O bem-estar, como o entendeis, não representa um fim, mas, pelo menos para nós, o fim! Significa um estado que acaba por tornar o homem ridículo e desprezível — que faz com que deseje a perdição. A escola da dor, da grande dor — não sabeis que esta escola permitiu ao homem atingir certas atitudes? Aquela tensão da alma na desventura, proveniente da própria força, os calafrios que o perpassam quando assiste a uma grande ruína, o engenho, a bravura que se demonstra no suportar, no perseverar, no interpretar, no desfrutar a desventura, tudo isso que a alma ganhou em profundidade, segredo, dissimulação, espírito, astúcia, grandeza, não há talvez conquistado sob o signo da dor, na escola da grande dor? No homem se encontram reunidos a criatura e o criador, no homem está a matéria, isto é o incompleto, o supérfluo, isto é, a argila, o lodo, o absurdo, o caos, mas no homem também está o sopro que cria, que plasma, isto é, a dureza do martelo, quer dizer, o espectador, a divina contemplação do sétimo dia observai o contraste entre vossa compaixão que é a revolta da "criatura que há no homem", isto é, aquilo que deve ser plasmado, estampado, batido como o ferro, afinado, passado pelo fogo e purificado — aquilo que deve e é constrangido a sofrer e a nossa compaixão? Não adivinhais contra que se revolta nossa compaixão, que se rebela contra a vossa, porque a vossa significa o resumo de toda debilidade? E então, compaixão contra compaixão! Mas, como já dissemos, existem problemas mais altos que aqueles que têm por objeto o prazer e o sofrimento e a compaixão e toda filosofia que se devesse ocupar exclusivamente disso, seria sempre uma criancice.
(FRIEDRICH WILHELM NIETZSCHE - ALÉM DO BEM E DO MAL ou PRELÚDIO DE UMA FILOSOFIA DO FUTURO)