Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]




OS “MELHORADORES” DA HUMANIDADE

por Thynus, em 07.06.17
 
 
Por mais que surjam embusteiros melhoradores do mundo e prometedores de salvação ou de paraísos ideais, sempre estaremos condenados ao limite de sermos humanos. O super-homem ao qual se refere o grande pensador alemão Friedrich Nietzsche não é aquele super-herói salvador, mas o homem que vive a vida na vida e não recorre a neuroses metafísicas para justificar suas ações.
 

1.
      Conhece-se minha exigência ao filósofo, de colocar-se além do bem e do mal — de ter a ilusão do julgamento moral abaixo de si. Tal exigência resulta de uma percepção[51] que fui o primeiro a formular: de que não existem absolutamente fatos morais. O julgamento moral tem isso em comum com o religioso, crê em realidades que não são realidades. Moral é apenas uma interpretação de determinados fenômenos, mais precisamente, uma má interpretação. O julgamento moral é parte, como o religioso, de um estágio de ignorância em que falta inclusive o conceito de real, a distinção entre real e imaginário: de modo que “verdade”, nesse estágio, designa coisas que agora chamamos de “quimeras”. Portanto, o julgamento moral nunca deve ser tomado ao pé da letra: assim ele constitui apenas contra-senso. Mas como semiótica[52] é inestimável: revela, ao menos para os que sabem, as mais valiosas realidades das culturas e interioridades que não sabiam o bastante para “compreenderem” a si próprias. Moral é apenas linguagem de signos, sintomatologia: é preciso saber antes de que se trata, para dela tirar proveito.

   2.
      Eis um primeiro exemplo, bastante provisoriamente. Sempre se quis “melhorar” os homens: sobretudo a isso chamava-se moral. Mas sob a mesma palavra se escondem as tendências mais diversas. Tanto o amansamento da besta-homem como o cultivo de uma determinada espécie de homem foram chamados de “melhora”: somente esses termos zoológicos exprimem realidades — realidades, é certo, das quais o típico “melhorador”, o sacerdote, nada sabe — nada quer saber... Chamar a domesticação de um animal sua “melhora” é, a nossos ouvidos, quase uma piada. Quem sabe o que acontece nas ménageries duvida que a besta seja ali “melhorada”. Ela é enfraquecida, tornada menos nociva; mediante o depressivo afeto do medo, mediante dor, fome, feridas, ela se torna uma besta doentia. — Não é diferente com o homem domado, que o sacerdote “melhorou”. Na Alta Idade Média, quando, de fato, a Igreja era sobretudo uma ménagerie[53], os mais belos exemplares da “besta loura”[54] eram caçados em toda parte — foram “melhorados”, por exemplo, os nobres germanos. Mas que aparência tinha depois esse germano “melhorado”, conquistado para o claustro? A de uma caricatura de homem, de um aborto: tornara-se um “pecador”, estava numa jaula, tinham-no encerrado entre conceitos terríveis... Ali jazia ele, doente, miserável, malevolente consigo mesmo; cheio de ódio para com os impulsos à vida, cheio de suspeita de tudo o que ainda era forte e feliz. Em suma, um “cristão”... Em termos fisiológicos: na luta contra a besta, tornar doente pode ser o único meio de enfraquecê-la. Isso compreendeu a Igreja: ela estragou o ser humano, ela o debilitou — mas reivindicou tê-lo “melhorado”...
 
 

        3.

