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Despir um corpo a primeira vez

por Thynus, em 26.05.16
Despir um corpo a primeira vez é um acontecimento entre dois deuses. Não se pode profanar o instante. E os amantes devem manter o ritmo dos altares. Porque, embora nesses rituais haja sempre panos e trajes para agradar ao Olimpo, é para a nudez total que o céu nos quer arrebatar. As mãos têm que ter um compasso certo. Um andante ou largo de Bach nos gestos, compondo a alegria de homens e mulheres. As mãos, sobretudo, não podem se apressar. Com os olhos têm que aprender e, com a ponta dos dedos, contemplar os acordes que irão surgindo quando, peça por peça, o corpo for se desvestindo ao pé do altar.
Antes de se tocar com as mãos e os lábios, na verdade, já se tocou o corpo alheio com um distraído olhar sempre envolvente. E ninguém toca um corpo impunemente. Despir um corpo a primeira vez não pode ser coisa de poeta desatento colhendo futilmente a flor oferta num abundante canteiro de poesia. Nem pode ser coisa de um puro microscopista que olhe as coisas sabiamente. Se tem que ser de sábio o olhar, que seja do botânico, porque esse sabe aflorar em cada espécie o que cada espécie tem de mais secreto ou distante, o que cada espécie sabe dar.
Vestida de desejo
 
Despir um corpo pela primeira vez é conhecer pela primeira vez uma cidade. E os corpos das cidades têm portas para abrir, jardins de repousar, torres e altitudes que excitam a visitação. Algumas cidades sitiadas caem ao som de trombetas, outras se entregam porque não mais suportam a sede e fome de amar. As cidades têm limites e resistência. E, como o corpo, querem alguém que as habite com intimidade solar.
Gêngis Khan, Átila ou qualquer conquistador vulgar tem com as cidades e corpos uma estranha relação. O objetivo é a devassa e a dominação. Conquistada a cidade, a ordem é marchar. Por isso, cuidado para não se acercar do outro apenas com esse olhar guerreiro ou com esse olhar tolo de turista. O turista, embora procure os sabores típicos, é um voyeurista que só quer fotografar. Mas há turistas e turistas, e o pior turista é aquele que olha sem olhar. É um perdido marinheiro que está preso em algum porto, que não se permite num outro corpo inteiramente desembarcar.
Quando os corpos se tocam por acaso, como se estivessem indo em direções diferentes, o que ocorre é desperdício. Não se pode tocar um corpo impunemente. E para se tocar um corpo completa e profundamente num dado instante, os corpos têm que convergir. E convergir com uma lua diferente. A descoberta do outro é isso, é convergência.
Despir um corpo a primeira vez é como despir um presente. Por isso não se pode desembrulhá-lo assim às pressas, embora a gula nos precipite afoitos sobre a pele oferta. Não se pode com mãos infantis descompassadas ir rasgando invólucros, arrebentando cordões com a gula que as crianças só têm nas confeitarias antes da indigestão.
Despir um corpo a primeira vez, para usar uma imagem conhecida, é mais que ir a primeira vez à Europa. Pode ser, ao contrário, desembarcar pela primeira vez na América sobre a nudez do desconhecido. É descobrir na pele alheia mais que a pele dele, a nossa pele índia. E volto àquela imagem: despir um corpo a primeira vez é tão marcante quanto a vez primeira que um mineiro viu o mar.
Um corpo é surpresa sempre. E o que se vê nas praias, nessa pública ostentação, nesse exercício coletivo de nudez total negaceada, em nada tira a eufórica contenção do ato, quando os dedos vão desatando botões e beijos e rompendo as presilhas das carícias. Despir um corpo a primeira vez não é coisa para amador. Só se o amador for amador da arte de amar. Porque o corpo do outro não pode ter a sensação de perda, mas a certeza de que algo nele se somou, que ele é um objeto luminoso que a outros deve iluminar.
Um corpo a primeira vez, no entanto, é frágil e pode trincar em alguma parte. E os menos resistentes se partem quando aquele que os toca, os toca apenas com a cobiça e nunca com a generosa mansidão de quem veio pela primeira vez, e sempre, para amar.

(Sant’anna, Affonso Romano de - Que presente te dar)
 

