As motivações normalmente invocadas pela hierarquia eclesiástica para manter a proibição do casamento para os sacerdotes resumem-se em três razões:
1. A razão cristológica diz respeito ao fato de que o sacerdote é um alter Christus (outro Cristo) e celebra in persona Christi "(na pessoa de Cristo). Como Jesus escolheu o celibato, eis, então, que o sacerdote deve viver no celibato.
2. A razão eclesiológica é referente ao empenho do sacerdote. Este não é um empregado pode e deve estar disponível conforme o horário, mas um “pai” real e verdadeiro que deve estar sempre disponível para as almas a quem cuida. Se é assim, como é possível conciliar a vida familiar (que exige uma disponibilidade total) com o sacerdócio (o que também exige uma disponibilidade total)?
3. A razão escatológica diz respeito ao que deve representar a vida sacerdotal. Até mesmo os sacerdotes seculares (embora em menor grau que os religiosos) são de fato chamados a prefigurar o que será a vida do Paraíso.
Ora acontece que o fenómeno da pedofilia na Igreja romana vem desmistificar esta bela tramóia orquestrada pela Igreja. Contrariamente ao que a Igreja quer fazer crer, a lei do celibato obrigatório para os padres fez mais mal à Igreja e aos homens e mulheres do que bem. Paradoxalmente, com a imposição do celibato obrigatório, a Igreja acaba asfixiada pelo próprio veneno que criou. Vejamos o pensamento do padre Anselmo Borges que de forma esclarecida e corajosa reflete sobre o assunto:
Foi lentamente que a lei do celibato se foi impondo na Igreja Católica, embora com excepções: pense-se, por exemplo, nas Igrejas orientais ou nos anglicanos unidos a Roma.
Na base do celibato como lei, há razões de vária ordem: imitar os monges e o seu voto de castidade, manter os padres e os bispos livres para o ministério, não dispersar os bens eclesiásticos, evitar o nepotismo... A concepção sacrificial da Eucaristia foi determinante, pois o sacrifício implica o sacerdote e a pureza ritual. Assim, o bispo de Roma Sirício (384-399) escreveu: "Todos nós, padres e levitas, estamos obrigados por uma lei irrevogável a viver a castidade do corpo e da alma para agradarmos a Deus diariamente no sacrifício litúrgico."
Neste movimento, a Igreja foi-se tornando cada vez mais rigorosa, tendo papel decisivo o Papa Gregório VII (1073-1085), com o seu modelo centralista: da reforma com o seu nome - reforma gregoriana - fez parte a obrigação de padres e bispos se separarem das respectivas mulheres e a admissão à ordenação sacerdotal apenas de candidatos celibatários. Foi o II Concílio de Latrão (1139) que decretou a lei do celibato, proibindo os fiéis de frequentarem missas celebradas por padres com mulher.
A distância entre a lei e o seu cumprimento obrigou a constantes admoestações e penas para os prevaricadores, como se pode constatar no decreto do Concílio de Basileia (1431-1437) sobre o concubinato dos padres. Lutero ergueu-se contra a lei, respondendo-lhe o Concílio de Trento: "É anátema quem afirmar que os membros do clero, investidos em ordens sacras, poderão contrair matrimónio." Os escândalos sucederam-se, mesmo entre Papas: Pio IV, por exemplo, que reforçou a lei, teve três filhos. O famoso exegeta Herbert Haag fez notar que a contradição entre teoria e prática ficou eloquentemente demonstrada durante o Concílio de Constança: os seus participantes tiveram à disposição centenas de prostitutas registadas.
Os escândalos de pedofilia por parte do clero fizeram com que o debate, proibido durante o Concílio Vaticano II e ainda, em parte, tabu, regressasse. Se não é correcto apresentar o celibato como a causa da pedofilia - pense-se em tantos casados pedófilos, concretamente no seio das famílias -, também é verdade que a lei do celibato enquanto tal não é a melhor ajuda para uma sexualidade sã. Muitos perguntam, com razão, se uma relação tensa com a sexualidade por parte da Igreja não terá aqui uma das suas principais explicações.
Seja como for, o celibato obrigatório não vem de Jesus, é uma lei dos homens, e, como disseram os apóstolos: "Importa mais obedecer a Deus do que aos homens." E os bispos e o Papa são homens.
É contraditório afirmar o celibato como um carisma e, depois, impô-lo como lei. Por isso, muitas vozes autorizadas na Igreja pedem uma reflexão séria sobre o tema. Há muito que o cardeal Carlo Martini faz apelos nesse sentido. Agora, junta-se-lhe o cardeal Ch. Schönborn, de Viena. O bispo auxiliar de Hamburgo, J.-J. Jaschke, sem pôr em causa o celibato livre, afirmou que "a Igreja Católica se enriqueceria com a experiência de padres casados".