      Tomemos o outro caso do que chamam moral, o do cultivo de uma determinada raça e espécie. O mais formidável exemplo dele é fornecido pela moral indiana, sancionada como religião na forma da “Lei de Manu”[55]. Aí se propõe a tarefa de cultivar não menos que quatro raças de vez: uma sacerdotal, uma guerreira, uma de mercadores e agricultores e, por fim, uma raça de servidores, os sudras. Evidentemente, aí já não estamos entre domadores de animais: uma espécie de homem cem vezes mais branda e mais razoável é o pressuposto para simplesmente conceber o plano de tal cultivo. Respira-se aliviado, quando se deixa o ar cristão de doença e masmorra e se adentra esse mundo mais são, mais elevado, mais amplo. Quão miserável é o Novo Testamento ao lado de Manu, como cheira mal! — Mas também essa organização tinha necessidade de ser terrível — dessa vez não em luta com a besta, mas com a noção oposta a essa, o homem do não-cultivo, o homem-mixórdia, o chandala. E novamente não teve outro recurso para torná-lo inofensivo, fraco, a não ser torná-lo doente — era a luta com o “grande número”. Talvez nada contrarie mais nossa sensibilidade do que essas medidas de proteção da moral indiana. O terceiro edito, por exemplo (Avadana-Sastra i), o “dos vegetais impuros”, decreta que a única alimentação permitida aos chandalas seja alho e cebola, visto que as escrituras sagradas proíbem dar-lhes cereais ou frutos que contenham grãos, ou água, ou fogo. O mesmo edito estabelece que a água que necessitam não pode ser retirada dos rios, nem das fontes ou dos lagos, mas somente das vias de acesso aos pântanos e dos buracos deixados pelos pés dos animais. Igualmente lhes é proibido lavar sua roupa e lavar a si mesmos, pois a água que lhes é concedida graciosamente pode ser usada apenas para matar a sede. Por fim, há a proibição de as mulheres sudras assistirem as mulheres chandalas no parto, e também de essas últimas assistirem uma a outra... — O resultado de tal policiamento sanitário não deixou de aparecer: epidemias assassinas, horríveis doenças venéreas e, depois, novamente a “lei da faca”, prescrevendo a circuncisão dos meninos e a remoção dos pequenos lábios das meninas. — O próprio Manu diz: “Os chandalas são fruto do adultério, do incesto e do crime (— esta é a conseqüência necessária do conceito de cultivo). Eles só devem ter por vestimenta os farrapos dos cadáveres; por louça, vasilhames quebrados; por adornos, pedaços velhos de ferro; por culto religioso, somente os maus espíritos. Eles devem errar entre um lugar e outro sem descanso. É-lhes proibido escrever da esquerda para a direita e servir-se da mão direita para escrever: o uso da mão direita e da escrita da esquerda para a direita é reservado aos virtuosos, às pessoas de raça”. —

         4.

      Essas disposições são muito instrutivas: nelas temos a humanidade ariana, totalmente pura, totalmente primordial — vemos que o conceito de “sangue puro” é o oposto de um conceito inócuo. Por outro lado, torna-se claro em qual povo se eternizou o ódio, o ódio de chandala a essa “humanidade”, onde ele se tornou religião, onde se tornou gênio... Desse ponto de vista os evangelhos são um documento de primeira ordem; e mais ainda o livro de Enoque. — O cristianismo, de raiz judaica e compreensível apenas como produto deste solo, representa o movimento oposto a toda moral do cultivo, da raça, do privilégio: — é a religião antiariana par excellence [por excelência]: o cristianismo[56], a tresvaloração de todos os valores arianos, o triunfo dos valores chandalas, o evangelho pregado aos pobres, aos baixos, a revolta geral de todos os pisoteados, miseráveis, malogrados e desfavorecidos contra a “raça” — a imorredoura vingança chandala como religião do amor...

   5.

      A moral do cultivo e a moral da domesticação são inteiramente dignas uma da outra nos meios de se imporem: podemos colocar como princípio máximo que, para fazer moral, é preciso ter a vontade incondicional do oposto. Este é o grande, o inquietante problema que persegui mais longamente: a psicologia dos “melhoradores” da humanidade. Um fato pequeno e, no fundo, modesto, o da chamada pia fraus [mentira piedosa][57], permitiu-me o primeiro acesso a este problema: a pia fraus, a herança de todos os filósofos e sacerdotes que “melhoraram” a humanidade. Nem Manu, nem Platão, nem Confúcio,[58] nem os mestres judeus e cristãos duvidaram jamais de seu direito à mentira. Não duvidaram de outros direitos... Expresso numa fórmula, pode-se dizer: todos os meios pelos quais, até hoje, quis-se tornar moral a humanidade foram fundamentalmente imorais --