publicado às 14:02


ASCENSÃO PROFISSIONAL DE EVA

por Thynus, em 26.05.16
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Adão e Eva
É claro que existe a competência profissional feminina, quem nega isso é cego ou idiota. A relação entre competência profissional e beleza é que desperta o ódio das chatinhas. O problema também se apresenta no caso masculino, mas como os homens ainda têm mais presença no mundo das decisões, a questão é mais evidente no caso feminino. Ainda mais porque, aparentemente, inclusive apoiados pela psicologia evolucionista, os homens se concentram mais nas formas físicas primeiro e nas espirituais por último, enquanto que a beleza masculina, para uma mulher, envolve mais “o conjunto da obra”. A beleza numa mulher é artigo de ódio mortal (por parte das feias e por parte dos que não conseguem pegá-la), o que revela sua marca como critério absoluto. Uma mulher bonita tem muito mais chance de ter sucesso profissional. Se sua carreira depender mais de decisões masculinas (se feias tiverem poder sobre ela, ela está perdida), seu sucesso é mais seguro. Perdoam-se mais as bonitas, ouvem-se mais as gostosas. Fazer uma reunião com pernas lindas a sua volta melhora o pensamento, ainda que ignorantes e mentirosos digam o contrário. Qual é o homem que, entre uma linda e uma menos linda (para ser politicamente correto), optará pela segunda? Somente se sua mulher souber quem ele está escolhendo. Do contrário, se um cara escolher uma menos bonita (assumindo um certo limite de competência, que pode mesmo ser ultrapassado com riscos para a função), ele é gay e, por isso mesmo, impermeável a essa paixão ancestral pela beleza feminina desde Eva. Mesmo diante de Deus, o homem escolheu a mulher. Fosse Eva uma feia, a Criação estaria no seu lugar até hoje. Quando se começa a mentir sobre coisas básicas como essas, estamos perto do fim. Como alguém pode dizer que a Bíblia é machista quando Eva venceu Deus no prólogo do drama cósmico?

(LUIZ FELIPE PONDÉ -  GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DO SEXO)
 
Lucifer e Lilith ficaram amigos... e Adão ficou sozinho no paraíso...

publicado às 00:20


Significado de Pentear Macaco

por Thynus, em 25.05.16
O que é Pentear Macaco:
Pentear macaco é um expressão popular da língua portuguesa, usada no Brasil, normalmente incluída na frase "Vai pentear macaco!" e que significa "vai cuidar da tua vida", "não amola", "cai fora", "pára de encher o saco", "vai ver se eu estou na esquina".
A expressão "vai pentear macaco" é usada para afastar alguém que está sendo chato ou inconveniente: "O que é que você ainda está fazendo aqui? Vai pentear macaco!"

Pentear macaco - origem
A origem da expressão "pentear macaco" tem várias versões diferentes. A mais plausível aponta que esta expressão derivou do provérbio português "mal grado haja a quem asno penteia", que surgiu pela primeira vez em Portugal, no ano 1651. Nessa altura, escovar ou pentear animais de carga (burros e jumentos, por exemplo), era um trabalho mal visto, tendo em conta que estes animais não precisavam de estar com boa apresentação para cumprirem a sua função. Como os portugueses até metade do século 17 não conheciam a palavra "macaco", usavam o termo "bugio" para identificar esse animal, e daí surgiu a expressão "vai bugiar", que é uma expressão equivalente a "vai pentear macaco", e é usada até os dias de hoje em Portugal e algumas partes do Brasil.
Outra das várias versões indicadas indica que a expressão "pentar macaco" surgiu no tempo da escravatura e significava um castigo para os escravos, que tinham que dar banho uns aos outros e depois desemaranhar os seus cabelos.
Pentear macaco - Galvão
Carlos Eduardo dos Santos Galvão Bueno, mais conhecido como Galvão Bueno, é um narrador, radialista e apresentador esportivo brasileiro que trabalha para a Rede Globo. Ganhou notoriedade por fazer a narração de momentos importantes do esporte nacional, como a conquista do tetra e pentacampeonato mundial pela seleção brasileira de futebol.
A Copa do Mundo de 2010 foi transmitida no Brasil pela Rede Globo e apresentada por Galvão Bueno e Fátima Bernardes. Na cerimônia de abertura do evento, a expressão "Cala a boca Galvão" começou a proliferar de forma veloz no Twitter, graças a internautas que não estavam satisfeitos com os comentários do locutor. A frase entrou mesmo para a lista de tópicos mais comentados no Twitter por brasileiros, e começou a ser usada como piada e forma de protesto contra Galvão Bueno. A piada atingiu tal magnitude que surgiram algumas variantes, sendo que uma delas é "Galvão, vai pentear macaco".
O impacto destas expressões foi tão grande que jornais conceituados como o El País e The New York Times publicaram artigos que mencionavam e explicavam a piada.

(Significados)

publicado às 13:43


GOSTO DOCE-AZEDO

por Thynus, em 25.05.16
Meio doce-azedo é o sabor da mulher. Cada vez mais exige-se coragem para prová-lo. Escondido, ali, entre as pernas, lugar de segredos. Dizem por aí que os homens têm medo desse lugar. Inveja do seio, dizem. Ridículo: quando você é pequeno, sonha com o seio da sua mãe como fonte de doçura (para quem dá sorte e tem uma mãe dessas, suficientemente boa...). Quando você cresce, você quer chupar o seio porque mulher é coisa gostosa e geme quando se sente assim. Quando uma mulher geme não é apenas porque ela goza de prazer, é porque ela goza ao se sentir gostosa. Nenhum homem tem inveja do seio nem do útero. Homem tem pavor da dor de parto e se sensibiliza com ela. Tampouco tem medo da vagina. Homem quer penetrar na vagina ou chupá-la.
Meu Deus, como Freud tinha razão: a histeria se tornou laço social. Seu nome técnico é “políticas do sexo” e, por natureza, não tem gosto nenhum (prefiro esta expressão a “políticas de gênero”, que usarei apenas quando for para apontar seu ridículo no uso como pedagogia para deixar todo mundo sem interesse pelo sexo). E para deixar os meninos com medo das meninas. E as meninas com raiva dos meninos.
 
