Um aspecto importante da especialização celular é a invenção da reprodução sexual, que ocorreu cerca de um bilhão de anos atrás. Tendemos a pensar que o sexo e a reprodução estão estreitamente associados, mas Margulis assinala que a complexa dança da reprodução sexual consiste em vários componentes distintos que evoluíram independentemente e só pouco a pouco se tornaram interligados e unificados.(Margulis e Sagan (1986), pp. 155ss)
O primeiro componente é um tipo de divisão celular, denominada meiose ("diminuição"), na qual o número de cromossomos no núcleo é reduzido exatamente pela metade. Isso cria células-ovo e células espermáticas especializadas. Essas células são, a seguir, fundidas no ato da fertilização, no qual o número normal de cromossomos é restaurado, e uma nova célula, o ovo fertilizado, é criada. Então, essa célula se divide repetidamente no crescimento e no desenvolvimento de um organismo multicelular.
A fusão de material genético proveniente de duas células diferentes está difundida entre as bactérias, onde ocorre como um contínuo intercâmbio de genes que não está ligado à reprodução. Nas plantas e nos animais primitivos, a reprodução e a fusão de genes se ligaram e, subseqüentemente, evoluíram em processos elaborados e em rituais de fertilização. O gênero, ou sexo, foi um aprimoramento posterior. As primeiras células germinais — esperma e ovo — eram quase idênticas, mas, ao longo do tempo, evoluíram em pequenas células espermáticas de movimento rápido e em grandes ovos sem movimento. A ligação entre fertilização e formação de embriões surgiu ainda mais tarde na evolução dos animais. No mundo das plantas, a fertilização levou a intrincados padrões de co-evolução de flores, de insetos e de pássaros.
À medida que a especialização das células prosseguiu em formas de vida maiores e mais complexas, a capacidade de auto-restauração e de regeneração diminuiu progressivamente. Os platelmintos, os pólipos e as estrelas-do-mar podem regenerar quase todo o seu corpo a partir de pequenas frações; lagartos, salamandras, caranguejos, lagostas e muitos insetos ainda são capazes de fazer voltar a crescer órgãos ou membros perdidos; porém, nos animais superiores, a regeneração está limitada à renovação de tecidos na cura de lesões. Como conseqüência dessa perda de capacidade de regeneração, todos os organismos grandes envelhecem e finalmente morrem. No entanto, com a reprodução sexual, a vida inventou um novo tipo de processo de regeneração, no qual organismos inteiros são formados de novo repetidas vezes, retornando, em cada "geração", a uma única célula nucleada.
Plantas e animais não são as únicas criaturas multicelulares do mundo vivo. Como outras características dos organismos vivos, a multicelularidade evoluiu muitas vezes em muitas linhagens de vida, e ainda existem hoje vários tipos de bactérias multicelulares e muitos protistas (microorganismos com células nucleadas) multicelulares. À semelhança dos animais e das plantas, esses organismos multicelulares, em sua maioria, são formados por sucessivas divisões celulares, mas algumas podem ser geradas por uma agregação de células vindas de diferentes fontes, mas da mesma espécie.
Um exemplo espetacular dessas agregações é o mixomiceto, um organismo macroscópico mas que, tecnicamente, é um protista. O mixomiceto tem um ciclo de vida complexo envolvendo uma fase móvel (zoomórfica) e uma imóvel (fitomórfica). Na fase zoomórfica, ele começa como uma multidão de células isoladas, comumente encontradas em florestas sob troncos apodrecidos e folhas úmidas, onde se alimentam de outros microorganismos e de vegetais em decomposição. As células, com freqüência, comem tanto e se dividem tão depressa que esgotam todo o suprimento alimentício de seu meio ambiente. Quando isso acontece, elas se agregam numa massa coesa de milhares de células, que se assemelha a uma lesma e é capaz de se arrastar pelo chão da floresta em movimentos parecidos com os de uma ameba. Ao encontrar uma nova fonte de alimentos, o mixomiceto entra em sua fase fitomórfica, desenvolvendo um caule com um corpo de frutificação que se parece muito com um cogumelo. Finalmente, a cápsula do fruto explode, projetando milhares de esporos secos dos quais nascem novas células individuais, que se movem independentemente pelas imediações à procura de alimentos, iniciando um novo ciclo de vida.
