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MUDANDO AS AUTO-CARÍCIAS

por Thynus, em 10.02.15
Amar o próximo não é mais idealismo "místico" de alguns. Ou
aprendemos a nos acariciar, ou liquidaremos com nossa espécie.
ROBERTO SHINYASHIKI
 
Se você trabalhasse numa empresa que tivesse dez telefones e se durante todo o tempo as pessoas usassem os telefones para falar com outras, teríamos os dez aparelhos permanentemente ocupados. Se alguém telefonasse para a empresa, não conseguiria completar a ligação, pois não haveria linhas desocupadas.
Pode ser que exista uma telefonista que receba as ligações; ela põe a pessoa que chamou à espera; depois de algum tempo a linha será desligada, a empresa praticamente ficará sem comunicação com o exterior.
Assim funciona uma pessoa na qual o processamento das autocríticas, sejam positivas ou negativas, seja muito intenso. Apesar de estar recebendo estímulos de fora, não os irá assimilar, porque estará fechada às comunicações externas.
Muitas pessoas ficam constantemente em agitação interna— escutando vozes e respondendo a elas o tempo todo, e por isso acabam não tendo comunicação com os outros.
As vezes o outro pode ficar esperando um espaço para falar, porém se a pessoa segue sem abertura, o outro irá desistir.
Ficar sem comunicação com o exterior, ocorre nos diálogos internos, nos sistemas psicossomáticos, ou seja, em situações em que a pessoa se fecha tanto em si que desqualifica a importância dos outros. E aí, pode ficar exclamando que... ninguém a ama ninguém a valoriza ninguém a procura Porém o básico é que esta pessoa não esta aberta. Por estar aberta é importante que a auto-estima esteja num nível pelo menos satisfatório, porque a nossa tendência é procurar os outros quando estamos bem e nossa auto-estima tem muita relação com as auto-carícias.
É muito importante que cuidemos bem de nosso sistema de auto-carícias. E aqui vão algumas sugestões: Identifique suas auto-carícias Quando estiver passando por uma crise, aproveite para dar-se conta do que você faz consigo mesmo. Perceba se você fala consigo as mesmas frases que ouviu no passado e qual está sendo a conseqüência disso. Saber o que você faz consigo é fundamental para saber o que você vai mudar. Trocar auto-carícias negativas por positivas Ao invés de ficar na fossa, se machucando e sofrendo, porque está com algum problema, comece a cuidar bem de você, apesar de não estar em um momento bom. Não repita a situação clássica, em que as pessoas criticam alguém, quando estão atravessando uma situação crítica. Pode até ser que os outros façam isso com você, mas não é justo que você faça isso consigo mesmo. Não ficar esperando que o outro resolva o seu problema.
Dormir bem é essencial não apenas para ficar acordado no dia seguinte, mas, para se manter saudável, melhorar a qualidade de vida e até aumentar a longevidade.
 
