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O DEUS DE EINSTEIN

por Thynus, em 30.08.15
“No que acredito“- Credo de Einstein, escrito em Caputh, no verão de 1930:
A emoção mais bela que podemos experimentar é o sentimento do mistério. É a emoção fundamental que está no berço de toda a verdadeira arte e ciência. Aquele que desconhece essa emoção, aquele que não consegue mais se maravilhar, ficar arrebatado pela admiração, é como se estivesse morto, é uma vela que foi apagada. Sentir que por trás de qualquer coisa que possa ser experimentada há algo que nossa mente não consegue captar, algo cuja beleza e solenidade nos atinge apenas indiretamente: essa é a religiosidade. Nesse sentido, e apenas nesse sentido, sou devotamente religioso.
 

Certa noite em Berlim, Einstein e a mulher estavam num jantar festivo quando um convidado expressou sua crença na astrologia. Einstein ridicularizou a ideia como superstição pura. Outro convidado entrou na conversa e passou a insultar a religião. A crença em Deus, insistiu ele, é uma espécie de superstição, também.
Nesse ponto, o anfitrião tentou calá-lo mencionando o fato de que até Einstein nutria crenças religiosas.
“Não é possível!”, disse o convidado cético, virando-se para Einstein a fim de perguntar se ele era, de fato, religioso.
“Sim, pode-se dizer que sim”, respondeu Einstein calmamente. “Tente penetrar, com nossos limitados meios, nos segredos da natureza, e descobrirá que. por trás de todas as leis e conexões discerníveis, permanece algo sutil, intangível e inexplicável. A veneração por essa força além de qualquer coisa que podemos compreender é a minha religião. Nesse sentido eu sou, de fato, religioso.”{1014}
Quando criança, Einstein passou por uma fase de êxtase religioso; depois se rebelou contra ela. Nas três décadas seguintes, em geral não se pronunciava muito sobre esse tópico. Mas, ao chegar aos cinquenta anos, começou a articular com mais clareza — em vários ensaios, entrevistas e cartas — sua apreciação cada vez mais profunda da sua herança judaica e, em separado, sua crença em Deus, embora se tratasse de um conceito bastante impessoal e deísta de Deus.
Decerto, havia muitas razões para isso, além da propensão natural, que costuma ocorrer por volta dos cinquenta anos, para refletir sobre a eternidade. A afinidade que ele sentia por outros judeus, em virtude da contínua opressão anti-semita, despertou alguns de seus sentimentos religiosos. Mas, ao que tudo indica, as convicções dele provinham sobretudo do sentimento de deslumbramento com a ordem transcendental que descobriu por meio de seu trabalho científico.
Seja apreciando a beleza de suas equações sobre o campo gravitacional, seja rejeitando a incerteza da mecânica quântica, Einstein demonstrava profunda fé na ordem do universo. Foi o que serviu de base para sua visão científica — e também para sua visão religiosa. “A mais elevada satisfação de um cientista”, escreveu ele em 1929, é chegar à compreensão “de que o próprio Deus não poderia ter organizado essas conexões de nenhuma outra maneira a não ser da maneira que realmente existe, assim como não estaria em Seu poder fazer com que 4 fosse um número primo.”{1015}
Para Einstein, como para a maioria das pessoas, a crença em algo maior que ele mesmo se tornou um sentimento definidor. Produzia nele uma mistura de confiança e humildade, com um toque de doce simplicidade. Dada sua predisposição para ser autocentrado, essas eram graças positivas. Juntamente com seu senso de humor e sua autoconsciência que beirava a timidez, essas qualidades o ajudaram a evitar a presunção e o pedantismo que poderiam ter se apossado da mente mais famosa do mundo.
Seus sentimentos religiosos de deslumbramento perante o universo e também de humildade formaram a base do seu senso de justiça social. Esta o levava a detestar as pompas da hierarquia e da distinção de classes, a fugir do consumo excessivo e do materialismo, e a se esforçar em prol dos refugiados e dos oprimidos.
Pouco depois de completar cinquenta anos, Einstein deu uma notável entrevista, em que revelou mais sobre o seu pensamento religioso do que jamais fizera. A entrevista foi concedida a um poeta e propagandista, pomposo porém adulador, chamado George Sylvester Viereck. Nascido na Alemanha, Viereck emigrou para os Estados Unidos quando criança e passou o resto da vida escrevendo poemas de um erotismo exuberante, entrevistando grandes homens e expressando seu complexo amor por sua pátria.