(LUIZ FELIPE PONDÉ -  GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DO SEXO)  

publicado às 01:24


MULHER

por Thynus, em 25.05.16
Sei que os chatinhos e as chatinhas me acusarão disso e daquilo por conta desses aforismos imorais. Essas acusações, em sua maioria produzidas nessas masmorras de irrelevância chamadas redes sociais, me dão sono. A principal acusação será de que estes aforismos tratam quase sempre de mulher. Como poderia ser diferente? As obras que importam de fato são aquelas escritas a partir de nossas obsessões, não? Fala-se daquilo que nos apaixona. Sei que hoje em dia condena-se essa forma de obsessão. A razão dessa condenação é que o tema sexo foi transformado em propriedade de gente mal-amada e com más experiências com o sexo oposto. O desejo pela mulher é, e sempre foi, um pilar da história humana. A fantasia de tê-la como objeto sexual move o mundo. Por isso, sempre digo que entre as pernas das mulheres se encontram segredos essenciais para a alma masculina e para o mundo como um todo. Infeliz aquele que nunca provou seu gosto.

(LUIZ FELIPE PONDÉ -  GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DO SEXO) 

publicado às 01:11


AFORISMOS

por Thynus, em 25.05.16
Só gente chique escreve em aforismos. Nietzsche era um deles; Cioran, outro; Karl Kraus, outro. Como dizia o autor argentino Jorge Luís Borges, escrevo textos curtos porque sou preguiçoso. Com o tempo e com a escrita semanal em jornal, aprendi que quase nada exige mais do que algumas poucas palavras. Dirão os pobres de espírito que sou superficial. Mas, no fundo, não me interessa o que os pobres de espírito pensam. Só lembro que existem porque são maioria, e na democracia, o regime de quantidades por excelência, a maioria pesa no seu pescoço. Na realidade, não me interessa nada do que ninguém pensa, quase nunca. Dirão as analistas amigas minhas que isso é desdobramento da melancolia. Somente quando estou muito feliz me interessa o que alguém pensa. Porque a felicidade verdadeira é sempre uma forma de generosidade com o mundo. O que está em jogo no aforismo não é a superficialidade, como pensa o pobre de espírito – que como todo pobre de espírito é prolixo –, mas a urgência em dizer algo e ir embora. Para você que me lê na cama antes de dormir, o aforismo também serve para esgotar um tema antes de você cair no sono, depois de um dia inteiro de escravidão a este mundo besta em que vivemos. E ainda dorme se sentindo um pouco mais inteligente, o que faz bem, na maioria dos casos, mas, às vezes, pode tirar o sono. E tem mais uma coisa: os aforismos, estes textos curtos que você tem em mãos, são sempre um atestado de impaciência com este mesmo mundo. A impaciência pode ser uma forma legítima de defesa.

(LUIZ FELIPE PONDÉ -  GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DO SEXO)

publicado às 01:04

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Pondé assina o mais quente dos guias politicamente incorretos

