O termo refere-se a sexualidade, reações, motivos e comportamentos erotossexuais e suas representações culturais (ver também GÊNERO). No século XIX era concebido como um impulso instintivo cujas raízes mergulhavam na biologia reprodutiva e só externamente era regulado por normas sociais e culturais. A sexologia contemporânea é, porém, um campo multidisciplinar, uma espécie de triângulo eqüilátero que une perspectivas médico-biológicas, socioculturais e psicológicas. Diferentes disciplinas enfatizam aspectos específicos do sexo: fisiológicos, evolutivos, antropológicos, etológicos, socionormativos, cognitivos, motivacionais, semióticos etc. Essas abordagens são complementares, apesar da velha oposição entre o reducionismo biológico e o construtivismo sociológico.
A sexualidade humana não é um simples dado biológico que pode ser explicado em termos de biologia reprodutiva. Mesmo entre os animais superiores, o sexo é um comportamento multifuncional, pressupondo alguma espécie de socialização, aprendizagem social, etiqueta. Até algumas reações sexuais elementares, como a ereção ou a exibição do pênis, podem servir a fins não-sexuais, significando relações de poder, agressão, amizade etc. A sexualidade humana é uma espécie de construto histórico e sociocultural. Suas formas e seu conteúdo significativo só são compreensíveis ao contexto de uma cultura socionormativa como um todo, incluindo a estratificação de gênero, os estereótipos de masculinidade e feminilidade, a linguagem das emoções, as representações do corpo e as regras de decência verbal. A distinção entre motivos e ações erotossexuais e não-sexuais, em nível tanto individual quanto social, é convencional, dependendo dos valores gerais de uma sociedade. A oposição rígida de atrações sexuais e não-sexuais ou de amor e amizade é, em considerável grau, função de uma tradicional atitude anti-sexual, tentativa de isolar os “ignóbeis” sentimentos e experiências eróticos tabus dos outros aspectos da vida. Não só a sexualidade pode apresentar-se sob disfarce não-sexual, como “é tão plausível examinar o comportamento sexual por sua capacidade de expressar e servir a motivos não-sexuais quanto o inverso” (Gagnon e Simon, 1973, p.17).
Todas as sociedades estabelecem alguma espécie de diferença entre o tipo “certo” e o “errado” de sexo. Essas prescrições normativas são freqüentemente formuladas em linguagem médico-biológica, de modo que a conduta ou orientação moral ou socialmente desaprovada é rotulada de “anormal” e “patológica”. Mas alguns padrões de comportamento que são obviamente disfuncionais ou incorretos em um contexto, por exemplo, o contexto de reprodução ou de manutenção das relações de família, podem ser inteiramente funcionais e úteis em outro contexto (digamos, proporcionar satisfação emocional, sensação de bem-estar). Por trás de quaisquer definições normativas de sexualidade “certa” e “errada” estão sempre ocultas relações de poder, tais como o controle social dos homens sobre as mulheres, dos pais sobre os filhos, do estado sobre os indivíduos. A luta em torno dessas regras e definições é o cerne de toda a história da sexualidade.
Essa luta está sendo particularmente acerba nos dias atuais. A “revolução sexual” da segunda metade do século XX é resultado de várias tendências macrossociais, incluindo o colapso de um sistema tradicional de estratificação dos gêneros baseado no domínio masculino; mudanças nos estereótipos de masculinidade/feminilidade e nas correspondentes prescrições e expectativas do papel sexual; maior instabilidade e psicologização das relações conjugais; novas atitudes liberais em relação ao corpo e às emoções; um aumento geral da tolerância social a diferenças e ao inconformismo individuais; o enfraquecimento do controle parental, escolar e do grupo de pares sobre a sexualidade adolescente; o amadurecimento sexual mais precoce dos adolescentes; o progresso das técnicas anticoncepcionais, especialmente a invenção da pílula de controle da natalidade, libertando a mulher do temor da gravidez indesejada; o progresso da pesquisa e da educação sexuais.
Todas essas tendências têm uma profunda influência sobre as atitudes e o comportamento sexuais. Em todos os países industrializados, os jovens estão começando agora sua vida sexual mais cedo do que as gerações mais velhas. As atitudes em relação à sexualidade pré-marital passaram a ser mais tolerantes e, na maioria dos casos, tais relações são consideradas social e oralmente aceitáveis. A satisfação sexual tornou-se um dos mais importantes fatores no êxito e na estabilidade conjugais. As técnicas sexuais estão ficando mais sofisticadas e diversificadas; as pessoas mostram-se mais exigentes e têm maiores expectativas e preocupações acerca da qualidade de sua vida sexual.
As mudanças na sexualidade das mulheres são especialmente importantes. As diferenças de idade no começo da vida sexual de rapazes e moças foram consideravelmente reduzidas ou desapareceram por completo. As mulheres condenam com veemência o “duplo padrão” de moralidade sexual. Em resultado de atitudes sociais mais liberais, verifica-se um contínuo declínio nas taxas de frigidez sexual e de anorgasmia feminina. A sexualidade está se tornando um importante aspecto da nova identidade social e pessoal feminina.
A nova tolerância está gradualmente mudando o status social das minorias sexuais. A homossexualidade, em vez de ser tratada como vício moral ou, mais recentemente, como doença incurável, é agora considerada, sobretudo, um estilo de vida específico e, seja qual for a causa dessa orientação sexual, não deve ser usada como razão para discriminação social ou moral, nem para instauração de processo jurídico. Na maioria dos países europeus, as leis contra homossexuais foram revogadas e surgiram organizações de gays e lésbicas lutando por seus direitos humanos.
Considerado no seu todo, esse processo significa a individualização e a personalização da sexualidade, bem como a passagem do controle social externo para o autocontrole moral interno. Mas essas mudanças não são unilaterais e são muito contraditórias. Os roteiros sexuais têm importantes variações genéricas, étnicas, culturais e de grupo, entre outras. O enfraquecimento da regulamentação social da sexualidade, combinado com informações e conhecimentos inadequados, tem muitas conseqüências sociais e psicológicas indesejáveis: o recrudescimento em alguns países da taxa de gravidez adolescente e de aborto, o abuso sexual e epidemias de doenças sexualmente transmissíveis. A erótica comercializada ajuda a manipular a sexualidade humana, e extensos contatos sem amor nem envolvimento emocional estão transformando a liberdade sexual em alienação sexual. Os perigos do sexo irrestrito são fortemente enfatizados pela epidemia de Aids, a qual revitalizou muitos dos antigos temores e ansiedades sexuais, provocando uma situação de pânico moral. As pessoas conservadoras consideram a libertação sexual um estado de desorganização moral que leva à autodestruição da cultura e da sociedade. A alternativa para esses temores é o desenvolvimento da auto-regulamentação moral e a promoção de uma adequada educação sexual.
(William Outhwaite & Tom Bottomore - "Dicionário do pensamento social do século XX")