Depois de conseguir entrevistar celebridades que iam desde Freud até Hitler e o Kaiser, posteriormente publicadas num livro intitulado Visões de Grandes Homens, ele conseguiu marcar uma conversa com Einstein em seu apartamento em Berlim. Lá, Elsa serviu-lhe suco de framboesa e salada de frutas; os dois homens então subiram para o escritório de eremita de Einstein. Por razões que não ficaram bem claras, Einstein supôs que Viereck fosse judeu. Na verdade. Viereck tinha orgulho de descender da família do Kaiser; mais tarde, tornou-se simpatizante do nazismo e foi preso nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra por fazer propaganda a favor da Alemanha.{1016} Viereck começou indagando a Einstein se ele se considerava alemão ou judeu. “É possível ser as duas coisas”, respondeu Einstein. “O nacionalismo é uma doença infantil, o sarampo da humanidade.”
Os judeus deveriam tentar se assimilar? “Nós, judeus, temos procurai: com demasiado empenho sacrificar nossas idiossincrasias a fim de nos conformarmos à norma.”
Até que ponto o senhor é influenciado pelo cristianismo? “Quando criança, recebi instrução tanto sobre a Bíblia como sobre o Talmude. Sou judeu, mas sou fascinado pela luminosa figura do Nazareno.” O senhor aceita a existência histórica de Jesus? “Sem dúvida! Quem pode ler os Evangelhos sem sentir a presença real de Jesus? Sua personalidade pulsa em cada palavra. Não há nenhum mito que esteja imbuído de tanta vida.”
O senhor acredita em Deus?
Não sou ateu. O problema aí envolvido é demasiado vasto para nossas mentes delimitadas. Estamos na mesma situação de uma criancinha que entra numa biblioteca repleta de livros em muitas línguas. A criança sabe que alguém deve ter escrito esses livros. Ela não sabe de que maneira, nem compreende os idiomas em que foram escritos.
A criança tem uma forte suspeita de que há uma ordem de mistérios na organização dos livros, mas não sabe qual é essa ordem. É essa, parece-me.. a atitude do ser humano, mesmo do mais inteligente, em relação a Deus. Vemos o universo maravilhosamente organizado e que obedece a certas leis; mas compreendemos essas leis apenas muito vagamente.
Seria esse um conceito judaico de Deus? “Sou determinista. Não acredito no livre-arbítrio. Os judeus acreditam no livre-arbítrio. Eles acreditam que cada homem faz sua própria vida. Eu rejeito essa doutrina. Nesse aspecto, não sou judeu.”
Será esse o Deus de Espinosa? “Sou fascinado pelo panteísmo de Espinosa, mas admiro ainda mais sua contribuição para o pensamento moderno, pois ele foi o primeiro filósofo a lidar com o corpo e a alma como uma só entidade, e não como duas coisas separadas.”
Como chegou às suas ideias? “Sou artista o suficiente para inspirar-me livremente na minha imaginação. A imaginação é mais importante que o conhecimento. O conhecimento é limitado. A imaginação abrange o mundo inteiro.”
O senhor acredita na imortalidade? “Não. E uma vida é suficiente para mim.”{1017}
Einstein tentou expressar esses sentimentos claramente, tanto para si mesmo como para todos aqueles que desejavam obter dele uma resposta simples acerca da sua fé.
Assim, no verão de 1930, entre seus passeios de barco e suas reflexões em Caputh, escreveu um credo, “No que acredito”. Concluía com uma explicação sobre o que tinha em mente quando dizia ser religioso: A emoção mais bela que podemos experimentar é o sentimento do mistério. É a emoção fundamental que está no berço de toda a verdadeira arte e ciência. Aquele que desconhece essa emoção, aquele que não consegue mais se maravilhar, ficar arrebatado pela admiração, é como se estivesse morto; é uma vela que foi apagada. Sentir que por trás de qualquer coisa que possa ser experimentada há algo que nossa mente não consegue captar, algo cuja beleza e solenidade nos atinge apenas indiretamente: essa é a religiosidade. Nesse sentido, e apenas nesse sentido, sou devotamente religioso.{1018}
Considerado evocativo, até inspirador, pelo público, o texto foi reimpresso repetidas vezes e traduzido para as mais diversas línguas. Mesmo assim — o que não é de surpreender —, não satisfez os que desejavam uma resposta simples e direta à pergunta: “O senhor acredita em Deus?”. Assim, tentar levar Einstein a responder a essa pergunta de modo conciso passou a substituir o frenesi anterior de tentar levá-lo a explicar a relatividade numa só frase.