Melhoradores do mundo e suas obsessões
 
NOTAS:
  1. “Percepção”: Einsicht— as outras versões trazem: “ponto de vista”, “intelecção”, intuición, idea, examen, insight, idem, idem; cf. Além do bem e do mal (São Paulo, Companhia das Letras, 1992), nota 67. Pouco adiante, “quimeras” foi a versão dada a Einbildungen — as traduções consultadas apresentam: “imaginações”, “construções imaginárias”, imaginaciones, chimere, imagination, imaginings, idem, illusions. 
  2. “semiótica”: Semiotik, no original; o termo é aqui usado, como se vê logo adiante, no sentido médico de “sintomatologia”; cf. outro uso do termo em Ecce homo, “As extemporâneas”, 3. 
  3. “ménagerie, s. f. Coleção de animais exóticos e raros para estudo ou recreio. || Coleção de feras que se mostram em jaulas pelas feiras, etc. || Estábulo, pátios onde se criam animais domésticos” (Domingos de Azevedo, Grande dicionário francês/português, 8a ed., Lisboa, Bertrand, 1984). 
  4. “besta loura”: esta expressão, que viria a se tornar famosa, foi usada primeiramente na Genealogia da moral (dissertação i, 11, e ii, 17); esta parece ser a única outra ocasião em que ela aparece. 
  5. “Lei de Manu”: o mais importante dos tratados jurídico-morais hindus, atribuído ao próprio Manu, filho do deus Brahma e pai da raça humana. Nietzsche encontrou excertos dessa obra no livro Les législateurs religieux: Manou — Moïse — Mahomet, de Louis Jacolliet (Paris, 1876), que muito o impressionou, como se vê por uma carta de maio de 1888 (cf. apêndice deste volume). No código de Manu são estabelecidas as quatro castas indianas, mencionadas em seguida no texto: os sacerdotes (brâmanes), os guerreiros (xátrias), os comerciantes e agricultores (vaixás) e os sudras ou párias, os “intocáveis” (“chandalas”, termo que Nietzsche usará com mais freqüência). 
  6. Tanto na edição de Karl Schlechta como na de Colli e Montinari, não há vírgula após “cristianismo”. Dos demais tradutores, um seguiu à risca o original, um acrescentou um travessão, dois acrescentaram um “é”, e quatro optaram também pela vírgula. 
  7. pia fraus: expressão tirada das Metamorfoses (ix, 711), do poeta romano Ovídio (43 a. C.-18 d. C.); designa um logro realizado com boa intenção; cf. Além do bem e do mal, seção 105.
  8. Confúcio (551-479 a.c): filósofo chinês;sua doutrina foi registrada por seus discípulos nos Analetos

       


(Friedrich Nietzsche - Crepúsculo dos Ídolos)
 