 Quando uma pessoa está com a bateria de carícias descarregada, sua tendência é entrar em curto-circuito; neste momento toda uma gama de autocarícias vai cuidar para aumentar a carga, geralmente com autocarícias negativas. Uma auto-carícia importante nesse momento é no sentido de cada um procurar cuidar de si o melhor que possa, identificando a necessidade do momento para que possa sentir-se bem, independentemente dos outros. Logicamente o relacionamento com as pessoas é bem-vindo. Mas, se o circuito interno de auto-carícias negativas estiver muito intenso, a tendência é de desqualificar o outro. É preciso pois, primeiramente, acertar o circuito interno de carícias. Dar-se auto-carícias positivas físicas
Grande número de problemas do homem acontece por razões mecânicas; isso porque a máquina humana não foi preparada para esse ritmo de competição e 'stress'. Quando não se tem consciência que o nosso corpo é o nosso indicador de que somos seres humanos (e como seres humanos somos ótimos), começa-se a forçar o corpo até que ele não agüenta mais e explode. Vamos começar a, além de problemas orgânicos apresentar também problemas psicológicos. E é importante saber que a solução para esses problemas é basicamente cuidar do corpo. Se alguém estiver doente e trabalhando duro, certamente ficará irritadiço e triste e a solução para isso será cuidar-se e descansar. Certamente, a pergunta de caráter psicológico será: 'Por que alguém doente está trabalhando tanto?' Mas o mais eficiente, no momento, será cuidar do corpo. Muitos dos nossos problemas se resolvem quando mudamos nosso estilo de vida, de alimentação, de exercícios físicos, de sono e de descanso.
Um exemplo de dar auto-carícias positivas físicas é cuidar do sono. Muita gente dorme mal porque cuida mal do sono. No dia seguinte acorda tensa e cansada. Assim vai ao trabalho, fica tensa e mais cansada, acaba dormindo pior e assim segue... Provavelmente se ela tiver: colchão e travesseiros gostosos, não ficar discutindo na cama antes de dormir, comer comida leve à noite, não ler as desgraças dos jornais nessa hora, escutar música suave, fazer um relaxamento, seu sono será muito mais gratificante e, no dia seguinte, acordará relaxada e descansada: isso certamente influenciará sua maneira de realizar as tarefas do dia-a-dia.
Perceba como suas auto-carícias podem estar levando você a não escutar os outros É o caso da empresa sem comunicação. As vezes as pessoas ficam olhando para baixo e não percebem os outros. Outras vezes ficam pensando no futuro (ou no passado). Enfim, perceber que a chuva que cai no final de semana, cai para todos. Que não está chovendo somente para estragar o nosso programa. Uma dificuldade que surge não aparece deliberadamente para nos agredir. Se nós falamos: 'Tudo acontece comigo', isto é uma autocarícia negativa e a chuva é só um pretexto para alguém sofrer. Perceba como você pode estar usando as pessoas, as situações, para martirizar-se. E se você quiser vai poder sofrer bastante!

(ROBERTO SHINYASHIKI - A CARÍCIA ESSENCIAL, Uma psicologia do afeto)
Conseqüências de uma noite mal dormida

publicado às 14:12


A Fé religiosa e a má-fé

por Thynus, em 02.02.15
"Não há nome que me designe, nem marca, nem sinal. As designações são escolhidas por homens inseguros, que precisam de uma palavra para cristalizar as suas vagas emoções, de uma luz fraca para guiar-lhes os passos incertos.
(...) Roma já não é a Cidade da Fé, uma cidadela do misticismo. É uma organização política, e os seus padres são estadistas e políticos, ansiosos pelas glórias do poderio material e da subjugação de reis e governos, ambiciosos de poder para si mesmos. O Santo Império Romano, através da corrupção, da intriga e da avareza, transformou-se no Negro Império Romano, que procura escravizar todos os homens para ficar cada vez mais rico. Que é feito da fé que antes lhe dava verdade e radiância? Tornou-se uma espada implacável nas suas mãos.
(...) Enquanto a espada da ambição não for quebrada, nenhum homem, em nenhuma parte do mundo, estará a salvo, nenhum governo estará firme, e o sonho dos justos, um sonho de liberdade e esclarecimento, terá que ser sonhado nas celas das prisões e na solidão mais escura.
(...) A Igreja de Deus transformou-se na Igreja de patifes e saltimbancos, de atores e malfeitores, de mentirosos e inimigos, de intriguistas perigosos. A sombra da mitra está ofuscando o sol de Cristo."

(Taylor Caldwell - A LUZ E AS TREVAS)
 
"Os padres... Como os conheci? Na casa do vovô, creio; tenho a obscura lembrança de olhares fugidios, dentaduras estragadas, hálitos pesados, mãos suadas que tentavam me acariciar a nuca.
Que nojo. Ociosos, pertencem às classes perigosas, como os ladrões e os vagabundos. O sujeito se faz padre ou frade só para viver no ócio, e o ócio é garantido pelo número deles.
Se fossem, digamos, um em mil alm
as, os padres teriam tanto o que fazer que não poderiam ficar de papo para o ar comendo, capões. E entre os padres mais indignos o governo escolhe os mais estúpidos, e os nomeia bispos.
Você começa a tê-los ao seu redor assim que nasce, quando o batizam; reencontra-os na escola, se seus pais tiverem sido suficientemente carolas para confiá-lo a eles; depois, vêm a primeira comunhão, o catecismo e a crisma; lá está o padre no dia do seu casamento, a lhe dizer o que você deve fazer no quarto e no dia seguinte no confessionário, a lhe perguntar, para poder se excitar atrás da treliça, quantas vezes você fez aquilo.
Falam-lhe do sexo com horror, mas todos os dias você os vê sair de um leito incestuoso sem sequer lavar as mãos, e vão comer e beber o seu Senhor, para depois cagá-lo e mijá-lo.
Repetem que seu reino não é desse mundo, e metem as mãos em tudo o que podem roubar. A civilização não alcançará a perfeição enquanto a última pedra da última igreja não houver caído sobre o último padre, e a Terra estiver livre dessa corja."