Um banqueiro do Colorado escreveu-lhe dizendo que já conseguira obter respostas de 24 ganhadores do prémio Nobel à pergunta “O senhor acredita em Deus?”, e pedia a Einstein que também respondesse. “Não consigo conceber um Deus pessoal que tenha influência direta nas ações dos indivíduos ou que julgue as criaturas da sua própria criação”, rabiscou Einstein em resposta. “Minha religiosidade consiste numa humilde admiração pelo espírito infinitamente superior que se revela no pouco que conseguimos compreender sobre o mundo passível de ser conhecido. Essa convicção profundamente emocional da presença de um poder superior racional que se revela nesse universo incompreensível forma a minha ideia de Deus.”{1019}

Uma menina da sexta série de uma escola dominical de Nova York fez a pergunta de uma forma ligeiramente diferente. “Os cientistas rezam?”, indagou ela. Einstein levou-a a sério. “A pesquisa científica baseia-se na ideia de que tudo o que acontece é determinado por leis da natureza, e isso também vale para ai ações das pessoas”, explicou. “Por esse motivo, um cientista não se sentiria inclinado a acreditar que os fatos podem ser influenciados por uma oração, isto e. por um desejo dirigido a um Ser sobrenatural.”
Isso não significava, contudo, que não existisse nenhum ser Todo-poderoso, nenhum espírito maior que nós mesmos. Ele continuou a explicar à garota:
“Qualquer pessoa que se envolve seriamente no trabalho científico acaba convencida de que existe um espírito que se manifesta nas leis do universo — um espírito vastamente superior ao espírito humano, em face do qual nós, com nossos modestos poderes, temos de nos sentir humildes. Desse modo, a pesquisa científica leva a um sentimento religioso bem especial, que é, de fato, muito diferente da religiosidade de uma pessoa mais ingênua”.{1020} Para alguns, apenas uma crença bem clara num Deus pessoal, que controla nossa vida diária, serviria como resposta satisfatória, e as ideias de Einstein sobre um espírito cósmico impessoal, assim como suas teorias da relatividade mereciam ser desmascaradas. “Duvido seriamente que o próprio Einstein sair: aonde quer chegar”, disse William Henry O’Connell, cardeal de Boston. Mas uma coisa parecia clara: era algo sem Deus. “O resultado de todas essas dúvidas e especulações nebulosas acerca do tempo e do espaço é um manto sob o qual se esconde o fantasma assustador do ateísmo.”{1021}
Esse ataque público de um cardeal motivou o rabino Herbert S. Goldstein destacado líder dos judeus ortodoxos de Nova York, a enviar um telegrama bastante direto: “O senhor acredita em Deus? Ponto. Resposta paga. 50 palavras”. Einstein usou apenas a metade desse número para escrever o que se tornou a versão mais famosa de uma resposta que ele deu muitas vezes: “Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmonia bem-ordenada de tudo o que existe; mas não acredito num Deus que se ocupe com o destino e as ações da humanidade”.{1022}
A resposta de Einstein não foi confortadora para todos. Alguns judeus religiosos, por exemplo, observaram que Espinosa fora excomungado da comunidade judaica de Amsterdã em razão dessas convicções, e também fora condenado pela Igreja Católica, por garantia. “O cardeal O’Connell teria feito bem em não atacar a teoria de Einstein”, disse um rabino do Brorrx. “E Einstein teria feito melhor em não proclamar sua descrença num Deus que se ocupa com o destino e as ações dos indivíduos. Os dois deram opiniões sobre áreas fora da sua jurisdição.”{1023}
Mesmo assim, a maioria das pessoas ficou satisfeita, concordasse plenamente ou não, pois conseguia compreender o que ele queria dizer. A ideia de um Deus impessoal, cuja mão se reflete na glória da Criação mas que não se imiscui na vida diária do ser humano, faz parte de uma respeitável tradição tanto na Europa como nos Estados Unidos. Ela se encontra em alguns dos filósofos prediletos de Einstein e, de modo geral, está de acordo com as convicções religiosas de muitos dos fundadores dos Estados Unidos, como Jefferson e Franklin.
