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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
O determinismo sustenta, em essência, que se pode prever o futuro se se souber tudo sobre o presente. Por exemplo, a grande contribuição de Newton à física foi o fato de que ele conseguia prever o movimento dos cometas, satélites e planetas, por meio de suas leis do movimento, uma vez que soubesse o estado presente do sistema solar. Durante séculos, os físicos se maravilharam com a precisão das leis de Newton, capazes de prever a posição de corpos celestes em princípio até milhões de anos no futuro. Na verdade, até aquela época, toda a ciência estava baseada no determinismo. Ou seja, um cientista pode prever o resultado de um experimento se souber a posição e a velocidade de todas as partículas. Os seguidores de Newton sintetizaram essa crença comparando o universo a um relógio gigantesco. Deus deu corda nesse relógio no princípio do tempo, e ele vem funcionando regularmente desde então de acordo com as leis do movimento de Newton. Se você souber a posição e velocidade de cada átomo do universo, poderá, mediante as leis do movimento de Newton, calcular a evolução subseqüente do universo com precisão infinita. Contudo, o princípio da incerteza negava tudo isto, afirmando ser impossível prever o estado futuro do universo. Dado um átomo de urânio, por exemplo, jamais se conseguiria calcular quando ele irá decair. O máximo que se consegue saber é a probabilidade de que isso aconteça. Na verdade, nem Deus ou uma divindade sabia quando o átomo de urânio iria decair.
Em dezembro de 1926, em resposta ao artigo de Born, Einstein escreveu:
A mecânica quântica merece grande respeito. Mas uma voz interior me diz que este não é o verdadeiro Jacó. A teoria oferece muita coisa, mas não nos aproxima muito mais do segredo do Homem Lá em Cima. De minha parte, estou convencido de que Ele não joga dados.
Ao comentar a teoria de Heisenberg, Einstein observou: “Heisenberg pôs um grande ovo quântico. Em Göttingen eles acreditam nesse ovo (eu não)”. O próprio Schrödinger detestou essa idéia. Ele certa vez afirmou que, se sua equação representava apenas probabilidades, ele se arrependia de ter sido autor dela. Einstein observou que teria preferido se tornar um “sapateiro ou funcionário de um cassino” se soubesse de antemão que a revolução quântica que ajudou a desencadear iria introduzir o acaso na física.
Os físicos estavam começando a se dividir em duas facções. Einstein liderou uma delas, que ainda se aferrava à crença no determinismo, uma idéia que remontava ao próprio Newton e que havia orientado os físicos durante séculos. Schrödinger e De Broglie eram aliados. A outra facção, bem maior, foi liderada por Niels Bohr, que acreditava na incerteza e defendia uma nova versão da causalidade, baseada em médias e probabilidades.
Bohr e Einstein eram, em certo sentido, o avesso um do outro também em outros aspectos. Enquanto Einstein, quando rapaz, detestava esportes e vivia grudado nos livros de geometria e filosofia, Bohr era um conhecido astro do futebol na Dinamarca. Enquanto Einstein falava vigorosa e dinamicamente, escrevia de modo quase lírico e se envolvia em diálogos espirituosos com jornalistas e até com a realeza, Bohr era rígido, muito rabugento, costumava ser inexpressivo e inaudível e tinha o hábito de repetir a mesma palavra sem parar quando absorto em pensamentos. Enquanto Einstein era capaz de escrever sem esforço um texto elegante e bonito, Bohr tinha bloqueio quando precisava escrever um artigo. Quando aluno do curso secundário, costumava ditar todos os seus trabalhos à mãe. Depois que se casou, passou a ditá-los à esposa (chegando a interromper a lua-de-mel para ditar um artigo longo e importante). Às vezes, mobilizava seu laboratório inteiro na revisão de seus artigos, em certa ocasião mais de cem vezes, perturbando totalmente o trabalho. (Certa ocasião, quando pediram a Wolfgang Pauli que fizesse uma visita a Bohr em Copenhague, ele respondeu: “Se a última prova já tiver sido enviada, eu irei”.) Ambos, porém, viviam obcecados por seu primeiro amor: a física. Bohr, na verdade, era capaz de rabiscar equações na trave durante um jogo de futebol se sentisse uma súbita inspiração. Ambos também aguçavam seus pensamentos valendo-se dos outros como caixas de ressonância para as próprias idéias. (Estranhamente, Bohr só conseguia avançar se tivesse auxiliares em torno que comentassem suas idéias. Sem um auxiliar cujos ouvidos pudesse alugar, ele não conseguia nada.)
(...)
A apresentação mais clara da posição de Einstein sobre determinismo e incerteza foi esta: “Sou um determinista, compelido a agir como se o livre-arbítrio existisse, porque, se desejo viver numa sociedade civilizada, preciso agir de modo responsável. Sei filosoficamente que um assassino não é responsável por seus crimes, mas prefiro não tomar chá com ele. [...] Não tenho controle nenhum, sobretudo no caso daquelas glândulas misteriosas em que a natureza prepara a própria essência da vida. Henry Ford pode chamá-lo de sua Voz Interior, Sócrates referiu-se a seu daimon: cada homem explica à sua própria maneira o fato de que a vontade humana não é livre. Tudo é determinado, o início bem como o fim, por forças sobre as quais não temos nenhum controle. É determinado para o inseto, tanto quanto para a estrela. Os seres humanos, vegetais ou a poeira cósmica, todos dançamos ao compasso de um tempo misterioso, entoado à distância por um músico invisível” (Brian, p. 185).
(Michio Kaku - "O cosmo de Einstein")