustentou que não se deve proibir de modo simplista os anticoncepcionais, isso a contrariar a encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI.
O pontificado de Luciani durou 33 dias. Na cabeceira do leito de morte estava um exemplar do Il Mondo, com novos escândalos do Banco do Vaticano, dirigido por Paul Marcinkus. Pouco antes, Luciani havia se inteirado de uma lista de clérigos inscritos na Loja Maçônica P2, protagonista do escândalo do Banco Ambrosiano. Do elenco constava Jean Villot, o secretário de Estado. (Veja:  "Às 9:30 da noite fechou a porta de seu quarto e o sonho acabou...")
A causa-morte de Luciani foi atestada como infarto do miocárdio. Mas cardiologistas registraram que o falecido não apresentava na face a expressão da dor que acomete todos os infartados. Não houve autópsia e correu a suspeita de envenenamento. Existem contradições sobre quem teria por primeiro ingressado no quarto papal. Em nota oficial, informou-se ter sido o secretário particular, John Magee. Na véspera, fora apontada a sóror-camareira Vincenza Taffarel. Uma terceira voz indicava Jean Villot, o dissidente secretário de Estado. Para o escritor investigativo inglês David Yallop, autor do livro Em Nome de Deus (6 milhões de cópias vendidas), a morte não foi natural.
Pano rápido. Vamos esperar para ver se Bergoglio, como tentou Luciani, será capaz de mudar a Igreja do “não” para a Igreja do “sim”.

(Wálter Maierovitch)
 

publicado às 12:13


Bergoglio e o testamento de Martini

por Thynus, em 09.04.13

 

O saudoso jesuíta Carlo Maria Martini, cardeal emérito de Milão, era conhecido como il mendicante con la porpora (o mendigo com veste púrpura de cardeal). Já em estado terminal, ele concedeu uma longa entrevista, considerada o seu “testamento espiritual”, à jornalista Federica Radice, do jornal Corriere della Sera. Na sua visão, “a Igreja está atrasada dois séculos”. E acrescentou: “A Igreja está cansada, a nossa cultura envelheceu, as nossas igrejas são grandes, as nossas casas religiosas estão vazias, o aparato burocrático cresce e os nossos ritos e os nossos hábitos são pomposos”. Em 2005, o progressista Martini, já com as mãos trêmulas pelo Parkinson, retirou a candidatura papal depois do primeiro escrutínio do conclave que elegeu, na quarta votação, o conservador Ratzinger, considerado o delfim de Wojtyla.
Sempre em dissenso com Bento XVI, o cardeal Martini sugeria uma nova Igreja, que deveria reconhecer os próprios erros e percorrer um caminho de radical mudança, “começando pelo papa e depois pelos cardeais e bispos”. Ele atacou o governo da Igreja, ressaltou o “subdesenvolvimento cultural que a alimenta” e enumerou, por ter imperado o silêncio, as consequências, a longo prazo, dos escândalos de clérigos pedófilos.
O “mendigo purpurado” contou ter preferido Jerusalém a Roma. Trocou o prestígio pelos estudos e pela atividade pastoral, que o colocava junto aos necessitados. Por evidente, levou para a sepultura o injusto carimbo de catto-comunista (católico comunista), em vez de iluminado progressista independente.