Alguns crentes religiosos descartam as frequentes invocações feitas por Einstein de Deus como mera figura de linguagem. O mesmo fazem alguns não-crentes. Havia muitas expressões que ele usava, algumas jocosas, que iam desde der Herrgott (o senhor Deus) até der Alte (o Velho). Mas não era do estilo de Einstein falar de modo insincero a fim de parecer que estava se conformando à norma; muito pelo contrário. Assim, nós deveríamos lhe dar a honra de levarmos a sério suas palavras quando ele insiste, repetidas vezes, que essas expressões tão batidas não eram uma evasiva sutil, uma maneira semântica de disfarçar o fato de que ele era, na verdade, ateu.
A vida toda Einstein foi coerente ao rebater a acusação de ser ateu. “Há pessoas que dizem que não existe Deus”, disse ele a um amigo. “Mas o que me deixa mais zangado é que elas citam meu nome para apoiar essas ideias.”{ 1024}
Diferentemente de Sigmund Freud ou Bertrand Russell ou George Bernard Shaw, Einstein nunca sentiu o impulso de denegrir os que acreditam em Deus; em vez disso, costumava denegrir os ateus. “O que me separa da maioria dos chamados ateus é um sentimento de total humildade com os segredos inatingíveis da harmonia do cosmos”, explicou ele.{1025}
De fato, Einstein costumava ser mais crítico em relação aos que ridicularizavam a religião, e que pareciam carecer de humildade e do senso de deslumbramento, do que em relação aos fiéis. “Os ateus fanáticos”, explicou ele numa carta, “são como escravos que continuam sentindo o peso das correntes que jogaram fora depois de muita luta. São criaturas que — em seu rancor contra a religião tradicional como sendo o ‘ópio das massas’ — não conseguem ouvir a música das esferas.”{1026}
Einstein mais tarde se envolveu numa troca de ideias sobre esse tópico com um guarda-marinha das forças navais americanas a quem não conhecia pessoalmente. Era verdade, indagou o marinheiro, que Einstein fora convertido por um padre jesuíta e passara a acreditar em Deus? Absurdo, respondeu Einstein. Continuou dizendo que via a crença num Deus que era uma figura paternal como resultado de “analogias infantis”. Será que Einstein lhe permitiria, perguntou o marinheiro, citar a resposta dele em seus debates com os colegas do navio que eram mais religiosos? Einstein advertiu-o de que não simplificasse em demasia. “Você pode me chamar de agnóstico, mas eu não compartilho daquele espírito de cruzada do ateu profissional, cujo fervor se deve mais a um doloroso ato de libertação dos grilhões da doutrinação religiosa recebida na juventude”, explicou. “Prefiro a atitude de humildade que corresponde à debilidade da nossa compreensão intelectual da natureza e do nosso próprio ser.”{1027}
De que modo esse instinto religioso se relacionava à sua ciência? Para Einstein, a beleza da sua fé consistia no fato de que ela era a essência e a inspiração do seu trabalho científico, e não algo que entrasse em conflito com este. “O sentimento religioso cósmico”, disse ele, “é o motivo mais forte e mais nobre da pesquisa científica.”{1028}
Einstein mais tarde explicou como via a relação entre ciência e religião numa conferência sobre esse tópico no Seminário Teológico Unionista, em Nova York. O reino da ciência, disse, consiste em descobrir com exatidão o que acontece, mas não em avaliar os pensamentos e as ações humanas sobre o que deveria acontecer. A religião tem o mandato inverso. E, no entanto, esses dois tipos de esforços por vezes atuam juntos. “A ciência só pode ser criada pelos que estão totalmente imbuídos pela aspiração à verdade e à compreensão”, disse ele. “Contudo, esse sentimento brota da esfera da religião.”
Essa fala saiu na primeira página dos jornais, e a conclusão de Einstein, saborosa e concisa, ganhou fama: “A situação pode ser expressa por uma imagem: a ciência sem religião é manca; a religião sem ciência é cega”.
