A modernidade é inerentemente globalizante — isto é evidente em algumas das mais básicas características das instituições modernas, incluindo em particular sua ação de desencaixe e reflexividade. Mas o que é exatamente a globalização e como pode ser melhor conceituado o fenômeno? Devo aqui considerar estas questões de forma algo extensa, pois a importância central dos processos de globalização hoje, dificilmente tem sido correspondida por discussões abrangentes do conceito na literatura sociológica. Podemos começar recapitulando certas colocações feitas antes. A importância indevida que os sociólogos têm conferido à idéia de "sociedade", no que ela significa um sistema limitado, deveria ser substituída por um ponto de partida que se concentra em analisar como a vida social é ordenada através do tempo e do espaço — na problemática do distanciamento tempo-espaço. A estrutura conceitual do distanciamento tempo-espaço dirige nossa atenção às complexas relações entre envolvimentos locais (circunstâncias de co-presença) e interação através de distância (as conexões de presença e ausência). Na era moderna, o nível de distanciamento tempo-espaço é muito maior do que em qualquer período precedente, e as relações entre formas sociais e eventos locais e distantes se tornam correspondentemente "alongadas". A globalização se refere essencialmente a este processo de alongamento, na medida em que as modalidades de conexão entre diferentes regiões ou contextos sociais se enredaram através da superfície da Terra como um todo.
A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção anversa às relações muito distanciadas que os modelam. A transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a extensão lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço. Assim, quem quer que estude as cidades hoje em dia, em qualquer parte do mundo, está ciente de que o que ocorre numa vizinhança local tende a ser influenciado por fatores — tais como dinheiro mundial e mercados de bens — operando a uma distância indefinida da vizinhança em questão. O resultado não é necessariamente, ou mesmo usualmente, um conjunto generalizado de mudanças aluando numa direção uniforme, mas consiste em tendências mutuamente opostas. A prosperidade crescente de uma área urbana em Singapura pode ter suas causas relacionadas, via uma complicada rede de laços econômicos globais, ao empobrecimento de uma vizinhança em Pittsburgh cujos produtos locais não são competitivos nos mercados mundiais.
Um outro exemplo dos muitos que poderiam ser oferecidos é o da ascensão dos nacionalismos locais na Europa e em outros lugares. O desenvolvimento de relações sociais globalizadas serve provavelmente para diminuir alguns aspectos de sentimento nacionalista ligado aos estados-nação (ou alguns estados), mas pode estar causalmente envolvido com a intensificação de sentimentos nacionalistas mais localizados. Em circunstâncias de globalização acelerada, o estado-nação tornou-se "muito pequeno para os grandes problemas da vida, e muito grande para os pequenos problemas da vida" (Daniel Bell, "The World and the United States in 2013"). Ao mesmo tempo em que as relações sociais se tornam lateralmente esticadas e como parte do mesmo processo, vemos o fortalecimento de pressões para autonomia local e identidade cultural regional.
(Anthony Giddens - "Modernidade e Identidade")