
Jesus e Sócrates são certamente os dois homens mais influentes que já existiram, pois dão origem aos dois principais segmentos da civilização Ocidental: a cultura bíblica (judaico-cristã) e a clássica (greco-romana). Assim como Jesus é o centro da primeira, Sócrates o é para a segunda. O que caracteriza a nossa civilização de forma mais óbvia, ou seja, o evento secular de maior sucesso da História, é a tecnologia. Esta, por sua vez, é fruto da ciência, que é conseqüência da filosofia; esta última a grande herança de Sócrates.
Sócrates e Jesus nunca escreveram um livro nem fundaram uma escola ou viajaram pelo mundo, não militaram na política nem tiveram alguma ambição terrena. Tomás de Aquino explicou que Cristo nunca ensinou por meio da escrita porque sua doutrina era de ordem suprema; sua pessoa e sua vida eram uma doutrina perfeita e completa, que dispensava ser incluída em um livro com palavras e ensino de segunda mão. Em seguida, Aquino acrescenta: "à semelhança de Sócrates entre os filósofos".
Kierkegaard — que disse que cada palavra escrita por ele foi unicamente sobre uma coisa: o que significa SER um cristão [o ponto de vista de meu trabalho como autor] — via Sócrates como a perfeita pedra de toque de Jesus. Como poderia alguém superar Sócrates? Haveria alternativa para a sua busca ardorosa e sincera da verdade, pelo modesto método de questionamento? Seria possível a Verdade nos alcançar em vez de nós a ela? A Verdade deveria chegar até nós de fora para dentro em vez de fazê-lo de dentro para fora? Kierkegaard desenvolveu seu "experimento mental" adotando pormenorizadamente o ponto de vista do filósofo socrático; em seguida, comparou, com minúcias, a doutrina de Jesus com a de Sócrates em "A Project of Thought" [Um projeto mental], capítulo 1, da obra Migalhas filosóficas. É a comparação mais esclarecedora que conheço entre os dois maiores homens da História e, quando a li, pensei: "isso não pode parar aqui, precisa dar frutos".
A outra fonte de inspiração deste livro relata um dos encontros mais decisivos da História: o primeiro encontro entre um discípulo de Jesus e os discípulos de Sócrates. O dramático relato daquele dia que mudou o mundo pode ser encontrado no Novo Testamento:
Enquanto esperava por eles em Atenas, Paulo ficou profundamente indignado ao ver que a cidade estava cheia de ídolos. Por isso, discutia na sinagoga com judeus e com gregos tementes a Deus, bem como na praça principal, todos os dias, com aqueles que por ali se encontravam. Alguns filósofos epicureus e estóicos começaram a discutir com ele. Alguns perguntavam: "O que está tentando dizer este tagarela?" Outros diziam: "Parece que ele está anunciando deuses estrangeiros", pois Paulo estava pregando as boas novas a respeito de Jesus e da ressurreição. Então o levaram a uma reunião do Areópago, onde lhe perguntaram:
"Podemos saber que novo ensino é esse que você está anunciando? Você está nos apresentando algumas idéias estranhas, e queremos saber o que elas significam". Todos os atenienses e estrangeiros que ali viviam não se preocupavam com outra coisa senão falar ou ouvir as últimas novidades.
Então Paulo levantou-se na reunião do Aerópago e disse: "Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocês são muito religiosos, pois, andando pela cidade, observei cuidadosamente seus objetos de culto e encontrei até um altar com esta inscrição: AO DEUS DESCONHECIDO. Ora, o que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio". (At 17.16-23)
O apóstolo Paulo, no legítimo centro da idolatria mundial, encontra adoradores do verdadeiro Deus e assim se expressa: "Ora, o que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio". Como isso foi possível? Eles devem ter sido discípulos de Sócrates.
Sócrates era um lapidário [escultor] e deve ter, literalmente, entalhado a inscrição a que Paulo se referia. Certamente, o "DEUS DESCONHECIDO" era o Deus de Sócrates; na verdade, Sócrates foi um mártir desse Deus. Está claro na Apologi33— o maior discurso de Sócrates em defesa de sua vida e de sua vocação à filosofia — "o amor da sabedoria" (uma vocação cuja origem ele sempre atribuiu a "Deus"), quando Atenas colocou sob julgamento tanto ele quanto a sua vocação à filosofia. Se Sócrates tivesse sido capaz tão-somente de confessar verdadeira e honestamente o nome de um único deus reconhecido por Atenas em seu julgamento, ele não teria sido executado por ateísmo. Mas ele não podia fazer isso. Não sabia quem era o verdadeiro Deus, mas tinha convicção de quem não era. E Sócrates não trairia a verdade mais que um cristão temente pudesse trair a Cristo. Sabia de uma coisa: qualquer que fosse o verdadeiro Deus, esse era o Deus da verdade.
Quatro séculos depois da morte de Sócrates, viveu um homem que afirmava ser esse o Deus verdadeiro, o Criador torna-se criatura, o Filho primogênito do Pai, a eterna Palavra (Logos, Mente, Razão) de Deus. Esse homem, que declarava ser a Verdade (Jo 14.6), prometeu que todos os que buscassem encontrariam (Mt 7.8; Lc 11.10). Ele certamente não estava falando sobre poder, dinheiro ou sucesso terrestre, pois esses eram os anseios que dominavam o coração daqueles que não o reconheciam como seu Messias e Salvador, pois ele não os livrou desses inimigos nem dos romanos. Quando ele disse que todo aquele que busca encontra, referia-se à verdade, porque prometeu que "a verdade os libertaria". (Jo 8.32). Também estava falando de si mesmo, porque disse: " 'Portanto, se o Filho os libertar, vocês de fato serão livres' " (Jo 8.36). Se Jesus é a Verdade e se Sócrates buscou a verdade de todo o coração (o que, naturalmente, só Deus sabe), e se a Verdade não mente, e prometeu que todos os que buscam o encontrarão, então temos todas as razões para acreditar que Sócrates a encontrou. Não nos é possível ter certeza sobre Sócrates, mas podemos ter certeza sobre Cristo.
( Peter Kreeft - "Sócrates e Jesus, O debate")