Mas havia um conceito religioso, prosseguiu Einstein, que a ciência não podia aceitar: uma divindade capaz de se imiscuir a seu bel-prazer nos acontecimentos da sua criação ou na vida das suas criaturas. “A causa principal dos atuais conflitos entre as esferas da religião e da ciência consiste nesse conceito de um Deus pessoal”, argumentou ele. Os cientistas buscam revelar as leis imutáveis que governam a realidade e, ao fazê-lo, têm de rejeitar a noção de que a vontade divina, e, aliás, também a vontade humana, desempenha um papel que violaria essa causalidade cósmica.{1029}
Essa crença no determinismo causal, inerente à visão científica de Einstein, entrava em conflito não só com o conceito de um Deus pessoal. Era ainda, ao menos na mente de Einstein, incompatível com o livre-arbítrio humano. Embora fosse um homem profundamente moral, por sua crença no determinismo estrito julgava difícil aceitar a ideia da escolha moral e da responsabilidade individual, que se encontra no cerne da maioria dos sistemas éticos.
Os teólogos judeus, bem como os teólogos cristãos, de maneira geral sempre acreditaram que as pessoas têm livre-arbítrio e são responsáveis por seus atos. Elas têm até a liberdade, como narra a Bíblia, de optar por desafiar os mandamentos de Deus, embora isso pareça entrar em conflito com a crença de que Deus é onisciente e todo-poderoso.
Einstein, por outro lado, acreditava, como Espinosa,{1030} que as ações de uma pessoa eram predeterminadas, assim como as de uma bola de bilhar, um planeta ou uma estrela.
“Os seres humanos, em seus pensamentos, sentimentos e atos, não são livres, mas estão presos pela causalidade do mesmo modo que as estrelas em seus movimentos”, afirmou Einstein em 1932, numa declaração à Sociedade Espinosa.{1031}
As ações humanas são determinadas, para lá do seu controle, tanto por leis físicas como por leis psicológicas, acreditava. Tal conceito ele extraiu também das suas leituras de Schopenhauer, a quem atribuiu, no credo de 1930, “No que acredito”, uma máxima deste teor:
Não acredito, em absoluto, no livre-arbítrio no sentido filosófico. Cada pessoa age não só sob pressão das compulsões externas, mas também de acordo com as necessidades internas. O dito de Schopenhauer: “Um homem pode fazer o que deseja, mas não pode mandar nos seus desejos”{1032} tem sido uma verdadeira inspiração para mim desde a juventude; é um consolo contínuo ante as dificuldades da vida. tanto minhas como alheias, e uma fonte infalível de tolerância.{ 1033}
O senhor acredita, perguntaram certa vez a Einstein, que o ser humano e um agente livre? “Não, sou determinista”, respondeu ele. “Tudo já está determinado, tanto o início como o fim, por forças sobre as quais não temos nenhum controle. Tudo está determinado, tanto para o inseto como para a estrela. Seres humanos, vegetais, poeira cósmica, todos nós dançamos conforme uma música misteriosa, entoada à distância por um músico invisível.”{ 1034}
Essa atitude deixava consternados alguns amigos, como Max Born, o qual julgava que ela destruía por completo os alicerces da moralidade humana. “Eu não consigo compreender como você pode combinar um universo inteiramente mecanicista com a liberdade do indivíduo ético”, escreveu ele a Einstein. “Para mim, um mundo determinista é absolutamente abominável. Talvez você tenha razão e o mundo seja, de fato, como você diz. Mas, no momento, ele não parece ser assim na física — muito menos no resto do mundo.”
Para Born, a incerteza da física quântica oferecia uma saída para esse dilema. Do mesmo modo que alguns filósofos da época, ele se apegou à indeterminação inerente à mecânica quântica para resolver “a discrepância entre a liberdade ética e as leis naturais estritas”.{1035} Einstein reconheceu que a mecânica quântica questionava o determinismo estrito, mas disse a Born que continuava acreditando neste, tanto na área das ações pessoais como na física. Born explicou a questão à sua nervosa mulher, Hedwig, sempre ansiosa para discutir as ideias de Einstein. Ela disse a Einstein que, assim como ele, também era “incapaz de acreditar num Deus ‘que joga dados’”. Noutras palavras diferentemente do marido, ela rejeitava a visão da mecânica quântica de que o universo se baseia em incertezas e probabilidades. Mas, acrescentou Hedwiz “tampouco consigo imaginar que o senhor acredite — como me disse Max — que o seu conceito do ‘predomínio absoluto das leis’ significa que tudo é predeterminado —, por exemplo, se eu vou ou não vou mandar vacinar meus filhos.{1036} Isso significaria, ressaltou ela, o fim de toda a ética.