No pré-conclave e já com Ratzinger a desfrutar das instalações papais do majestoso Castel Gandolfo, fez-se sentir o “testamento espiritual de Martini”. Não demorou para os cardeais-, votantes e não votantes pela barreira dos 80 anos de idade,  perceberem o exaurimento da obscurantista teologia do pontificado de Ratzinger. Fora o contragosto de Ratzinger haver jogado com o fato consumado. Por exemplo, ele adotou a sabedoria popular lusitana de não dever se passar de cavalo a burro. Assim, ajeitou, via entendimento do Conselho para Textos Legislativos da Santa Sé, sob a presidência do arcebispo Francesco Coccopalmério, o inusitado título de “papa emérito”. Mais ainda, garantiu o tratamento de “Santidade”, sem nada dizer sobre a infalibilidade em questões de fé, conforme admitido pelo Concílio Vaticano I, de 1868.
Também garantiu um “puxadinho” de luxo (convento em fase de reforma) para morar, sem dar bola ao constrangimento da situação de vizinho do Palácio Apostólico, onde ficam os aposentos reservados ao papa titular do trono petrino.
Embora a questão principal do conclave tivesse sido a reforma e a limpeza de uma Cúria protagonista de escândalos, traçou-se, no pré-conclave, um perfil, à Martini, para o novo papa. Ele deveria abandonar o fausto, ser humilde, caridoso e estar próximo às pessoas. Sem um papa com esse perfil, e era voz corrente, a Igreja jamais conseguiria virar recentes e inglórias páginas e, para repetir o historiador e jornalista Corrado Augias, “manter unida a sua missão espiritual e a natureza política de Estado”.
Com efeito, escolheu-se o jesuíta Bergoglio. De pronto, ele abdicou do fausto e caiu no gosto de fiéis pela simplicidade e humildade. Ao deixar em segundo plano o título de papa e preferir o de bispo de Roma, conseguiu a inédita e imediata aproximação dos ortodoxos e dos anglicanos. Como se sabe, o bispo de Roma é apenas o da primeira Igreja, ao passo que o papa é o vigário de Cristo na terra, algo que lhe fixa um primado que causa afastamentos e desconfianças.
O nome Francisco, a fazer lembrar o de Assis, não cai bem em um jesuíta. Os jesuítas são os intelectuais da Igreja e Francisco de Assis achava que o conhecimento deveria ser desprezado, pois era manipulado e empregado como forma de dominação pelas elites ditas cultas.
Não se sabe ainda se o papa Francisco romperá o namoro que Ratzinger manteve com os lefebvrianos, apesar da excomunhão de Marcel Lefebvre em 1988 e da exclusão da Fraternidade Santo Pio X. O sucessor do falecido Lefebvre, fundador da fraternidade que conta com 500 sacerdotes, continua a não aceitar as regras do Vaticano II. Para Bernard Fellay, bispo-chefe da fraternidade, os inimigos da Igreja são “os judeus, os maçons e os modernistas”. No encontro de Castel Gandolfo, o emérito Ratzinger entregou ao titular Bergoglio um dossiê de 300 páginas sobre a aproximação com os lefebvrianos.
Enquanto isso, e a cumprir o compromisso com os eleitores, o papa Francisco vai designar, depois da Páscoa, um triunvirato de cardeais para dirigir e limpar a Cúria e o anexo Banco do Vaticano. Outra questão, por pressão dos cardeais alemães, será a reabertura da proposta, indeferida por Ratzinger, do recebimento de comunhão pelos separados e divorciados.  Por enquanto, o papa Bergoglio vem sendo definido pelos italianos como “conservador popular” e “matou” Ratzinger logo que entrou em campo como o novo dono da bola.