Pouco é necessário dizer sobre a origem e a natureza da praga do politicamente correto. Muitos autores, e eu mesmo, já escrevemos contra ela: trata-se de uma forma de censura do pensamento, dos gestos e da linguagem, mediada por uma pauta política de esquerda herdada da new left (nova esquerda) americana das últimas décadas do século passado. Uma esquerda das universidades, sem a fibra para luta da esquerda clássica, que matou gente a rodo (mas era, pelo menos, feita de “cabras” sinceros), a new left americana é filha de Foucault e Derrida, gente que queria tomar vinho e criticar gestos, palavras e humores, sem aptidão para o combate a não ser via censura e humilhação pública dos outros, enfim, coisa de covarde (nos últimos tempos, essa esquerda covarde recebeu a bênção de dois nomes típicos da revolução queijos e vinhos francesa, Žižek e Badiou). Essa esquerda de campus visa destruir os inimigos e fortalecer os criadores dessa pauta correta, como toda forma de censura, aliás, sempre se dizendo em nome do bem, mas que tem como inimigo número um o risco que a liberdade sempre carrega em si mesma.
Acrescentaria apenas que o terreno da vida sexual é um dos campos em que ela, esta pauta do politicamente correto, faz maior estrago, tornando a vida sexual e afetiva um inferno maior do que já é, impondo-nos agendas políticas que são desejadas por uma minoria de pessoas mal-amadas de alguma forma. Tomando de assalto a vida acadêmica, o Estado e suas ferramentas de gestão da sociedade sobre a qual tem poder, a mídia e a arte, a praga cria uma cultura de ignorância e proibição que fere até as ideias que um dia podem tê-la animado, como o direito de pessoas viverem como querem viver sem dar muitas satisfações aos chatos do mundo. A praga do politicamente correto destrói, no campo do sexo e do afeto, uma miríade de relações microscópicas construídas ao longo de milhares de anos entre homens e mulheres a fim de dar conta dessa insustentável paixão que um tem pelo outro, seja nas suas formas legítimas, como casamento e família, seja nas suas formas ilegítimas, como o adultério e os segredos de alcova. As gerações mais jovens são cada vez mais educadas na ignorância do afeto, graças às taras teóricas de um bando de gente chata e sem repertório filosófico real, a não ser seu velho ressentimento contra a vida dos outros. Por isso, por ser gerado pelo ressentimento e rancor, o maior dano dessa praga é a vida moral: gente sem caráter adere facilmente ao politicamente correto porque ele funciona como o velho clero puritano e hipócrita, distribuindo punições e reunindo poderes nas instituições que ele domina. Entre elas, infelizmente, a mais combalida pela doença é a universidade, coitada, esmagada, por um lado, pela mania da burocracia a serviço da mediocridade, e, por outro, pelas pessoas ressentidas politicamente corretas. E, no centro dessa agonia, sua crescente irrelevância como agência de debate real sobre o mundo, devido justamente às suas manias ideológicas.
Dedico estes aforismos a todas as mulheres e homens que sobreviverão à estupidez do politicamente correto. No caso específico das mulheres, principalmente, às mais belas, que sofrem mais com essa praga. A falta de beleza numa mulher, signo de sofrimento constante, é quase um trunfo nas mãos dessa praga.

(LUIZ FELIPE PONDÉ -  GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DO SEXO)

publicado às 00:51


Da pobreza do mais rico

por Thynus, em 22.05.16
Dez anos se foram —,
nenhuma gota me alcançou,
nenhum vento úmido, nenhum orvalho de amor
— uma terra sem chuva...
Agora peço à minha sabedoria
que não se torne avara nesta aridez:
transborda tu mesma, goteja teu orvalho,
sê tu mesma chuva para o deserto amarelado!
Outrora mandei as nuvens
afastarem-se de meus montes —
outrora falei “mais luz, ó escuras!”.
Hoje as atraio, para que venham:
fazei escuro ao meu redor com vossos úberes!
— quero ordenhar-vos,
ó vacas das alturas!
Sabedoria quente como leite, doce orvalho do amor
derramo eu sobre a terra.
Fora, fora, verdades
que olham sombriamente!
Não quero ver em meus montes
verdades acres e impacientes.
Dourada de riso
chegue hoje a mim a verdade,
pelo sol adoçada, bronzeada pelo amor —
uma verdade madura colho apenas da árvore.

Hoje estendo a mão
para as madeixas do acaso,
prudente o bastante para guiar, para iludir
o acaso como uma criança.
Hoje quero ser hospitaleiro
com o que não é bem-vindo,
com o próprio destino não quero ser espinhoso,
— Zaratustra não é um ouriço.
Minha alma,
com língua insaciável,
já lambeu em todas as coisas boas e ruins,
em toda profundidade já desceu.
Mas sempre, como a cortiça,
sempre nada de novo para cima,
volteja como óleo sobre os mares pardos:
por causa dessa alma chamam-me o Feliz.
Quem são pai e mãe para mim?
Não é meu pai o príncipe Abundância
e minha mãe o Riso silencioso?
O matrimônio desses dois não gerou
a mim, bicho enigmático
a mim, monstro de luz,
a mim, esbanjador de toda sabedoria, Zaratustra?
Hoje doente de ternura,
um vento de degelo,
Zaratustra espera sentado, espera em seus montes —
em seu próprio sumo
cozido e tornado doce,
abaixo de seu cume,
abaixo de seu gelo,
cansado e feliz,
um criador em seu sétimo dia.
— Silêncio!
Uma verdade passa sobre mim
como uma nuvem —

com invisíveis relâmpagos me atinge.
Por largas lentas escadas
sobe até mim sua felicidade:
vem, vem, amada verdade!
— Silêncio!
É minha verdade! —
De olhos hesitantes,
de tremores aveludados
atinge-me seu olhar,
meigo, mau, um olhar de menina...
Ela adivinhou a razão de minha felicidade,
ela me adivinhou — ah!, que estará tramando? —
Purpúreo, um dragão espreita
no abismo do seu olhar de menina.
— Silêncio! Minha verdade fala! —
Ai de ti, Zaratustra!
Semelhas alguém
que engoliu ouro:
ainda te abrirão a barriga!...
És rico demais,
corruptor de muitos!
A demasiados tornas invejosos,
a demasiados tornas pobres...
A mim mesmo tua luz lança sombra —,
tremo de frio: vai embora, ó rico,
vai, Zaratustra, sai do teu sol!...
Queres dar, doar tua abundância,
mas tu mesmo és o mais supérfluo!
Sê prudente, ó rico!
Dá primeiro a ti mesmo, ó Zaratustra!
Dez anos se foram —
e nenhuma gota te alcançou?
Eu sou tua verdade
 