OS “MELHORADORES” DA HUMANIDADE

publicado às 23:20


A linguagem das árvores

por Thynus, em 02.06.17
.
Segundo o dicionário, fala é a “faculdade que tem o homem de expressar verbalmente suas ideias, emoções e experiências”. Visto dessa forma, apenas os humanos podem falar, pois esse conceito se limita à nossa espécie. No entanto, não seria interessante descobrir que as árvores também podem se expressar? Claro que elas não produzem sons, por isso não há nada que possam escutar. Os galhos rangem e estalam ao entrar em atrito uns com os outros, e as folhas farfalham, mas esses sons são causados pelo vento, não dependem de ações delas. Acontece que as árvores marcam sua presença de outra forma: por meio dos odores que exalam.
Isso não é novidade para nós, seres humanos; afinal, usamos desodorantes e perfumes. E, mesmo que não usássemos, nosso odor transmite informações ao consciente e ao inconsciente de outras pessoas. Algumas parecem simplesmente não ter cheiro algum, enquanto outras usam o odor para atrair. Segundo a ciência, os feromônios do suor são fundamentais até para decidirmos quem será nosso parceiro, ou seja, com quem queremos ter filhos. Dessa forma, temos uma linguagem aromática secreta, que as árvores demonstraram também ter.
Há cerca de 40 anos cientistas notaram algo interessante na savana da África. As girafas comem a folhagem da Acacia tortilis, uma espécie de acácia que não gosta nem um pouco disso. Para se livrar dos herbívoros, poucos minutos depois de as girafas aparecerem as acácias bombeiam toxinas para as folhas. As girafas sabem disso e partem para as árvores próximas. Mas não tão próximas: primeiro elas pulam vários exemplares e só voltam a comer depois de uns 100 metros. O motivo é surpreendente: as acácias atacadas exalam um gás de alerta (no caso, etileno) que sinaliza às outras ao redor que surgiu um perigo. Com isso, todos os indivíduos alertados se preparam de antemão e também liberam toxinas. As girafas conhecem a tática e por isso avançam savana adentro até encontrarem árvores desavisadas. Ou então trabalham contra o vento, já que é ele que carrega a mensagem aromática, buscando acácias que ainda não detectaram sua presença.
Isso também acontece em outras florestas. Sejam faias, abetos ou carvalhos, as árvores percebem os ataques sofridos. Dessa forma, quando uma lagarta morde com vontade, o tecido da folha danificada se altera e ela envia sinais elétricos, da mesma forma que acontece com o corpo humano. No entanto, esse impulso não se espalha em milissegundos, como no nosso caso, mas a apenas 1 centímetro por minuto. Por isso demora até uma hora para que a substância defensiva chegue às folhas e acabe com a refeição da praga.(ANHÄUSER, M. Der stumme Schrei der Limabohne. In: MaxPlanck-Forschung 3/2007, p. 64-65) As árvores não são rápidas, e mesmo em perigo essa parece ser sua velocidade máxima.
Apesar do ritmo lento, as partes individuais do corpo de uma árvore não funcionam isoladamente. Por exemplo, se as raízes estiverem em dificuldade, a informação se espalhará pela árvore, que liberará uma substância especial pelas folhas. Essa capacidade de produzir diferentes substâncias é outra característica das árvores que as ajuda a identificar quem está atacando.
A saliva de cada espécie de inseto é única e pode ser tão bem classificada que as árvores são capazes de emitir substâncias que atraem predadores específicos desses insetos, que atacarão a praga e em consequência ajudarão as árvores. Os olmos e pinheiros, por exemplo, apelam a pequenas vespas que depositam seus ovos no corpo das lagartas que comem folhas.(Idem) A larva da vespa se desenvolve no interior da praga, que é devorada pouco a pouco, de dentro para fora. Assim as árvores se livram de pragas inconvenientes e podem continuar crescendo livremente. A capacidade de identificar a saliva das pragas comprova outra habilidade das árvores: elas também devem ter uma espécie de paladar.
No entanto, as substâncias odoríferas têm uma desvantagem: elas se dispersam rapidamente com o vento – em geral só são detectadas a, no máximo, 100 metros da árvore que a emitiu. De qualquer forma, como a propagação de sinais dentro da árvore ocorre com muita lentidão, pelo ar a árvore cobre áreas muito mais extensas e alerta partes distantes do próprio corpo com velocidade bem maior.
Muitas vezes as árvores não precisam pedir ajuda específica para se defender dos insetos. O mundo animal registra as mensagens químicas básicas das árvores, sabe qual espécie de árvore está sendo atacada e quais espécies predadoras devem se mobilizar. As que se alimentam do organismo que está atacando a árvore se sentem atraídas.
A árvore também sabe se defender por conta própria. Por exemplo, para matar insetos devoradores ou pelo menos para se tornar desagradável ao paladar do agressor, o carvalho libera, na casca e nas folhas, tanino, uma substância amarga e venenosa. O salgueiro produz salicina, um precursor da aspirina que tem o mesmo efeito que o tanino, mas não em nós, seres humanos: na verdade, o chá de sua casca alivia dores de cabeça e diminui a febre. A árvore precisa de tempo para ativar essa defesa, por isso a cooperação no alerta inicial é fundamental.
As árvores não confiam apenas no ar, pois o cheiro do perigo não alcançaria todas as vizinhas. Para contornar essa limitação, elas enviam mensagens também pelas raízes, que as conectam e não dependem do clima para funcionar bem. Recentemente uma pesquisa chegou à surpreendente conclusão de que os alertas são espalhados não apenas por meios químicos, mas também eletricamente, a 1 centímetro por segundo. Em comparação com o nosso corpo, é uma velocidade baixa, mas no reino animal existem espécies com velocidade de condução elétrica semelhante à das árvores, como as águas-vivas e as minhocas.(Die Intelligenz der Pflanzen) Quando a notícia se espalha, todos os carvalhos bombeiam tanino.