 (Wálter Maierovitch)
http://www.cartacapital.com.br/internacional/bergoglio-e-o-testamento-de-martini/

publicado às 09:07

O primeiro milênio do Cristianismo foi marcado pelo paradigma da comunidade. As igrejas possuíam relativa autonomia com seus ritos próprios: a ortodoxa, a copta, a ambrosiana de Milão, a moçárabe da Espanha e outras. Veneravam seus próprios mártires e confessores e tinham suas teologias como  se vê na florescente cristandade do norte da África com Santo Agostinho, São Cipriano e o leigo teólogo Tertuliano. Elas se reconheciam  mutuamente e, embora em Roma já se esboçasse uma visão mais jurídica, predominava a presidência na caridade.
O segundo milênio foi caracterizado pelo paradigma da Igreja como sociedade perfeita e hierarquizada: uma monarquia absolutista centrada na figura do Papa como suprema cabeça (cefalização), dotado de poderes ilimitados e, por fim, infalível quando se declara como tal em assuntos de fé e moral. Criou-se o Estado Pontifício, com exército, com sistema financeiro e legislação que incluía a pena de morte. Criou-se um corpo de peritos da instituição, a Cúria Romana, responsável pela administração eclesiástica mundial. Esta centralização gerou a romanização de toda a cristandade. A evangelização da América Latina, da Ásia e da África se fez no bojo de um mesmo processo de conquista colonial do mundo e significava um transplante do modelo romano, praticamente anulando a encarnação nas culturas locais, em grande parte destruídas com a cruz e a espada. Oficializou-se, como de direito divino, a separação estrita entre o clero e os leigos. Estes, sem nenhum poder de decisão (no primeiro milênio participavam na eleição dos bispos e do próprio Papa), foram juridicamente e de fato infantilizados e mediocrizados.
Firmaram-se os costumes palacianos dos  padres, bispos, cardeais e Papas. Os títulos de poder dos imperadores romanos, a começar pelo de Papa e a de Sumo Pontífice, passaram ao bispo de Roma. Os cardeais, príncipes da Igreja, se vestiam como a alta nobreza renascentista e isso permanece até os dias de hoje para escândalo de não poucos cristãos habituados a ver Jesus pobre e homem do povo, perseguido, torturado e executado na cruz.
Este modelo de Igreja, tudo indica, se encerrou com a renúncia de Bento XVI, o último Papa deste modelo monárquico, num contexto trágico de escândalos que afetaram o núcleo da credibilidade do anúncio cristão.
A eleição do Papa Francisco, vindo “do fim do mundo” como ele mesmo se apresentou, da periferia da cristandade, do Grande Sul, onde vivem 60% dos católicos, inaugura o paradigma eclesial do Terceiro Milênio: a Igreja como vasta rede comunidades cristãs, enraizadas nas diferentes culturas, algumas mais ancestrais que a ocidental como a chinesa, indiana e japonesa e nas culturas tribais de África e comunitárias da América Latina. Encarna-se também na cultura moderna dos países tecnicamente avançados, com uma fé vivida também em pequenos grupos ou comunidades. Todas estas encarnações tem algo em comum: a urbanização da humanidade pela qual mais de 80% da população vive em grandes conglomerados de milhões e milhões de habitantes.
Neste contexto será praticamente impossível de se falar em paróquias territoriais, de cunho rural,  mas em comunidades de vizinhança de prédios ou de ruas próximas. Esse cristianismo terá como protagonistas os leigos, animados por padres, casados ou não ou por mulheres-sacerdotes e bispos ligados  mais à espiritualidade do que à administração. As Igrejas terão outros rostos, próprios das diferentes culturas.
A reforma, assim esperamos,  não se restringirá à Cúria Romana em estado calamitoso mas se estenderá a toda a institucionalidade da Igreja. Talvez somente com a convocação de um novo Concílio com representantes de toda a cristandade e de notáveis, por sua vida e ética, da sociedade civil mundial, dará ao Papa a segurança e as linhas mestras da Igreja do Terceiro Milênio. Que não lhe falte o Espírito e a coragem para o novo.

(Leonardo Boff)