nenhum vento úmido? nenhum orvalho de amor?
Mas quem te havia de amar,
ó rico demais?
Tua felicidade espalha secura ao redor,
faz pobre de amor
uma terra sem chuva...
Ninguém mais te agradece.
Mas tu agradeces a quem
recebe de ti:
nisso te reconheço,
ó rico demais,
ó mais pobre de todos os ricos!
Tu te sacrificas, tormenta-te a tua riqueza —,
tu te entregas,
não te poupas, não te amas:
a grande tortura sempre te coage,
a tortura dos celeiros cheios demais, do coração cheio demais —
mas ninguém mais te agradece...
Tens de fazer-te mais pobre,
sábio não-sábio!
se quiseres ser amado.
Só se ama ao sofredor,
dá-se amor apenas ao faminto:
dá primeiro a ti mesmo, ó Zaratustra!
— Eu sou tua verdade...

(Nietzsche - Ditirambos deDionísio)

 

publicado às 01:08

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Friedrich Nietzsche

A vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez.

A vida vai ficando cada vez mais dura perto do topo.

As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras.

É mais fácil lidar com uma má consciência do que com uma má reputação.

Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas.

O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte.

Para a maioria, quão pequena é a porção de prazer que basta para fazer a vida agradável!

A vontade é impotente perante o que está para trás dela. Não poder destruir o tempo, nem a avidez transbordante do tempo, é a angústia mais solitária da vontade.

Logo que, numa inovação, nos mostram alguma coisa de antigo, ficamos sossegados.

Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal. Temos a arte para não morrer da verdade.

Torna-te aquilo que és.

A moralidade é a melhor de todas as regras para orientar a humanidade. No matrimônio existem apenas obrigações e alguns direitos.

Tudo é precioso para aquele que foi, por muito tempo, privado de tudo.

Quem, em prol da sua boa reputação, não se sacrificou já uma vez - a si próprio?

É pelas próprias virtudes que se é mais bem castigado.

Culpamos as pessoas das quais não gostamos pelas gentilezas que nos demonstram.

A vida mais doce é não pensar em nada.

As vivências terríveis fazem-nos pensar se o seu protagonista não é, ele próprio, algo de terrível.

Todos vós, que amais o trabalho desenfreado, o vosso labor é maldição e desejo de esquecerdes quem sois.

Logo que comunicamos os nossos conhecimentos, deixamos de gostar deles suficientemente.

Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.

O atrativo do conhecimento seria pequeno se no caminho que a ele conduz não houvesse que vencer tanto pudor.

Há uma exuberância na bondade que parece ser maldade.

Ter-se vergonha da sua imoralidade: é um degrau na escada em cujo extremo se tem também vergonha da nossa moralidade.

O que o pai calou aparece na boca do filho, e muitas vezes descobri que o filho era o segredo revelado do pai.

Fiquei magoado, não por me teres mentido, mas por não poder voltar a acreditar-te.

Não há outro critério da verdade senão o crescimento do sentimento de poder. Só se pode alcançar um grande êxito quando nos mantemos fiéis a nós mesmos.

É só dos sentidos que procede toda a autenticidade, toda a boa consciência, toda a evidência da verdade.

Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar.

Muitos são os obstinados que se empenham no caminho que escolheram, poucos os que se empenham no objetivo.

Não se odeia quando pouco se preza, odeia-se só o que está à nossa altura ou é superior a nós.

Em última análise, amam-se os nossos desejos, e não o objeto desses desejos. Querer a verdade é confessar-se incapaz de a criar.

Aquele que sabe mandar encontra sempre quem deva obedecer.

Não é a intensidade dos sentimentos elevados que faz os homens superiores, mas a sua duração.

Quando adestramos a nossa consciência, ela beija-nos ao mesmo tempo que nos morde.

Há uma inocência na mentira que é o sinal da boa fé numa causa.

Perdido seja para nós aquele dia em que não se dançou nem uma vez! E falsa seja para nós toda a verdade que não tenha sido acompanhada por uma risada!

Aquele que vive de combater um inimigo tem interesse em o deixar com vida.

Há uma inocência na admiração: é a daquele a quem ainda não passou pela cabeça que também ele poderia um dia ser admirado.

O homem que vê mal vê sempre menos do que aquilo que há para ver; o homem que ouve mal ouve sempre algo mais do que aquilo que há para ouvir.

O esforço dos filósofos tende a compreender o que os contemporâneos se contentam em viver.

