
Tudo confirma que o subjetivo é incomparavelmente mais essencial à nossa felicidade e prazer que o objetivo, desde dizeres como Fome é o melhor tempero, Juventude e Idade não podem viver juntas, até a vida do gênio e o santo. A saúde sobrepuja os demais bens externos de tal forma que se pode dizer que um mendigo saudável é mais feliz que um rei enfermo. Um temperamento sereno e alegre, feliz em gozar de uma saúde perfeita, uma compreensão nítida, vivaz e penetrante, que vê as coisas corretamente, uma vontade moderada e suave, e, portanto, uma boa consciência – essas são vantagens que nenhuma posição ou riqueza podem compensar ou substituir. Pois aquilo que um homem é por si mesmo, aquilo que o acompanha em sua solidão e aquilo que ninguém pode proporcionar ou subtrair, obviamente, lhe é mais essencial que tudo o que possui, ou mesmo ao que pode ser aos olhos dos outros. Um homem de intelecto, em completa solidão, encontra um excelente entretenimento em seus próprios pensamentos e imaginação, enquanto a contínua diversidade de festas, peças, excursões e diversões é incapaz de proteger um tolo das torturas do tédio. Um indivíduo bom, moderado, brando pode ser feliz em circunstâncias adversas, enquanto outro, ambicioso, invejoso e malicioso, mesmo sendo o mais rico do mundo, sente-se miserável. De fato, para o homem que desfruta da constante satisfação de uma individualidade extraordinária e intelectualmente eminente, a maioria dos prazeres perseguidos pela humanidade é simplesmente supérflua; são apenas um estorvo e um fardo. Assim, Horácio diz de si próprio:
Gemmas, marmor, ebur, Tyrrhena sigilla, tabellas, Argentum, vestes Gaetulo murice tinctas, Sunt qui non habeant, est qui non curat habere;
[Marfim, mármore, berloques, estátuas tirrenas, pinturas, prataria, roupas tingidas de púrpura getuliana, Muitos passam sem tais coisas, outros sequer se importam. (Epistulae, II.2.180.)]
e quando Sócrates viu vários artigos de luxo postos à venda, disse: Quantas coisas há no mundo das quais não preciso!
Assim, para a felicidade de nossa vida, aquilo que somos, nossa personalidade, é absolutamente primária e essencial; no mínimo porque é um fator constante, influente em quaisquer circunstâncias. Ademais, diferentemente dos bens descritos nas outras duas classes, não está sujeita à sorte e não nos pode ser subtraída. Sendo, nesse sentido, dotada de um valor absoluto em contraste com o valor apenas relativo das outras duas.
(Arthur Schopenhauer - "Aforismos para a Sabedoria de Vida")