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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
Apesar de estarmos principiando o século 21, o "inconsciente coletivo" do mundo ocidental parece estar ainda marcado pelo cientificismo preconceituoso do século passado e retrasado. A literatura popular, o cinema, a mídia, os livros didáticos, continuam reforçando a obsessão evolucionista que se apóia em pelo menos três tipos de preconceitos: a) o Passado é sinônimo de atraso e ignorância inocente; b) a verdade é uma conquista inevitável da racionalidade progressiva; c) a Ciência é instrumento de redenção da humanidade em geral.
Willian de Baskerville, personagem central da magnífica obra de Umberto Eco O nome da rosa, diz que "talvez a tarefa de quem ama os homens seja fazer rir da verdade, fazer rir a verdade, porque a única verdade é aprendermos a nos libertar da paixão insana pela verdade". O monge diz isso na noite do sétimo dia, ao contemplar a abadia em chamas e, na mesma seqüência, alerta seu discípulo Adso: "Teme os profetas e os que estão dispostos a morrer pela verdade, pois de hábito levam à morte, muitíssimos consigo, freqüentemente antes de si, às vezes em seu lugar".
Esse tipo de mentalidade dominante criticada por Eco não abre espaço para a relatividade histórica e nem para a compreensão das condições de produção do conhecimento; mais ainda, deixa entrever a fatalidade dos destinos coletivos serem conduzidos apenas e unicamente por aqueles homens que partilhem do acesso exclusivo ao mundo do saber.
A maioria de nossa população está estigmatizada — involuntariamente — por uma compreensão do real como um produto acabado, finito; também a compreensão do produto científico (da teoria, principalmente) fica reclusa dentro de um determinismo histórico bastante fixista ou — quando muito — de "inspirações individuais" dos cientistas e pensadores famosos. Por não vislumbrarem o aspecto processual do passado, muitos não conseguem perceber a continuidade disso e, conseqüentemente, a idéia de transformação da realidade ou de elaboração de conhecimentos adquire um sentido quase mágico ou transcendental.
É por isso que, já em 1933, W. E. B. Du Bois, um líder norte-americano na luta pelos direitos civis, afirmava que "há certos livros no mundo que todo aquele que procura a verdade deve conhecer: a Bíblia, a Crítica da razão pura, a Origem das espécies, e O capital de K. Marx".
Religião, Filosofia, Ciências Naturais e Economia Política são fontes múltiplas e interdisciplinares indicadas por Du Bois para a construção da verdade. No capítulo 6 d'O sinal dos quatro, Sherlock Holmes, a criação de Conan Doyle que inspirou o Willian de Umberto Eco, diz que "quando você eliminou o impossível, tudo o que restar, por mais que improvável, deve ser a verdade".
Para os que sofrem de síndrome persecutória e se consideram proprietários da verdade não podemos esquecer do alerta de Oscar Wilde: "uma coisa não é forçosamente verdadeira só porque um homem morreu por ela". E o mesmo que pensa o paleontologista Stephen Jay Gould; no seu Darwin e os grandes enigmas da vida enuncia ironicamente: "acontece que um homem não atinge a condição de Galileu simplesmente por ter sido perseguido; ele também precisa estar certo". No entanto, para além da vã filosofia, vale o pensamento de Arthur Koestler: "A distinção entre o verdadeiro e o falso aplica-se às idéias, não aos sentimentos. Um sentimento pode ser superficial, mas não mentiroso".
(Mario Sergio Cortella - "Não espere pelo epitáfio")