Na filosofia de Einstein, a forma de resolver essa questão era considera: livre-arbítrio algo útil, e até necessário, para uma sociedade civilizada, pois leva as pessoas a assumir a responsabilidade por seus atos. Agir como se cada um fosse responsável por seus atos teria o efeito, tanto psicológico como prático, de estimular as pessoas a agir de maneira mais responsável. “Sou compelido a agir como se existisse o livre-arbítrio”, explicou ele, “já que, se desejo viver numa sociedade civilizada, devo agir de modo responsável.” Podia até responsabilizar as pessoas por suas boas e más ações, já que essa é uma abordagem pragmática e sensata para a vida; mas ao mesmo tempo continuava a acreditar intelectualmente que as ações de cada um são predeterminadas. “Sei que, filosoficamente, um assassino não é responsável por seu crime”, disse, “mas prefiro não tomar chá com ele.”{1037}
 Em defesa de Einstein, bem como de Max e Hedwig Born, deve-se notar que os filósofos, em todas as épocas, sempre lutaram, às vezes de maneira canhestra e sem grande sucesso, para reconciliar o livre-arbítrio com o determinismo e com um Deus onisciente. Se Einstein teve maior ou menor habilidade que outros ao lidar com esse nó, há um fato notório que deve ser observado: ele foi capaz de desenvolver e praticar uma forte moralidade pessoal, ao menos em relação à humanidade em geral ainda que nem sempre em relação a membros da sua família, que não foi prejudicada por todas essas especulações filosóficas insolúveis. “O empreendimento humano mais importante é a luta pela moralidade em nossas ações”, escreveu ele a um ministro protestante do Brooklyn. “Nosso equilíbrio interno e até nossa própria existência dependem disso. Só a moralidade em nossas ações pode dar beleza e dignidade à vida.”{1038}
O alicerce dessa moralidade, acreditava ele, consistia em elevar-se acima do “meramente pessoal” e viver de uma forma que beneficiasse a humanidade. Em certas ocasiões, era capaz de ser insensível com os mais próximos, o que mostra que, como o restante de nós, seres humanos, ele também tinha suas falhas. Porém, mais que a maioria das pessoas, dedicou-se sinceramente, e por vezes corajosamente, a ações que transcendiam os desejos egoístas, a fim de incentivar o progresso humano e a preservação das liberdades individuais. Era, de modo geral, um homem generoso, de génio bom, gentil e despretensioso. Em 1922, quando partiu para o Japão com Elsa, aconselhou as filhas dela sobre como levar uma vida moral. “Usem pouco para vocês mesmas”, disse, “mas dêem muito aos outros.”{1039}

 (WALTER ISAACSON - Einstein, Sua vida, seu universo)
 

NOTAS:
{1014} Charles Kessler, ed., The Diaries of Count Harry Kessler (Nova York: Grove Press,
2002), 322 (entrada de 14 de junho de 1927); Jammer 1999, 40. Jammer 1999 traz um bom
panorama dos aspectos biográficos, filosóficos e científicos do pensamento religioso de
Einstein.
{1015} Einstein, “Ueber den Gegenwertigen Stand der Feld-Theorie”, 1929, AEA 4-38.
{1016} Neil Johnson, George Sylvester Viereck: Poet and Propagandist (Iowa City:
University of Iowa Press, 1968); George S. Viereck, My Flesh and Blood: A Lyric Autobiography
with Indiscreet Annotations (Nova York: Liveright, 1931).
{1017} Viereck, 372-8; Viereck publicou a entrevista primeiramente como “What Life
Means to Einstein”, Saturday Evening Post, 16 de outubro de 1929. Em geral, tenho seguido a
tradução e as paráfrases de Brian 2005,185-6, e de Calaprice. Ver também Jammer 1999, 22.