As raízes de uma árvore são muito longas, têm mais que o dobro da extensão da copa. Elas se entrelaçam e aderem às raízes das árvores vizinhas. No entanto, esse contato não acontece em todos os casos, pois na floresta também há árvores solitárias, que não querem se relacionar com as outras. Felizmente, porém, elas não conseguem bloquear os sinais de alarme. Na maioria dos casos as árvores se valem dos fungos para fazer a transmissão rápida das mensagens. Eles funcionam como os cabos de fibra óptica da internet. Os filamentos finos penetram a terra e se entremeiam pelas raízes em uma densidade inimaginável, a ponto de uma colher de chá de terra da floresta conter muitos quilômetros desses “condutores”.(Was sollte ich über die Anwendung von Mykorrhiza-Produkten wissen?)
Ao longo dos séculos, um único fungo pode se estender por muitos quilômetros quadrados e criar uma rede capaz de ligar florestas inteiras. Ele transmite sinais de uma árvore para outra e as ajuda a trocar notícias sobre insetos, secas e outros perigos. Aliás, a ciência já fala da existência de uma “wood wide web” que permeia as florestas. As pesquisas sobre quais e quantas informações são trocadas ainda estão no início. O que já se sabe é que os fungos seguem uma estratégia, calcada na intermediação e no equilíbrio, que às vezes põe em contato diferentes espécies de árvores, mesmo que sejam concorrentes.
Quando as árvores ficam enfraquecidas, talvez não percam apenas a capacidade de defesa, mas também a de se comunicar. Só isso explica por que os insetos escolhem atacar especificamente os espécimes debilitados. É possível que, ao captar os alertas químicos das árvores, eles mordam as folhas ou a casca para testar os indivíduos que não se comunicaram. Esse “silêncio” pode ser causado por uma doença grave, mas também pode se dever à perda da rede de fungos, que deixa a árvore incomunicável. Sem acesso à rede, ela não recebe o sinal de perigo iminente e acaba devorada por lagartas e besouros. Com isso, os espécimes solitários também ficam à mercê dos ataques. Eles podem até parecer saudáveis, mas de fato não fazem ideia do que está acontecendo a seu redor.
Na floresta, os arbustos e gramados também fazem esse tipo de troca (na verdade, possivelmente todas as espécies de plantas). No entanto, nas plantações a vegetação fica em silêncio. As plantas cultivadas não são capazes de se comunicar umas com as outras, seja por cima ou por baixo da terra. São quase surdas-mudas, por isso se tornam presas fáceis para insetos.(Die Intelligenz der Pflanzen) Esse é um dos motivos pelos quais a agricultura moderna usa tanto inseticida. Para estimular a comunicação entre as plantas, os agricultores deveriam aprender mais sobre as florestas e introduzir um pouco da vida selvagem em seus cultivos.
No entanto, a comunicação entre árvores e insetos não gira somente em torno de questões de defesa e doença. Percebemos e até sentimos os muitos sinais de contato positivo entre seres tão diferentes. Falo das agradáveis mensagens enviadas pelas flores. Elas não disseminam o aroma ao acaso ou para nos agradar. Ao enviar essa mensagem, as árvores frutíferas, os salgueiros e as castanheiras estão fazendo um convite às abelhas. Quando atendem ao chamado, os insetos recebem um néctar doce, rico em açúcar, como recompensa pela polinização.
Assim como um outdoor, a forma e a cor das flores também funcionam como um sinal. As árvores se comunicam por meios olfativos, visuais e elétricos (para isso se valem de uma espécie de célula nervosa nas pontas das raízes). E quanto aos sons? Como eu disse, as árvores são silenciosas, porém estudos mais recentes reconsideraram essa afirmação. Monica Gagliano, da Universidade da Austrália Ocidental, auscultou o solo junto com colegas de Bristol e Florença.(GAGLIANO, Monica, et al. Towards understanding plant bioacoustics. In: Trends in plants science, v. 954, p. 1-3) Como não seria nada prático ter árvores em laboratórios, foi mais fácil pesquisar brotos de cereais. E o fato é que os dispositivos de medição logo registraram um leve estalo das raízes a uma frequência de 220 hertz.
Esse fato por si só não significa muita coisa, afinal a madeira morta estala quando queimada. Mas o ruído captado no laboratório também foi ouvido pelas raízes não envolvidas no experimento. Quando eram expostas aos estalos a 220 hertz, as extremidades de suas raízes apontavam para a direção de onde a frequência era emitida. Isso significa que estavam registrando a frequência e, portanto, faz sentido dizer que os brotos “ouviram”.
A possibilidade de haver troca de informações entre plantas por meio de ondas sonoras certamente desperta muita curiosidade. Talvez esta seja a chave para podermos compreender as árvores, descobrir se estão bem e de que precisam. Infelizmente ainda não alcançamos esse ponto, pois a pesquisa na área está apenas começando. Mas, quando ouvir estalos no seu próximo passeio pela floresta, lembre-se de que talvez não seja apenas o vento…

(Wohlleben, Peter - A vida secreta das árvores)
Vibração, música, comunicação estimula crescimento das plantas

publicado às 12:41

Pág. 2/2



Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

Pesquisar no Blog

Arquivo

  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2017
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2016
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2015
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2014
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2013
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2012
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2011
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2010
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2009
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2008
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2007
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D

subscrever feeds