Quando se amarra bem o próprio coração e se faz dele um prisioneiro, pode-se permitir ao próprio espírito muitas liberdades.

Quem não sabe encontrar o caminho para o “seu” ideal vive de um modo mais leviano e insolente que o homem sem ideal.

Perante nós mesmo todos fingimos ser mais ingênuos do que somos: é deste modo que descansamos dos nossos semelhantes.

Quem se despreza a si próprio não deixa mesmo assim de se respeitar como desprezador.

No elogio há mais impertinência do que na censura.

É verdade que se mente com a boca; mas a careta que se faz ao mesmo tempo diz, apesar de tudo, a verdade.

Quem só tem o espírito da história não compreendeu a lição da vida e tem sempre de retomá-la. É em ti mesmo que se coloca o enigma da existência: ninguém o pode resolver senão tu!

A vaidade dos outros só vai contra o nosso gosto quando vai contra a nossa vaidade.

É terrível morrer de sede no mar. Porque haveis então de salgar a vossa verdade de modo a que não mate já a sede?

Nos indivíduos, a loucura é algo raro. Mas nos grupos, nos partidos, nos povos, nas épocas, é regra.

O homem precisa daquilo que em si há de pior se pretende alcançar o que nele existe de melhor.

A grandeza do homem consiste em que ele é uma ponte e não um fim; o que nos pode agradar no homem é ele ser transição e queda.

Quem atinge o seu ideal, ultrapassa-o precisamente por isso.

Em homens duros a intimidade é questão de pudor - e algo de precioso. Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeira companhia.

A esperança é o derradeiro mal; é o pior dos males, porquanto prolonga o tormento.

A recompensa final dos mortos é não morrer nunca mais.

Você vive hoje uma vida que gostaria de viver por toda a eternidade?

E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.

Não há nada que deprima mais o ser humano (mais depressa) do que a paixão do ressentimento.

Muitas pessoas esperam a vida inteira pela oportunidade de serem boas à sua maneira.

Para ver muita coisa é preciso despregar os olhos de si mesmo.

Abençoados sejam os esquecidos, pois tiram maior proveito dos equívocos.

Eu jamais iria para a fogueira por uma opinião minha, afinal, não tenho certeza alguma. Porém, eu iria pelo direito de ter e mudar de opinião, quantas vezes eu quisesse. A exigência de ser amado é a maior das pretensões.

Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida.

Um amigo deve ser mestre tanto na arte de adivinhar como na de permanecer calado.

Nossa dor vem da distância entre aquilo que somos e o que idealizamos ser. Se quiser ser alguém, deve venerar a própria sombra.

A vítima esta sempre alheia ao mal. O fanatismo é a única forma de vontade que pode ser incutida nos fracos e nos tímidos.

Eu não sei o que quero ser, mas sei muito bem o que não quero me tornar.

O homem chega à sua maturidade quando encara a vida com a mesma seriedade que uma criança encara uma brincadeira.

Mesmo o mais forte tem seu momento de fatiga.

A essência da felicidade é não ter medo.

Em uma grande vitória, o que existe de melhor, é que ela tira do vencedor o receio de uma derrota.

Falar muito de si mesmo, pode ser um jeito de esconder aquilo que realmente é.

Homens convictos são prisioneiros.

Ser mau é tão insensato e autodestrutivo quanto ser bom.

Falsos valores e palavras ilusórias: são estes os piores monstros para os mortais; longamente e à espera, dorme neles a fatalidade.

Não existem fatos, apenas interpretações.

A principal mentira é a que contamos a nós mesmos.

Nenhum vencedor acredita no acaso. O que nós fazemos nunca é compreendido, mas somente louvado ou condenado.

Se queres ser feliz nesse mundo, estrangula sua consciência!

O homem perde o poder quando é contaminado pelo sentimento de piedade.

Nossos pensamentos são as sombras de nossos sentimentos, sempre mais obscuros, mais vazios, mais simples que estes.

O falso amor de si mesmo transforma a solidão em prisão.

Os maiores acontecimentos e pensamentos são os que mais tardiamente são compreendidos. Nada lhe pertence mais que seus sonhos.

O homem superior distingue-se do homem inferior pela intrepidez e desafio à infelicidade.

(Simão de Paula - NIETZSCHE, Seus Provérbios e Pensamentos)

publicado às 00:15


Os Pés

por Thynus, em 19.05.16
No ponto mais distante da cabeça encontra-se o que temos de mais humano no corpo, a abóbada do pé. Enquanto compartilhamos todas as outras estruturas e todos os outros órgãos, inclusive o cérebro, com outras criaturas, as abóbadas de nossos pés são a única garantia de nossa postura ereta - e recebem pouca atenção e reconhecimento por isso. A maneira como lidamos com nossos pés traem nosso estilo de vida. Embora tenhamos tido contato direto da pele com a terra durante a maior parte da história de nosso desenvolvimento, nós o evitamos desde há alguns séculos. Andar descalço ainda desempenha um pequeno papel somente no começo da história da vida do individuo. A tendência posterior de usar sapatos com salto mostra a intenção inconsciente de distanciar-nos o máximo possível da Mãe Terra. Ao colocar sapatos de salto alto, as mulheres usam algo que tire seus calcanhares de Aquiles da zona de perigo (da serpente). A distância da terra é, além disso, elegante, e por isso a perda de estabilidade é suportada de bom grado.
o.
Sapatos de salto mexem com a líbido: entenda por quê?

