O solitário [...] duvida até que um filósofo possa ter opiniões “verdadeiras e últimas”; ele se pergunta se não há nele, necessariamente, por trás de cada caverna uma outra que se abre, mais profunda ainda, e abaixo de cada superfície um mundo subterrâneo mais vasto, mais estranho, mais rico, e sob todos os fundos, sob todas as fundações, um âmago mais profundo ainda. “Toda filosofia é uma fachada” — tal é o juízo do solitário [...]. Toda filosofia dissimula uma outra filosofia, toda opinião é um esconderijo, toda palavra pode ser uma máscara.
(Nietzsche - Além do Bem e do Mal)
“Arrancar a máscara” é evidenciar a verdadeira face, revelando a expressão legítima, oculta pelo disfarce. Tornar público o escondido.
Na Grécia e em Roma os atores representavam sempre mascarados. A máscara denunciava o caráter do personagem em cena. Não se via o rosto do artista que vivia o papel humorístico ou trágico. A máscara, impassível, valia permanentemente pela figura.
Quando o ator trabalhava mal, irritando os espectadores pelo desempenho inferior e falso, a assistência, grega ou romana, podia exigir que tirasse a máscara do rosto, exibindo-se em sua veracidade fisionômica, para que recebesse diretamente a demonstração do desagrado coletivo.
Quando algum ator era obrigado a arrancar a máscara, subentendia-se a infelicidade da interpretação artística. Estava, pelo menos naquela ocasião, repelido das simpatias e dos aplausos.
Identificara-se o responsável pelo fracasso na legitimidade das feições. Já desapareceu, há duzentos anos, o uso da máscara nos palcos, mas a frase, nascida de um milenar direito do auditório, continua sendo aplicada aos motivos inteiramente alheios ao teatro.
É uma das contemporaneidades do milênio.
(LUÍS DA CÂMARA CASCUDO - COISAS QUE O POVO DIZ)
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... tudo, absolutamente tudo, não passam de palavras repetidas, de mentiras antes contadas, de sensações conhecidas, de ilusões alimentadas, de canções já tocadas, de erros vividos. [ des-pedaços de mentiras já ditas ] |
E ainda, porque o carnaval agora dura todo o ano, vale a pena lembrar a reflexão do filósofo Shopenhauer:
O nosso mundo civilizado não passa duma grande palhaçada. Encontram-se aí cavaleiros, frades, soldados, doutores, advogados, padres, filósofos, e que mais? Não são, porém o que representam: são simples máscaras sob as quais se ocultam geralmente especuladores de dinheiro. Um ostenta a máscara da justiça e do direito com o auxílio dum advogado, para melhor prejudicar o seu semelhante; outro, com o mesmo fim, escolheu a máscara do bem público e do patriotismo; um terceiro o da religião, da fé imaculada. Para toda a espécie de desígnios secretos, mais de um se ocultou sob a máscara da filosofia, etc. As mulheres têm menos por onde escolher: servem-se a maior parte das vezes da máscara da virtude, do pudor, da simplicidade, da modéstia. Há também máscaras gerais, sem carácter especial, como os dominós nos bailes de máscaras e que se encontram em toda a parte: essas simulam a honestidade rígida, a delicadeza, a simpatia sincera e a amizade caricata. Quase sempre, não há, como já disse, senão puros industriais, comerciantes, especuladores debaixo de todas essas máscaras. Sob este ponto de vista a única classe honesta é a dos negociantes, porque se apresentam como são e passeiam de rosto descoberto: por isso os colocaram no ponto inferior da escala. O médico vê o homem em toda a sua fraqueza; o jurista vê-o em toda a sua maldade; o teólogo, em toda a sua imbecilidade.
(Schopenhauer - A METAFÍSICA DO AMOR)