publicado às 01:48

Desde que  assumiu o nome de Francisco, o bispo de Roma eleito e, por isso,  Papa, faz-se inevitável a comparação entre os dois Franciscos, o de Assis e o de Roma. Ademais, o Francisco de Roma explicitamente se  remeteu ao Francisco de Assis. Evidentemente não se trata de mimetismo, mas de constatar pontos de inspiração que nos indicarão o estilo  que o Francisco de Roma quer conferir à direção da Igreja universal.
Há um ponto inegável comum: a crise da instituição eclesiástica. O jovem Francisco diz ter ouvido uma voz vinda do Crucifixo de São Damião que lhe dizia:”Francisco repara a minha Igreja porque está em ruinas”. Giotto o representou bem, mostrando Francisco suportando nos ombros o pesado edifício da Igreja.
Nós vivemos também grave crise por causa dos  escândalos, internos à própria instituição eclesiástica. Ouviu-se o clamor universal (“a voz do povo é a voz de Deus”): “reparem a Igreja que se encontra em ruinas em sua moralidade e em sua credibilidade”.  Foi então que se confiou a um cardeal da periferia do mundo,  Bergoglio, de Buenos Aires, a missão de, como Papa,  restaurar a Igreja à luz de Francisco de Assis.
No tempo de São Francisco de Assis triunfava o Papa Inoccêncio III (1198-1216) que se apresentava como “representante de Cristo”. Com ele se alcançou o supremo grau de secularização da instituição eclesiástica com interesses explícitos de “dominium mundi”, da dominação do mundo. Efetivamente, por um momento, praticamente, toda a Europa até a Rússia estava submetida ao Papa. Vivia-se na maior pompa e glória. Em 1210, sob muitas dúvidas, Inocêncio III reconheceu o caminho de pobreza de Francisco de Assis. A crise era teológica: uma Igreja-Império temporal e sacral contradizia tudo o que Jesus queria.
Francisco viveu a antítese do projeto imperial de Igreja. Ao evangelho do poder, apresentou o poder do evangelho: no despojamento total, na pobreza radical e na extrema simplicidade. Não se situou no quadro clerical nem monacal, mas como leigo se orientou pelo evangelho vivido ao pé da letra nas periferias das cidades, onde estão os pobres e hansenianos e no meio da natureza,  vivendo uma irmandade cósmica com todos os seres. Da periferia falou para o centro, pedindo conversão. Sem fazer uma crítica explícita, iniciou uma grande reforma a partir de baixo mas sem romper  com Roma. Encontramo-nos face a um gênio cristão de sedutora humanidade e de   fascinante ternura e cuidado pondo a descoberto o melhor de nossa humanidade.
Estimo que esta estratégia deve ter impressionado a Francisco de Roma. Há que reformar a Cúria e os hábitos clericais e palacianos de todas a Igreja. Mas não se precisa criar uma ruptura que dilacerará o corpo da cristandade.
Outro ponto que seguramente terá inspirado a Francisco de Roma: a centralidade que Francisco de Assis conferiu aos pobres. Não organizou nenhuma obra para os pobres, mas viveu com os pobres e como os pobres. O Francisco de Roma, desde que o conhecemos, vive repetindo: o problema dos pobres não se resolve sem a participação dos pobres, não pela filantropia mas pela justiça social. Esta diminui as desigualdades que castigam a América Latina e, em geral, o mundo inteiro.
O terceiro ponto de inspiração é de grande atualidade: como nos relacionar com a Mãe Terra e com os bens e serviços escassos? Na fala inaugural de sua entronização, Francisco de Roma usou mais de 8 vezes a palavra cuidado. É a ética do cuidado, como eu mesmo tenho insistido fortemente em vários escritos a que vai salvar a vida humana e garantir a vitalidade dos ecossistemas. Francisco de Assis, patrono da ecologia, será o paradigma de uma relação respeitosa e fraterna para com todos os seres, não em cima mas ao pé da natureza.
Francisco de Assis entreteve com Clara uma relação de grande amizade e de verdadeiro amor. Exaltou a mulher e as virtudes considerando-as “damas”. Oxalá inspire a Francisco de Roma uma relação para com as mulheres, a maioria da Igreja, não só de respeito, mas de valorização de seu protagonismo, na tomada de decisões sobre os caminhos da fé e da espiritualidade no novo milênio. É uma questão de justiça.
Por fim, Francisco de Assis é, segundo o filósofo Max Scheler, o protótipo ociental da razão cordial e emocional. É ela que nos faz sensíveis à paixão dos sofredores e aos gritos da Terra. Francisco de Roma, à diferença de Bento XVI, expressão da razão intelectual,  é um claro exemplo da inteligência cordial que ama o povo, abraça as pessoas, beija as crianças e olha amorosamente para as multidões. Se  a razão moderna não se amalgamar à sensibilidade do coração, dificilmente seremos levados a cuidar da Casa Comum, dos filhos e filhas deserdados e alimentar  a convicção bem franciscana de que abraçando afetuosamente o mundo, estaremos abraçando a Deus.

(Leonardo Boff é autor de Francisco de Assis: ternura e vigor, Vozes  1999)

publicado às 21:50

Pela primeira vez na história milenar do catolicismo, um papa reinante e seu predecessor se encontraram. Neste sábado 23, o recém-eleito Francisco foi recebido pelo papa emérito Bento XVI no palácio apostólico de Castel Gandolfo.
Dez dias após sua eleição, Francisco foi de helicóptero até a tranquila localidade ao sul de Roma e foi recebido pessoalmente por Bento XVI no heliporto da residência de veraneio papal.
“O abraço no heliporto entre o Papa e o Papa emérito foi muito bonito”, comentou o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi.
Nas imagens distribuídas pela televisão do Vaticano, os dois Papas foram vistos usando a batina branca. Bento XVI caminhava com dificuldade, apoiado por uma bengala.
Os dois papas conversaram em particular por 45 minutos na biblioteca do palácio, enquanto inúmeras pessoas se congregaram na pequena praça central de Castel Gandolfo para aplaudir e gritar os nomes de Francisco e Bento XVI.
Durante o encontro, o papa emérito reiterou “sua reverência e obediência” ao novo pontífice. Francisco, por sua vez, manifestou seu “agradecimento próprio e de toda a Igreja pelo ministério desenvolvido por Bento XVI durante seu pontificado”, informou o porta-voz.
Durante o histórico encontro, os dois líderes religiosos também rezaram na capela do palácio apostólico. “Papa Francisco quis que se sentassem juntos, no mesmo banco, para rezar. Ele disse: ‘somos irmãos’”, contou Lombardi.

