Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
Observando do nosso ponto de vista humano a longa perspectiva da humanidade, nós simplesmente a reconhecemos como humana. Se devêssemos reconhecê-la como animal, teríamos de reconhecê-la como anormal. Se decidíssemos observar pelo outro lado do telescópio, como mais de uma vez eu fiz nestas especulações, se decidíssemos projetar a figura humana para frente e para fora de um mundo humano, só poderíamos dizer que um dos animais havia obviamente enlouquecido. Mas observando a coisa pelo lado certo, ou melhor, de dentro para fora, sabemos que se trata de sensatez; e sabemos que os homens primitivos eram sensatos. Nós aclamamos certa fraternidade maçônica sempre que a detectamos: em selvagens, em estrangeiros ou em personagens da história. Por exemplo, tudo o que podemos inferir da lenda primitiva, e tudo o que sabemos da vida na barbárie, justifica certa ideia moral e até mística cujo símbolo mais comum são as roupas. Pois as roupas são muito literalmente vestimentas, e o homem as vestem porque ele é sacerdote. É verdade que até como animal ele neste ponto difere dos animais. A nudez não lhe é natural; não é sua vida, é antes sua morte; até mesmo no sentido vulgar de sua morte causada pelo frio. Mas as roupas são usadas por razões de dignidade, ou decência, ou decoração, em lugares onde não são de modo algum exigidas para o aquecimento. Tem-se às vezes a impressão de que elas são valorizadas como ornamento antes de o serem por sua utilidade. Quase sempre fica a impressão de que elas parecem ter alguma conexão com o decoro. As convenções desse tipo variam muito de acordo com épocas e lugares; e há alguns observadores que não conseguem superar essa reflexão, e para eles parece tratar-se de um argumento suficiente para abandonar todas as convenções à própria sorte. Eles nunca se cansam de repetir, simplesmente maravilhados, que o modo de vestir nas Ilhas Canibais é diferente daquele em Camden Town. Não conseguindo ir além disso, eles se desesperam e abandonam toda a ideia de decência. Poderiam igualmente dizer que, pelo fato de haver chapéus de muitos formatos diferentes, sendo alguns excêntricos, conclui-se que os chapéus não têm importância ou que não existem. Eles provavelmente acrescentariam que não existe isso que se chama de insolação ou calvície progressiva. Em todas as partes os homens perceberam que certas formalidades se faziam necessárias para isolar e proteger certas partes privadas contra o desprezo ou grosseiros mal-entendidos. E a manutenção dessas formalidades, quaisquer que tenham sido, favoreceu a dignidade e o respeito mútuo. O fato de que elas na sua maior parte se referem, de modo mais ou menos remoto, às relações dos sexos ilustra os dois fatos que devem ser colocados logo no início do registro da raça. O primeiro é o fato de que o pecado original é realmente original. Não apenas na teologia, mas também na história, trata-se de algo enraizado nas origens. Independentemente de qualquer outra coisa em que os homens acreditaram, todos eles acreditaram que há algo que afeta a humanidade. Esse senso de pecado tornou impossível ser natural e não vestir roupas, assim como tornou impossível ser natural e não ter leis. Mas acima disso tudo deve-se descobri-lo naquele outro fato, que é pai e mãe de todas as leis uma vez que se funda num pai e numa mãe; aquilo que existe antes de todos os tronos e até mesmo de todos os povos.
(G. K. CHESTERTON - O HOMEM ETERNO)