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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
A libido existe em nós desde o nascimento (e, segundo alguns, antes do nascimento). A partir dela organizam-se as relações entre dois princípios: o princípio do prazer (querer imediatamente algo satisfatório e querê-lo cada vez mais) e o princípio da realidade (compreender e aceitar que nem tudo o que se deseja é possível, que se for possível, nem sempre é imediato, que nem sempre pode ser conservado e muitas vezes não pode ser aumentado). O princípio de realidade é o que nos ensina a tolerar as frustrações. Também da libido, nascem dois princípios antagônicos que lutam em nosso inconsciente: Eros (do grego, amor) eThânatos (do grego, morte), um Princípio de vida ou vital e um princípio de morte ou mortal.
Esses dois princípios tornam o princípio do prazer extremamente ambíguo, pois o prazer não estará necessariamente vinculado a Eros, mas, de modo profundo, a Thânatos. Se o desejo supremo dos seres humanos for o equilíbrio, o repouso, a paz, o imutável, somente Thânatos ou a morte poderá satisfazer tal desejo e produzir verdadeiro prazer, enquanto Eros colocando-nos no interior de afetos conflitantes, podenão ser a realização do princípio do prazer. O ponto essencial é que o princípio de morte não é apenas o desejo de destruição dos outros que seriam obstáculos ao repouso, mas de autodestruição.
Qual a maior dor que sente um ser humano? Qual o traumatismo originário? Nascer. Sair do aconchego e do repouso uterino, separar-se do corpo materno. Thânatos é o princípio profundo do desejo de não separação, de retorno à situação uterina ou fetal, de regresso à paz e ao nada primordiais. Por isso é tão potente, mais poderoso do que Eros, que nos força a viver.
A libido se manifesta de formas múltiplas em nossa vida e Freud, embora considerando que na vida adulta todas essas formas podem estar simultaneamente presentes, classificou as fases da libido, segundo a origem do prazer, as regiões prazerosas do corpo (zonas erógenas) e os objetos (escolha de objeto) que sãosentidos como os mais prazerosos.
A primeira fase é oral: o prazer vem do ato de comer ou sugar, da ingestão de alimentos; as zonas erógenas principais são os lábios e a boca; os objetos escolhidos são os seios e seus substitutos (dedo, chupeta, objetos que se possa sugar, alimentos). A prova de que a fase oral não desaparece para muitos de nós, mas realiza uma fixação, está na existência dos fumantes, dos que gostam de beber, declamar, fazer discursos eno chamado sexo oral. A segunda fase é anal: a fonte do prazer é expelir ou reter as fezes; o órgão privilegiado do prazer ou zona erógena é o ânus; são substitutos prazerosos das fezes, o barro, a massa de modelar, a massa de pão ou bolo, etc. A fixação dessa fase na vida adulta aparece nos pintores, escultores, nas pessoas perdulárias ou generosas, nas pessoas avarentas, e no chamado sexo anal. A terceira e última fase é fálica ou genital: a origem e o lugar do prazer zonas erógenas) são os órgãos genitais, há gosto pela masturbação e é o momento do exibicionismo e da curiosidade infantis. É nessa fase, entre os três e quatro anos, que Freud localiza o surgimento do complexo de Édipo que permanecerá latente até o fim da puberdade quando deverá resolver-se (ou não).
Nas fases oral e anal a criança mantém relações duais, seja porque se relaciona com a mãe ou com parte dela ou com substitutos dela (os objetos parciais), seja porque se relaciona com seu próprio corpo, tanto com partes dele (como se fossem pedaços separados ou autônomos, objetos) como com seu corpo inteiro, mas como se fosse o de outrém, como se estivesse diante de um espelho e considerasse a imagem refletida como de outra pessoa que ela deseja ou admira (como no mito de Narciso, enamorado de sua própria imagem refletida no espelho das águas). Na fase fálica, a criança passa a uma relação ternária (ela, o pai e a mãe ou quem faça o papel deles) que já envolve os corpos inteiros dos participantes da tríada, ainda que certas partes sejam privilegiadas. Essa relação ternária, feita de amor, medo, ódio, inveja, fantasias agressivas e amorosas, forma o núcleo do Édipo.
(Marilena Chaui – “Repressão Sexual”)