
O filósofo Martin Buber disse: “Toda vivência real é encontro.” Ele compreendeu que somente nos relacionamentos podemos nos abrir inteiramente para o mundo e uns aos outros. Buber escreveu que o “diálogo genuíno”, quer falado ou silencioso, ocorre quando cada um dos participantes tem realmente em vista o outro ou outros em seu “ser presente e particular e volta-se para eles com a intenção de estabelecer uma relação viva e mútua entre ele próprio e os outros”. Eu acrescentaria que, para se conectar significativamente com outra pessoa, uma tem de estar aberta. Isso significa ser não o que pensamos que deveríamos ser, mas nos permitir ser quem realmente somos. Isso normalmente envolve se arriscar a se sentir vulnerável. Estar aberto e, portanto, vulnerável, não é garantia de que nos conectaremos com o outro, mas se não nos permitimos nos sentir vulneráveis, negamos a nós mesmos a possibilidade de experimentar um diálogo genuíno.
Buber também descreve outras duas maneiras de estar com os outros. Primeiro é o “diálogo técnico”, provocado apenas pela necessidade de compreensão objetiva. Por exemplo:
— Que tipo de bateria preciso para isto?
— Bateria do tipo AAA.
Segundo, o “monólogo disfarçado de diálogo”, no qual duas pessoas que pensam que estão tendo uma conversa estão, na verdade, falando consigo mesmas. Jane Austen, em A abadia de Northanger, capturou este processo de forma brilhante.
[A sra. Allen] nunca se sentia satisfeita com seu dia a não ser que passasse a maior parte dele ao lado da sra. Thorpe, no que elas chamavam de conversa, mas na qual quase não havia troca de opinião, e não raramente nenhuma semelhança de assunto, pois a sra. Thorpe falava principalmente dos filhos e a sra. Allen de seus vestidos.
Mentalização
O psicanalista Peter Fonagy cunhou a palavra “mentalização”. Ela significa a habilidade de compreender nossa experiência interior e, a partir daí, entender com exatidão os sentimentos da outra pessoa. Esse processo nos dá a habilidade de criar e sustentar relacionamentos saudáveis. Se tudo correr bem, nossos primeiros cuidadores fazem naturalmente esse processo de mentalização e nós o adquirimos inconscientemente deles. Esse processo é auxiliado pela auto-observação, porque, ao nos desenvolvermos e nos tornarmos mais sensíveis a nossos próprios sentimentos, também nos tornamos mais sensíveis ao que as outras pessoas estão sentindo. Isso não significa projetar nossos próprios pensamentos nos outros, mas compreender, no nível do sentimento, que o modo como eles sentem e pensam pode ser diferente do nosso.
Se acharmos as pessoas tão imprevisíveis a ponto de sermos incapazes de nos relacionar, então é provável que o processo de mentalização esteja nos decepcionando. Há tanta coisa não falada e inconsciente no processo de relação com o outro, que a única maneira de descobri-la é no relacionamento com outra pessoa. Se nossos primeiros cuidadores não conseguirem esboçar a mentalização, não a aprenderemos com eles. Mas o cérebro é plástico. Podemos aprendê-la mais tarde, com o psicoterapeuta ou em outros relacionamentos íntimos. Quando começamos a compreender como é a sensação de ser profundamente compreendido, podemos começar a entender os outros e a ter relacionamentos gratificantes.
Quando a psicoterapia começou, a ênfase era na escuta profissional do paciente e na interpretação do que ele dizia, de modo a lhe permitir insights sobre sua psique. Mas hoje compreendemos que a parte mais curativa da psicoterapia é o relacionamento em si. Aparentemente, não é relevante se o terapeuta é um analítico freudiano ou um aconselhador rogeriano (Carl Rogers fundou a psicologia humanista baseada na empatia em vez de na interpretação.), ou se é de uma escola eclética ou um analista transacional ou um coach. O que importa é a qualidade do relacionamento e a crença que o profissional tem sobre aquilo que está oferecendo. Da mesma forma, nossa sanidade e felicidade terão mais a ver com nossos relacionamentos interpessoais do que com como está o tempo, ou em que trabalhamos ou quais são nossos hobbies. Ficamos por aí, ganhamos a vida, conquistando coisas e fazendo alarde de tudo isso (ou não), mas o que mais nos afeta são as pessoas à nossa volta: nossos pais, nossos filhos, nossos amantes, nossos colegas, nossos vizinhos e nossos amigos. Como diz o psicoterapeuta Louis Cozolino: “Desde o nascimento até a morte, todos nós precisamos de outros que nos procurem, que mostrem interesse em descobrir quem somos e que nos ajudem a nos sentir seguros.” Um consultor em traumas faz uma descrição um pouco mais dura: “Todo mundo deveria caminhar por um pronto-socorro pelo menos uma vez na vida. Porque isso nos faz perceber quais são as nossas prioridades. Não é o corre-corre nem o dinheiro; são as pessoas que amamos e o fato de que num minuto elas podem estar aqui e no outro podem ter partido.”
Estar ligado a outras pessoas é a parte vital — o vital — de se permanecer são.
(Philippa Perry – “Como manter a mente sã”)