Cada palavra representa uma ponte entre mundos diferentes e, muitas vezes, é ilusório pensar em falar sobre a mesma coisa, só porque se usa a mesma palavra. Certamente você conhece a palavra êxtase, em primeiro lugar através do jargão juvenil, em especial, com o nome de uma droga chamada precisamente êxtase (ecstasy). Mas essa palavra vem de muito longe e nasceu mesmo na experiência religiosa dos místicos: significa sair fora de si. O significado que é comunicado ao associar a palavra êxtase a uma droga é, portanto, essencialmente, esse mesmo. Mas o que pode haver de comum entre a experiência de uma droga e a experiência de um místico? Enquanto isso, quero que você reflita sobre os muitos significados que damos à expressão "fora de si" na linguagem comum: significa enlouquecer, estar "fora da mente", "fora da cabeça", “perder a cabeça”. Enlouquece-se e perde-se a cabeça no sentido de idiotizar-se, mas também no sentido de se deixar preencher por um sentimento: fica-se louco de alegria, de dor, de amor, e sabemos também que entre o "idiotizar-se” e o inamorar-se há muitos pontos de contato. Portanto, utiliza-se a mesma expressão para coisas opostas umas às outras, mas também se descobre que há uma certa semelhança entre estas coisas . Assim como pode haver alguma semelhança entre o velho e o novo significado de êxtase. De acordo com o dicionário, êxtase é “estado supremo do conhecimento", o estado da alma arrebatada na contemplação de Deus. Talvez você tenha aprendido, através da história da arte (se não me ocorre de lembrar em que outra ocasião pode ter ouvido falar disso) que Santa Teresa de Ávila, foi uma santa 'especializada' em êxtase: há uma famosa escultura de Bernini, que é precisamente o êxtase de Santa Teresa, e talvez tendo em conta essa escultura já poderá imaginar o que é o êxtase. A mesma Teresa diz que no êxtase se sente a presença de Deus "não com olhos da cabeça nem com os olhos do coração": não com os sentidos nem com a emoção, mas simplesmente se sente "assim sem necessidade de qualquer artifício, mostram-se como dois amigos o seu amor mútuo. Aqui embaixo duas pessoas que tenham o intelecto acordado e se conheçam muito bem, entendem-se entre elas apenas com o olhar, mesmo sem palavras nem sinais. Algo semelhante acontece aqui: os dois amantes, a alma e Deus, se olham fixos um no outro, embora não possamos saber como. Assim como no Cântico dos Cânticos o Noivo fala para a Noiva, assim eu acho que é e eu ouvi o que acontece aqui. Veja que há uma referência a uma passagem bíblica que é o protótipo de uma metáfora – mas é mesmo uma verdadeira metáfora? – que estabelece um paralelo do conhecimento entre o noivo e a noiva, entre a alma e Deus. Veja então que há uma relação entre coisas que são vivenciadas por todos nós e coisas que foram sentidas apenas por pessoas excepcionais e em situações excepcionais: estas pessoas podem nos ajudar a entender melhor a nós mesmos e a nossa experiência, e eu quero que você perceba que nós ainda podemos nos comunicar com essas pessoas através dos livros que nos deixaram; dos livros irei falar depois. Há uma outra pessoa, o Mestre Eckart, que escreveu, mesmo antes de Teresa, em 1300, e que explica de forma semelhante como se pode chegar a sentir-se todo uno com Deus: "E como já foi dito do estar vazio e da nudez: quanto mais a alma é livre e desprovida de qualquer coisa criada, vazia de tudo o que não é Deus, tanto mais puramente se agarra a Deus e está em Deus, una com Deus e vê Deus face a face, não na imagem ou como um objeto. Igualmente eu digo da semelhança e do ardor do amor: quanto mais uma pessoa é semelhante à outra, muito mais rápida e impetuosamente corre atrás dela e tanto mais doce e deliciosa é a sua corrida; quanto mais se afasta de si mesmo tornando-se cada vez mais diferente de si mesmo... tanto mais se torna semelhante àquele que tende e para o qual se apressa". A 'nudez', despir-se de si mesmo, sentir-se abandonado e vazio é outro tema recorrente na mística e nos contemplativos, nos profetas, desde os tempos bíblicos, quando a experiência do deserto, representava, também no sentido físico, um passo importante para encontrar Deus. As palavras citadas não são outra coisa do que a descrição de como nos perdemos, perdemos a cabeça, de que falámos anteriormente. O "perder a cabeça ", o desejo de perdê-la, por isso não é um desejo insano, se porventura foi possível que pessoas tidas como mais atraentes e santas, construiram a própria santidade exatamente sobre a capacidade de perder-se e encontrar-se encontrando ao mesmo tempo a adesão a uma realidade que vai além do individual. Se hoje a capacidade de se perder não é mais apreciada é porque a necessidade humana de se sentir parte da criação, esta necessidade que normalmente se exprimia e se expressa em formas religiosas, não encontra mais resposta na vida social e, especialmente, os jovens que estão entrando no mundo com novos olhos, acabam se perdendo através de atalhos químicos que não admitem retorno, o que torna difícil o encontrar-se. Falei sobre estas coisas, então para convidar-vos a reconhecer melhor os vossos sentimentos, as vossas necessidades mais profundas, sem vergonha, porque só a partir da aceitação e do reconhecimento, é possível encontrar uma estrada positiva.