(Umberto Eco - O Cemitério de Praga)


Garçons aprendem a ser garçons construindo sua impressão de um garçom. Garçons andam de um certo jeito, assumem uma certa atitude, estabelecem algum ponto na escala entre intimidade e distância etc. Tudo bem com isso, contanto que o garçom tenha consciência de que é apenas um papel. Mas todos nós sabemos que garçons acreditam que realmente são garçons, que isso é o que são essencialmente. Três mauvaise foi! 

 
 

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O título já é redundante, porque não há religião sem Fé e porque o seu conceito é um pouco diferente do conceito de crença comum. Fé seria a crença comum, mas especialmente dirigida a tudo o que se relacione com Deus, com a Igreja, com as coisas tidas como sagradas. A redundância, no entanto, é útil, não só para bem distinguí-la da crença pagã, como também para justificar aquela vinculação.
Religiosos de todos os tempos já afirmaram que a Fé é um fenômeno congênito e distinto da razão humana. Há quem acredite seja ela apenas o resultado de um impacto direto com as coisas sagradas, assim consideradas por intuição e independentemente da capacidade de raciocinar. Seria apenas como um estado de alma. Recentemente, o próprio Papa João Paulo II, em sua encíclica “Fides et Ratio”, afirmou que ambas, a razão e a fé, devem coexistir e conviver. Para êle, a Fé, desprovida de razão, se arrisca a deixar de ser uma proposição universal, descambando para a superstição e o misticismo. Enquanto que a Razão, por sua vez, tem que ter mistério.
As Igrejas tudo fazem para estimular cada vez mais a Fé de seus adeptos, com a orientação circundante de que tudo é sagrado quando se pensa ou se fala em Deus. Daí, qualquer um dos atos religiosos do homem, como beijar uma imagem ou praticar orações de joelhos, deve ser considerado sempre como um modo de agir em conformidade com aquele mandamento. Dizem que o homem precisa acreditar para sentir que cumpre a sua missão de amar a Deus, aos santos e às coisas sagradas.
Levados por essa crença imposta, porém, os homens nem se apercebem que o ato de ter fé é apenas demonstração de sua insignificância diante da imensidão das coisas consideradas divinas. A Fé, na verdade, não passa de um mero produto da nossa mente, a partir dos conhecimentos trazidos pelos sentidos ou desenvolvidos pelo intelecto. Por isso, entender a Fé só pelo ponto de vista da religião é simplesmente desconsiderar a nossa própria capacidade dinâmica de pensar, atributo do sêr humano.
Racionalmente, devemos acreditar, sim, naquilo que sentimos, nas percepções oriundas da razão ou dos sentidos. Por exemplo: estamos vendo ali um avião ou um pássaro, êste é o rosto de uma criança, aquela maçã é deliciosa, tal perfume é de jasmim, êsse é um trecho da ópera Carmen (ou de uma canção com Roberto Carlos). Trata-se de conhecimentos pelos sentidos de realidades incontestáveis. Sei, ainda, com certeza, que aquele menino existe porque decorreu de uma anterior junção de dois gametas, um masculino e outro feminino. Ou que aquela flor é produto de um cruzamento vegetal. Ou que o homem construiu êste edifício. Ou que dois mais dois são quatro. Aqui o conhecimento provém da lógica das coisas, do raciocínio que nos levou a concluir a partir de fatos anteriores como premissas.
