O erotismo é o domínio da transgressão, da vitória sobre o interdito. O erotismo, emoção extrema, é a atividade sexual própria do homem, de um ser dotado de linguagem, que, buscando conscientemente a volúpia como fim, liga o prazer à transgressão. Os momentos de intensidade da existência são os momentos de excesso, de dissolução das formas constituídas e de fusão dos seres. Mas o erotismo não está dissociado da esfera do sagrado. Bataille distingue três tipos de erotismo: erotismo dos corpos, violação do ser dos parceiros que leva à morte, ao assassinato; erotismo dos corações, fusão dos corpos dos amantes pela paixão; erotismo sagrado, fusão ilimitada dos seres com um além da realidade imediata. Pode-se mesmo dizer que ele privilegia em sua análise o fenômeno da orgia religiosa anterior ao cristianismo, com o frenesi, a vertigem, a perda de consciência e da individualidade que o caracteriza, aspecto sagrado do erotismo, onde a transgressão não só era lícita, como exigida, ligando o horror do sacrifício à religião. O sentido fundamental do erotismo é religioso. Reciprocamente, o sentido das religiões está intimamente ligado ao erotismo. Seu principal exemplo é a orgia dionisíaca, considerada por ele um culto erótico e trágico. Eros é antes de tudo o deus trágico. Dioniso é o deus da festa, o deus da transgressão religiosa, o deus do êxtase, do excesso, da supressão do limite, da loucura, que recusa a lei, a regra da razão. O erotismo religioso é uma afirmação integral da vida. Como diz Bataille referindo-se à presença do mal na literatura moderna: “O Mal, nessa coincidência dos contrários, não é mais o princípio oposto de modo irremediável à ordem natural, que ele é nos limites da razão. A morte, sendo a condição da vida, o Mal, que se liga essencialmente à morte, é também, de um modo ambíguo, um fundamento do ser.”
(Roberto Machado - FOUCAULT, a filosofia e a literatura)