Fazer os pés entrarem à força em sapatos extremamente estreitos, chegando até ao antigo costume chinês de impedir o crescimento dos pés por meio de bandagens rígidas, lança uma luz característica sobre o martírio de nossas "raízes". Essa preferência por pés pequenos existe até hoje, razão pela qual não é raro que os pés sejam metidos em sapatos demasiado pequenos. A mutilação intencional das raízes na China antiga e entre nós contrasta com a preferência de viver à larga. Pois a experiência ensina que raízes fortes são o fundamento de uma vida bem-sucedida. Pode-se permitir algumas coisas quando se tem raízes bem desenvolvidas. Quando, ao contrário, elas são trancafiadas em prisões demasiado estreitas, o preço disso terá de ser pago em um plano mais elevado.
Segundo a lei "Assim acima como abaixo", todo o corpo está reproduzido na planta do pé sob a forma de zonas reflexas, sendo que as zonas correspondentes à cabeça estão localizadas na região dos dedos dos pés. É de supor que o suplício da parte anterior dos pés em sapatos muito apertados tenha correspondência no aumento vertiginoso das dores de cabeça. Nas chamadas culturas primitivas, onde as pessoas somente se movem descalças, as dores de cabeça são tão desconhecidas como o costume de arrebentar a cabeça ou arremetê-la contra a parede.
A capacidade de estar estabelecido, ter pé firme na vida e erguer-se sobre os próprios pés mostra como somos dependentes de nossas raízes e como não tem sentido menosprezá-las. A constância e a estabilidade partem deles e nos permitem agüentar a vida. Neste ponto vale a pena notar que, segundo Herman Weidelener, somos uma sociedade doente dos pés, que corre o perigo de perder o chão sob os pés porque ainda se ocupa somente da cabeça. Assim, cada afirmação está baseada em um fundamento, e a razão e a compreensão do mundo dependem evidentemente do contato com o solo. O problema está onde o sapato aperta, já diz o ditado.
O pé saudável de uma personalidade estável consiste de uma abóbada dupla com duas pontes e três pontos de contato com a terra. A pequena abóbada anterior está apoiada em dois pontos à altura dos dedos grande e pequeno, sendo que a grande apóia-se adicionalmente no calcanhar. Conseqüentemente, nosso pé é um tripé e se destaca pela estabilidade e pela elasticidade. Apesar disso, já não são muitas as pessoas modernas que ainda têm esse contato perfeitamente equilibrado com o solo. A situação da maioria é mais balouçante, já que em vez de três, posicionam-se somente sobre um ou dois pontos de apoio. Quem tem os dois pés no chão e estes, por sua vez, o tocam em três pontos, tem confiança pois está sobre uma base segura e tem um sentido de realidade fundamentado. Quem, ao contrário, desliza pelo chão apoiado em uma superfície mais larga, gosta também de oscilar em relação às coisas, alheio à realidade. Sua vida é algo inconsistente e descansa, ou seja, resvala sobre pés fracos.
O achatamento da pequena abóbada do pé (pés alargado.) retira um dos pilares da ponte anterior e reduz o contato com o solo a dois pontos. Caso a abóbada longa também se achate, a voz popular fala de pé chato. O molejo e os pontos de apoio diferenciados se perdem. Apoiados sobre as largas superfícies achatadas, os afetados deslizam por aí quase como se estivessem com patins de gelo, sem encontrar estabilidade ou consistência. Isso muitas vezes se reflete em uma vida sem compromissos, à qual falta o enraizamento. A posição ampla, superficial e algo desastrada não é firme, movendo-se livremente. Devido a esse modo de vida infundado e muitas vezes insondável, eles não gostam de se comprometer ou de assentar-se. Pessoas com os pés pesados, que grudam no chão, são opostas aos "patinadores". Elas acentuam sua posição mais do que o necessário e também mal erguem os pés do chão ao andar. O passo arrastado já ocorreu no caso das pernas gordas, mas fracas. Eles também mal levantam os pés do chão em sentido figurado, e portanto tampouco chegam muito longe nas regiões aéreas do mundo do pensamento, onde a criatividade e a espontaneidade estão em casa. Por essa razão, eles são confiáveis e constantes, razoáveis e bem fundamentados. Nada acontece com eles facilmente, e menos ainda os derruba. Onde os pés chatos têm algo de inconstante, nos pesados tudo permanece quieto. Aqui a estabilidade precede a mobilidade. Entretanto, quando os pés se transformam em chumbo, eles puxam seu proprietário para baixo e impedem qualquer escapada para outras dimensões. Uma vida que se limita somente ao chão dos fatos pode tornar-se bastante aborrecida. Muito diferentes são os príncipes (princesas) que flutuam pelo mundo e especialmente pelo mundo dos sonhos nas pontas dos pés, como se quisessem colocar-se acima das depressões da terra. No melhor estilo de balé, eles dançam pela vida. Andar nas pontas don pés é a variante natural dos sapatos de salto alto e mostra quão pouco seus proprietários ligam para o contato com o chão e até mesmo para a estabilidade. Eles não lançam raízes em nenhuma parte, já que estas somente atrapalhariam suas existências levianas (de artista). Em vez de sentido de realidade, eles cultivam a fantasia. Eles optaram pelas alturas em ambos os lados do mundo polar, deixando a profundidade para os que têm os pés pesados. Em vez de raízes, eles têm sonhos de alto vôo, impulso criativo, ímpeto considerável, fantasia em abundância e nenhuma firmeza. Eles são ainda mais difíceis de derrubar que os que têm os pés pesados, pois no mundo de fadas dos seres flutuantes nada é firme e tudo flui. Mas a leveza de tais seres feitos de nuvens também tem seu lado sombrio na negligência freqüentemente extensa da existência material. No pólo oposto estão assentados os pés em forma de garra, com os quais seus proprietários se aferram à superfície da Terra. Os dedos curvados como garras buscam apoio convulsivamente. Tais pés falam de uma existência ameaçada, um forte desejo de encontrar paragem e de não ceder. Não somente os dedos dos pés, mas também os músculos dos pés e das pernas, estão muitas vezes cronicamente tensos e deixam entrever uma postura semelhante em relação à vida. Pés inquietos, ao contrário, revelam a tendência de caminhar constantemente e, em geral, de escapar. Seus proprietários estão sempre dando no pé e, freqüentemente, ocultam também tendências de fuga por trás de sua compulsão e interesse pelo movimento.
Uma inclinação extrema para trás, que pertence a um tipo de andar que se apóia nos calcanhares, aponta para uma direção semelhante. A postura apoiada nos calcanhares indica um recuo diante da vida e garante contragolpes nas costas e na nuca. Por essa razão, tanto mais fácil é derrubar pela frente os representantes dessa posição. Apesar de assegurar-se medrosamente, eles tendem a cair. Um leve vento lateral já é suficiente para levantá-los pelos pés.
1. O astrágalo
Quem torce o tornozelo não pode mais, como Hefestos, o ferreiro dos deuses, dar grandes saltos. Ele quebrou seus dois astrágalos quando sua mãe o arremessou do céu para a Terra, e a partir de então ele ficou coxo. Algo semelhante acontece com aqueles que dão saltos grandes demais e aterrissam com demasiada dureza sobre o chão dos fatos. A exigência é clara: permanecer no chão e escalar degrau a degrau, lenta e constantemente. Os grandes saltos estão vetados pelo destino. Para as pessoas que estavam sempre saltando para diante, ficar coxo é uma dura terapia. Quando eles aprendem a abrir caminho avançando penosamente pelos vales da vida, o gesso que têm no pé parece uma bola de ferro. Mas ele pode tornar-se também a âncora que o mantém preso ao corpo e o impede de pular fora fisicamente e sair da raia. Justamente o corpo preso ao chão pode transformar-se na base ideal para saltos aéreos espirituais e vôos de altitude.
O astrágalo, que se encontra sobre a abóbada do pé, é a origem de nossa postura ereta, mas também da possibilidade de negá-la. O salto para o plano dos deuses somente pode ser bem-sucedido a partir daqui. Mas aqui são também vingados os passos em falso. Quando torcemos o pé, estamos sendo repreendidos severamente, na fratura nós temos um estalo. A lição a ser aprendida resulta do acidente: os afetados precisam admitir que estão apoiados em falso, que aterrissam de forma muito pouco flexível quando saltam, que após seus altos vôos levam uma bronca da realidade, ou seja, que o contato entre o mundo dos pensamentos e a realidade não é harmônico e trilha caminhos perigosos. Eles estão sendo desafiados a retirar seu corpo do duro confronto com a realidade, garantir melhor suas rotas de fuga e amortecer as aterrissagens, testar em pensamento os caminhos pouco claros e ousados antes de executá-los na materialidade. Os ferimentos por ela causados os forçam ao descanso e os levantam pelos pés. É preciso poupar o corpo e, nesse descanso externo, empenhar-se mais na mobilidade e nos saltos espirituais internos. O coxo Hefestos, impedido de progredir fisicamente, tornou-se um criativo inventor e conquistou assim o lugar no céu que antes lhe era negado.

(Rüdger Dahlke - "A doença como linguagem da alma") 
Dor no calcanhar? Por que isso ocorre?

publicado às 03:40



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