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Vidas que não podemos permitir-nos

por Thynus, em 21.07.11

“A crise de crédito atual não é o resultado da falência dos bancos. Pelo contrário é o resultado - inteiramente previsível embora em grande parte imprevisto - do seu sucesso extraordinário. Sucesso na transformação de uma grande maioria de homens e mulheres, velhos e jovens numa raça de devedores. Os bancos conseguiram o que queriam: uma raça de eternos devedores que vive num estado de endividamento que se auto-perpetua e que só pedindo outros empréstimos pode realisticamente (mas temporariamente) obter uma sentença de pena suspensa."
Convidar Zygmunt Bauman para uma conferência que trate das formas contemporâneas assumidas pela sociedade de consumo deve ser como colocar em casa um hóspede, que nunca deixa de lembrar-nos que a sopa que acabaste de servir-lhe no prato não tem sal e está fria. Com cortesia impecável, no entanto, e explicando-te exatamente porque a sopa esfriou e certamente não vale a pena aquecê-la.Neste livro, resultado de conversas com Citlali Rovirosa-Madrazo, o espírito indomável do sociólogo polaco esguicha em cada oportunidade, como uma fonte que exploras a partir de uma veia profunda e inesgotável, e Bauman não perde a oportunidade para mostrar como as fórmulas utilizadas para criticar a deriva ultra-liberal adoptada pelos Estados nas últimas décadas são realmente slogans ferventes e ineficazes. Palavras vazias, ultrapassadas por uma realidade tão gritante a ponto de ser invisível para a maioria."Falência de Bancos"? Mas, por favor! ... Alguém pode imaginar um sucesso mais retumbante do que o obtido por uma instituição que se esforça por ter como refens do débito milhões de famílias às quais não quer de modo algum restituir o dinheiro emprestado?Sim, porque a única maneira até hoje conhecida para extinguir uma dívida é fazer render o dinheiro que se pediu emprestado, certo?E a quem pediremos mais dinheiro para podermo-nos endividar ainda mais na tentativa de saldar o primeiro débito, se não aos bancos?Eis então como o sistema funcionou tão bem que até mesmo os seus engenheiros, teóricos do capitalismo, especuladores e banqueiros não esperavam tal resultado ... e as hesitações que se seguiram ao crash, são simplesmente o equivalente à perda momentânea que mostram as estrelas do cinema quando são chamadas ao palco do Hollywood Bowl, porque acabaram de ganhar um Oscar. "Eu realmente? É verdade? ohhh!".Está tudo aqui, realmente, e o Estado que continua a injectar liquidez nos cofres dos bancos não pode - simplesmente não pode – pôr-se de lado e realmente contestar a validade de um modelo que propugnou de cooperação com o outro grande actor das democracias modernas, o mercado.O mercado e o Estado são um pouco como o Bucha e o Estica, na visão Baumaniana. Podem até zangar-se, resmungar entre si (no psicodrama, o Estado faz sempre, é claro, o papel de pai severo, mas basicamente compreensivo, para não dizer orgulhoso – evidentemente pela calada – das maracutaias combinadas pelo filho), mas depois, finalmente, abraçam-se e voltam a ser amigos como sempre.É um exemplo do fim que fez o Estado-providência, como resultado do deslocamento do eixo de uma sociedade industrial para uma sociedade de consumo.Quando a matéria-prima para a manutenção e a autoperpetuação do capital não é mais o trabalho, mas torna-se o consumo, que sentido tem ocupar-se com a saúde dos trabalhadores que persistem em não querer consumir tudo o que poderiam?Que não pareça irreverente o tom desinvolto como se fala de coisas tão importantes, porque entre as figuras mais autênticas da dialética de Bauman está mesmo uma ironia aguda, muito afiada, que tem a vantagem de trazer, com os pés bem assentes naterra, um debate crucial, importante demais para continuar a ser um assunto de especulação só para analistas e estudiosos.Com a mesma, esplêndia e desiludida força de expressão, o sociólogo também aborda outros temas que estão intimamente relacionados com a crise financeira: o estado das democracias, o estado-providência, as biotecnologias e o seu impacto sobre a estabilidade da pobreza e da riqueza; e ainda: os fundamentalismos e a modernidade - sempre com muitas referências à sociedade líquida de que Bauman é o máximo teórico - e chegar no último capítulo a fazer considerações óbvias inevitáveis sobre o amor e o poder criativo que tal “acto de abandono" comporta também a um nível social, apesar do desejo de controle que parece informar e permear todos os aspectos da nossa vida como cidadãos do século XXI.

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publicado às 20:31



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