A fé religiosa, no entanto, não tem base onde apoiar-se e deriva só da condição de terem sido considerados transcedentais ou sagrados certos dogmas da religião. Se dissermos: Eu acredito que Deus existe porque Êle criou o mundo, ou em Santo Antonio, que me vai arranjar um bom casamento, ou em N. S. Aparecida porque ela me protege, ou em Santo Expedito, de quem recebi aquela graça, dá para se notar fácilmente que a fé de cada religioso não se vincula a qualquer relação de causa e efeito.
Se a fé remove montanhas, nunca vimos montanha alguma removida só pela fôrça da fé. Nem é verdadeiro o fato de ter-se aberto o mar para a passagem de Moisés e sua comitiva, como uma das estórias bíblicas. Já tomamos conhecimento de muitas ocorrências que se explicam como sendo fenômenos sobrenaturais por não terem sido previstas ou aguardadas pelo ser humano. São fenômenos hoje muito estudados pela parapsicologia. O que não podemos é considerá-los como diretamente derivados do poder de Deus ou do Espírito Santo, ou em decorrência de pedidos, orações ou preces. Da mesma forma que nas mágicas, onde tudo tem aparência de realidade, mas nunca passa de bem elaborados truques. E ninguém diz que o mágico é santo.
A Fé é muitas vezes a ostentação do homem, que é muito preguiçoso para pesquisar (Michael C. Knowles – Beneditino inglês).
Por causa da preguiça de raciocinar é que surgem todas as religiões. Elas imaginam a existência de um Deus, criam místicas e teorias (às vezes até com má-fé) para levarem a massa humana a seguir as suas doutrinas e a acreditar nÊle, respeitando-O e adorando-O cegamente como a um “Pai Nosso”, sob pena de advirem, após a morte de cada descrente, severas punições.
Ocorre que a grande maioria dos seres humanos, por não terem êstes nascido líderes, esquiva-se de pensar mais profundamente nas verdadeiras razões de ser de cada coisa. E apenas seguem o pregador. Por outro lado, os poucos que nasceram líderes, e se lançaram neste campo, dedicam-se a reunir o povo subserviente de uma congregação para transmitir-lhe o que ouviram de dirigentes anteriores ou que imaginaram como “sua” interpretação.
E fácil aglomerar o povo menos esperto nessas reuniões. Quanto menor for a cultura ou a escolaridade dos membros de um grupo, maior será a sua frequência às Igrejas, aos cultos ou aos terreiros. Ficam esses adeptos tão entretidos com as palavras bonitas dos pregadores, quase sempre citando as Escrituras Sagradas, que passam sem maior dificuldade até a contribuir com dinheiro (dízimos) em favor dessas Igrejas ou seitas, “certos” de terem de mantê-las, muitas vezes até com sacrifício pessoal.
Só a mente humana poderia imaginar um Deus assim, criador, dotado de vontades, para fazer o mundo a seu exclusivo critério. Como se pode acreditar num Deus que tenha criado os homens, com grandes diferenças entre todos êles? Por que não devemos simplesmente crer nessa premissa? É porque a nossa vida está ligada àquele ciclo gigantesco da Essência Vital, onde é irrelevante que se tenha fé, ou não, em questões sobrenaturais. Ora, se ter fé é um dom, a existir por si, autônoma e independente da razão, por que ela não está no íntimo de todos, indistintamente? Não estando, êsse Deus foi injusto, fazendo-nos diferentes uns dos outros. Ou então é natural que usemos a nossa própria inteligência, até mesmo para comentar essa questão da Fé religiosa.

(Laurindo Toretta -  DEUS, AS RELIGIÕES E O UNIVERSO)