{1018} Einstein, “No que acredito”, escrito originalmente em 1930 e gravado para a Liga
Alemã de Direitos Humanos. Foi publicado como “The World As I See It” em Fórum and
Century, 1930; em Living Philosophies (Nova York: Simon & Schuster, 1931); em Einstein
1949a, 1-5; em Einstein 1954, 8-11. As versões são todas traduzidas de maneira ligeiramente
diferente e trazem pequenas revisões. Para uma versão em áudio, ver www.yu.edu/libraries/digital_
library/einstein/credo.html.
{1019} Einstein a M. Schayer, 5 de agosto de 1927, AEA 48-380; Dukas e Hoffmann, 66.
{1020} Einstein a Phyllis Wright, 24 de janeiro de 1936, AEA 52-337.
{1021} “Passover”, Time, 13 de maio de 1929.
753/788
{1022} Einstein a Herbert S. Goldstein, 25 de abril de 1929, AEA 33-272; “Einstein Believes
in Spinoza’s God”, New York Times, 25 de abril de 1929; Gerald Holton, “Einstein’s
Third Paradise”, Daedalus (outono 2002): 26-34. Goldstein era o rabino da Institutional Synagogue
no Harlem e presidente vitalício da Union of Orthodox Jewish Congregations of
America.
{1023} O rabino Jacob Katz, da Congregação Montefiore, citado na Time, 13 de maio de
1929.
{1024} Calaprice, 214; Einstein to Hubertus zu Löwenstein, ca. 1941, em Löwenstein,
Towards the Further Shore (Londres: Victor Gollancz, 1968), 156.
{1025} Einstein a Joseph Lewis, 18 de abril de 1953, AEA 60-279.
{1026} Einstein a um destinatário desconhecido, 7 de agosto de 1941, AEA 54-927.
{1027} Guy Raner Jr. a Einstein, 10 de junho de 1948, AEA 57-287; Einstein a Guy Raner
Jr., 2 de julho de 1945, AEA 57-288; Einstein a Guy Raner Jr., 28 de setembro de 1949, AEA
57-289.
{1028} Einstein, “Religion and Science”, New York Times, 9 de novembro de 1930, reimpr.
em Einstein 1954, 36-40. Ver também Powell.
{1029} Einstein, discurso para o Simpósio sobre Ciência, Filosofia e Religião, 10 de setembro
de 1941, reimpr. em Einstein 1954, 41; “Sees No Personal God”, Associated Press, 11 de
setembro de 1941. Uma clipagem amarelada dessa história me foi dada por Orville Wright,
que era um jovem oficial da marinha na época e vinha guardando isso havia sessenta anos; ela
passara de mão em mão em seu navio e recebera anotações de vários marinheiros dizendo
coisas como: “Cara, que você acha disso?”.
{1030} “Na mente não há absoluto nem livre-arbítrio, mas a mente é determinada por essa
ou aquela volição, por uma causa, que é também determinada por outra causa, e esta novamente
por outra, e assim por diante ad infinitum.” Baruch Espinosa, Ética, parte 2, proposição
48.
{1031} Einstein, declaração à Sociedade Espinosa dos Estados Unidos, 22 de setembro de
1932.
{1032} Algumas vezes traduzido como “Um homem pode fazer o que quer, mas não querer
o que quer”. Não consegui encontrar essa citação nos escritos de Schopenhauer. O sentimento,
contudo, concorda com a filosofia de Schopenhauer. Ele disse, por exemplo: “A vida de um
homem, em todos os seus eventos grandes e pequenos, é necessariamente predeterminada
tanto quanto os movimentos de um relógio”. Schopenhauer, “On Ethics”, em Parerga and
754/788
Paralipomena: Short Philosophical Essays (Nova York: Oxford University Press, 2001), 2:
227.
{1033} Einstein, “The World As I See It”, em Einstein 1949a e Einstein 1954.
{1034} Viereck, 375.
{1035} Max Born a Einstein, 10 de outubro de 1944, em Born 2005,150.
{1036} Hedwig Born a Einstein, 9 de outubro de 1944, em Born 2005, 149.
{1037} Viereck, 377.
{1038} Einstein ao rev. Cornelius Greenway, 20 de novembro de 1950, AEA 28-894.
{1039} Sayen, 165.

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