Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
SOMOS OS PRODUTORES DA NOSSA REALIDADE. Nós homens somos os únicos animais que fazem isso. Construir uma realidade é algo bastante ambicioso e sujeito a erros; alguém que pudesse nos ver de fora e analisar nosso comportamento como espécie bem poderia concluir que somos insanos. Que construímos para nós um imenso delírio, uma enorme fantasia da qual todos compartilhamos e passamos a chamar realidade.
A realidade única e definitiva, a que existe para todos sobre o planeta, é a natureza. Nosso mundo, nossas invenções, valores, linguagem, criações artísticas, dinheiro, tudo pertence primeiro ao imaginário depois é tornada real pela aceitação coletiva.
O que de mais real temos em nós é nossa fome, nosso instinto de defesa, instinto sexual, aquilo que provém da nossa natureza biológica. Tudo o mais é acréscimo que denominamos cultura.
A cultura nasce da interação entre nossas vivências externas e nosso complexo mundo interno. Ela está presente em ambos, mas resulta no lançamento daquilo que criamos internamente para o universo que nos cerca.
Porque o homem diferenciou-se mentalmente a ponto de fazer tudo isso? Não sabemos responder o que houve conosco. Temos hipóteses, mas não certezas.
Acredito que o desenvolvimento do cérebro, mais do que qualquer outro órgão, só pode ter derivado de uma necessidade de sobrevivência. Talvez fossemos uma espécie ameaçada da extinção pela fragilidade física e nosso caminho evolutivo tenha então encontrado esse desenvolvimento da inteligência como resposta possível. Através dela pudemos modificar o meio aumentando nossas chances de sobrevivência. Não nos adaptamos a ele através da aquisição de atributos físicos conferidos por mutações. Não desenvolvemos garras ou músculos mais fortes. Desenvolvemos, através do raciocínio e da criatividade, utensílios que os substituíssem.
A indagação mais profunda permanece: porque aconteceu desta forma? Temos exemplos de outras espécies que tem alguma sofisticação em sua organização como grupos, mas não criam como nós e tem vida efêmera.
Nossa vida é relativamente longa e o período de infância é o maior do reino animal. Os bebês homens vivem na companhia e na dependência de seus pais mais tempo que quaisquer outros filhotes. Imagino se daí não poderia ter surgido o fator que nos diferenciou.
Durante essa prolongada convivência, com tão íntima interação entre o adulto e sua cria, talvez possa ter nascido um tipo especial de laço afetivo mais profundo, que não chegue a desenvolver-se em outros animais. Tal apego a alguém, o que chamamos amor, pode ter sido razão suficiente para alterar o curso de um psiquismo primitivo que se regia apenas pelos instintos. Tal suposição baseia-se em que uma vez estabelecido um laço desta natureza, perder o objeto amado, agredi-lo ou abandoná-lo, pode ter se tornado mais penoso para nós.
A libido, que é a energia das pulsões amorosas, é um vínculo muito forte, pois se associa ao prazer. A vinculação afetiva, é a mãe do pesar. Se estamos amorosamente ligados a alguém, qualquer mal que lhe suceda ou que lhe causemos, despertará sofrimento em nós. Sentiremos sua falta ou nos colocaremos em seu lugar e haverá sentimentos desagradáveis nisto.
Suponho que passávamos muito tempo cuidando de nossas crias e tentando fazê-las sobreviver. As mães têm especial apego aos filhos e seu instinto leva-as a protegê-los até que possam cuidar de si mesmos. A mulher inventou a agricultura e isto não é difícil de entender observando de três pontos de vista:
A agricultura permitiu a fixação a um ponto geográfico, criação de uma ordem mais estável e com maiores possibilidades de sobrevivência. Os homens ficaram, porque são libidinalmente ligados à mulher. Não apenas pelo interesse sexual direto, mas porque são seus filhos e tiveram oportunidade de desenvolver com ela especial vínculo.
Acredito então, que nossa trajetória se tenha iniciado com um desenvolvimento e fixação maior da libido a uma determinada pessoa proporcionado pela estreita e longa convivência das mães com seus filhos.
A fixação à terra, com o advento da agricultura, deu inicio à vida em grupos organizados e a partir daí ao que se chama civilização. Ligar-se à terra tem uma analogia com ligar-se à mãe, à figura feminina. Fecundá-la e ser alimentado por ela.
Esta nova vida, mais fácil, deve ter permitido que o homem tivesse tempo para dedicar-se a outras atividades não diretamente ligadas à sobrevivência. Novas habilidades foram sendo adquiridas e armazenadas na memória, chegando a construir uma estrutura mental progressivamente mais complexa, até a sua forma atual, produtora da própria realidade.
(Manoelita Dias dos Santos - "A lógica da emoção, da psicanálise à física quântica")