O que é fé e o que é má-fé?
Fé (lat. fides: confiança, crença)
1. Atitude religiosa do verdadeiro crente que se liga a Deus por um ato voluntário, a partir de uma testemunha de origem sobrenatural. As relações da fé com a razão estiveram no centro das filosofias medieval e clássica. Segundo Tomás de Aquino, “foi necessário, para a salvação do homem, que houvesse, fora das ciências filosóficas que a razão perscruta, uma doutrina diferente, procedendo por revelação divina”. Sinônimo de crença.
2. Atitude mental que consiste em ligar-se, a partir de uma testemunha ou de uma autoridade indiscutível, a algo com o qual nos comprometemos. Assim, a fé aparece nas expressões jurídicas “dou fé”, “respeitar a fé jurada”, “testemunhar sob a fé do juramento” etc. Quando a fidelidade ao engajamento é uma fidelidade à verdade ou à intenção, fala-se de boa-fé. A má-fé é a duplicidade, a hipocrisia por palavra ou ato. A má-fé é um despistamento para o outro de seus verdadeiros sentimentos, um ocultamento do fundo de seu pensamento. Para Sartre, ao contrário, a má-fé consiste em se ocultar a si mesmo seus verdadeiros projetos ou o sentido de uma situação por essa espécie de duplicidade que é o modo de ser necessário do para-si (homem). (HILTON JAPIASSÚ, DANILO MARCONDES - DICIONÁRIO BÁSICO DE FILOSOFIA)

 

Na má-fé, o homem recusa sua liberdade, deixa de ser razão para ser paixão. Ele é agora, apenas uma mentira.
 
Na ma-fé há um mentir a si mesmo. Na má-fé eu escondo a verdade de mim, não há dualidade enganador-enganado, nela está implícita a unidade de uma consciência. Não se trata de um estado, não nos infectamos com ela; não vem de fora da realidade humana, a própria consciência se afeta da má-fé. Há um projeto de má-fé e uma intenção primordial, isto é, aquele a quem se mente e aquele que mente é uma só e mesma pessoa. Nas palavras de Sartre “Enquanto enganador, devo saber a verdade que é-me disfarçada enquanto enganado” (SARTRE, J-P. O Ser e o Nada). Ou melhor, essa verdade para que seja ocultada por mim com o maior cuidado, deve ser muito bem conhecida por mim.
Para que haja uma melhor compreensão do fenômeno da má-fé, vamos a um exemplo bastante elucidativo.
Vejamos esse garçom. Tem gestos vivos e marcados, um tanto precisos demais, um pouco rápido demais, e se inclina com presteza algo excessiva. Sua voz e seus olhos exprimem interesse talvez demasiado solícito pelo pedido do freguês. Afinal volta-se, tentando imitar o rigor inflexível de sabe-se lá que autômato. (SARTRE, J-P. O Ser e o Nada)
Toda a sua conduta parece uma brincadeira, ele assume a presteza e a rapidez inexorável das coisas. Ele brinca de ser garçom; brinca com a sua condição para realizá-la, tentando se aprisionar naquilo que é. Mas o problema é que o garçom não pode ser garçom de imediato e por dentro como esse tinteiro é tinteiro, ou esse livro é livro. A sua condição de sujeito remete à transcendência, a possibilidades abstratas; ao sujeito que deve ser, mas não é. Só posso ser esse ser-garçom por representação. “Por mais que cumpra as funções de garçom só posso ser garçom de forma neutralizada, como um ator interpreta Hamlet...”(SARTRE, J-P. O Ser e o Nada)) Mas o que tento realizar é o ser em-si do garçom, como se não fosse de minha escolha me levantar às cinco horas da manhã ou ficar deitado, correndo o risco de ser demitido do emprego. Eu sou garçom não à maneira do em-si e sim sendo o que não sou, sendo aquele que transcende de ponta a ponta e ser em-si que pretendo ser. Sou uma “divina ausência” que por toda parte escapa ao ser.
Isso se dá pelo modo de ser da consciência que é o para-si; pura transcendência, o oposto do em-si. Sendo este o ser (pura positividade) fechado em si mesmo, o para-si se manifesta como o outro que não o em-si, como o nada que possui uma “ânsia” pelo ser, como uma “manifestação” que é pura relação com este ser-em-si. Por isso a consciência se faz, seu ser é intencional, voltado para fora, é consciência de ser. A má-fé se manifesta quando esta condição humana se desdobra para assumir uma segunda natureza, quando o garçom quer se tornar coisa-garçom. Nas palavras de J. F. Povoas: Na má-fé, o homem recusa sua liberdade, deixa de ser razão para ser paixão. Ele é agora, apenas uma mentira.
 
De sacristia em sacristia, uma intriga sem fim.
 
 

 

 

publicado às 19:32

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