Durante o encontro privado na biblioteca, Francisco presenteou seu Bento XVI com uma imagem da “Virgem da humildade”. “Francisco disse que escolheu esta imagem porque pensou nele e em todos os exemplos de humildade que deu durante seu pontificado.”
No total, Francisco permaneceu quase três horas em Castel Gandolfo, e depois regressou ao Vaticano.
Os assuntos que os dois pontífices examinaram não foram divulgados, mas é certo que giraram em torno de temas importantes para uma igreja com 1,2 bilhão de fiéis: a “nova evangelização”, as perseguições contra os cristãos, a reforma da Cúria, as divisões internas, os escândalos envolvendo dinheiro e sexo, incluindo casos de pedofilia.
Relatório do Vatileaks 
O papa emérito entregou ao sucessor o relatório ultrassecreto que pediu para ser elaborado sobre a situação interna da Igreja após o vazamento de documentos secretos conhecido como Vatileaks.
Segundo vaticanistas, o papa argentino seguirá “o mapa do caminho” traçado por Bento XVI de recuperar a autoridade perdida e terminar a limpeza interna na Cúria.
Antes de renunciar, Bento XVI disse que iria se retirar do mundo, mas que estaria pronto para dar conselhos ao novo pontífice.

Estilos diferentes
Os papas têm temperamentos completamente diferentes: enquanto Joseph Ratzinger se mostrava tímido diante da multidão, Jorge Bergoglio é espontâneo e até abraça os fiéis.
O novo pontífice se distingue por um estilo informal e se mostra mais próximo dos pobres e da simplicidade. Ainda sim, é inflexível em sua doutrina. Sobre as questões da sociedade, Joseph Ratazinger e Jorge Bergoglio compartilham posições conservadoras, seja quanto ao casamento homossexual, o aborto ou a eutanásia.
Quanto aos sinais de simplicidade (anel de prata, etc) do novo papa, sua importância não deve ser exagerada, segundo os vaticanistas. Bento XVI quis manter as tradições, mas viveu de forma simples.
Nos arredores do Vaticano, os cartazes e cartões postais com o retrato de Bento XVI tendem a perder espaço para os do sorridente Jorge Bergoglio e do midiático João Paulo II. Karol Wojtyla, beatificado em 2012, sete anos após sua morte, e que pode ser canonizado em breve, continua a ser o “gigante de Deus” aos olhos dos católicos.
A popularidade adquirida por Francisco em apenas uma semana e a insistência sobre seus gestos simbólicos de ruptura com as tradições podem ser vistas com maus olhos por uma parte do Vaticano. “Este pontificado será enraizado nos ensinamentos de Bento XVI, que foi a principal força intelectual da Igreja nos últimos 25 anos. Sua herança continuará a influenciar este pontificado”, considera Samuel Gregg, do instituto de pesquisa americano Aston.
Semelhanças podem ser traçadas entre os discursos dos dois papas, por exemplo, sobre a necessidade de privilegiar aspectos positivos da doutrina ao invés das condenações.
De acordo com o jornalista alemão Peter Seewald, maior especialista de Joseph Ratzinger, “está claro desde o início que o novo Papa se inscreve nos passos de seu predecessor”.
Ao jornal Corriere della Sera, Seewald afirmou que “Bento preparou o caminho (…) Ele é um grande admirador de São Francisco de Assis. Depois de São Bento (fundador do monaquismo ocidental), é Francisco de Assis que está em segundo lugar para ele: dois reformadores da Igreja, cada um em seu território, em seu caminho próprio.”
“João Paulo II estabilizou o barco da Igreja na tempestade, Bento a purificou, deu instruções à tripulação e a recolocou no caminho certo. Agora Francisco irá ligar o motor para fazer a Igreja se mover”, afirma Peter Seewald.
Quando se estabelecer em maio em um antigo monastério na colina do Vaticano, o Papa emérito estará a poucos passos do gabinete de Francisco. Uma coabitação inédita terá início, e os encontros serão possíveis nos jardins.

http://www.cartacapital.com.br/internacional/papas-francisco-e-bento-xvi-oram-juntos-em-encontro-historico/

publicado às 18:34


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