Dentre as muitas organizações multicelulares que evoluíram a partir de comunidades de microorganismos estreitamente entrelaçados, três delas — plantas, fungos e animais — foram tão bem-sucedidas em se reproduzir, em se diversificar e se expandir ao longo da Terra que são classificadas pelos biólogos como "reinos", a categoria mais ampla de organismos vivos. Ao todo, há cinco desses reinos — bactérias (microorganismos sem núcleos celulares), protistas (microorganismos com células nucleadas), plantas, fungos e animais.(Veja Margulis, Schwartz e Dolan -1994) Cada um desses reinos é dividido numa hierarquia de subcategorias, ou taxa, começando com phylum e terminando com genus especies.
A teoria da simbiogênese permitiu a Lynn Margulis e seus colaboradores basear a classificação de organismos vivos em claras relações evolutivas.
(...) Quando seguimos a evolução de plantas e de animais, encontramo-nos no macrocosmo e temos de mudar nossa escala de tempo de bilhões para milhões de anos.
Os primeiros animais evoluíram por volta de 700 milhões de anos atrás, e as primeiras plantas emergiram cerca de 200 milhões de anos mais tarde. Ambos evoluíram primeiro na água e chegaram à terra firme entre 400 e 450 milhões de anos, sendo que as plantas precederam em vários milhões de anos a chegada dos animais em terra. Plantas e animais desenvolveram enormes organismos multicelulares, mas, enquanto a comunicação intercelular é mínima nas plantas, as células animais são altamente especializadas e estreitamente interligadas por vários laços elaborados. Sua coordenação e seu controle mútuos foram grandemente aumentados pela criação, muito antiga, dos sistemas nervosos, e por volta de 620 milhões de anos atrás, ocorreu a evolução de minúsculos cérebros animais.
Os ancestrais das plantas eram massas filamentosas de algas que habitavam águas rasas iluminadas pelo Sol. Ocasionalmente, seus habitats secavam e, por fim, algumas algas conseguiram sobreviver, reproduzindo-se e se convertendo em plantas. Essas plantas primitivas, semelhantes aos musgos atuais, não tinham caules nem folhas. Para sobreviver em terra, era de importância crucial para elas desenvolver estruturas vigorosas que não desabassem nem secassem. Conseguiram isso criando a lignina, um material para as paredes celulares que permitiu às plantas desenvolverem caules e ramos fortes, bem como sistemas vasculares que, com as raízes, puxavam a água para cima.
O principal desafio do novo meio ambiente em terra era a escassez de água. A resposta criativa das plantas consistiu em encerrar seus embriões em sementes protetoras, resistentes à seca, de modo que pudessem manter latente o seu desenvolvimento até que se encontrassem num ambiente apropriadamente úmido.
Durante mais de 100 milhões de anos, enquanto os primeiros animais terrestres, os anfíbios, evoluíram em répteis e em dinossauros, luxuriantes florestas tropicais de "samambaias de sementes" — árvores que produziam sementes e se assemelhavam a gigantescas samambaias — cobriam grandes porções da Terra.
Cerca de 200 milhões de anos atrás, apareceram geleiras em vários continentes, e as samambaias de sementes não puderam sobreviver aos invernos longos e gelados. Foram substituídos por coníferas sempre verdes, semelhantes aos pinheiros e aos abetos vermelhos de nossos dias, cuja maior resistência ao frio lhes permitiu sobreviver aos invernos, e até mesmo se expandir em direção às regiões alpinas mais elevadas. Cem milhões de anos mais tarde começaram a aparecer plantas com flores, cujas sementes estavam encerradas em frutos.
Desde o princípio, essas novas plantas com flores co-evoluíram com os animais, que se deleitavam em comer seus frutos nutritivos e, em troca, disseminavam suas sementes indigestas. Esses arranjos cooperativos têm continuado a se desenvolver e agora também incluem os cultivadores humanos, que não apenas distribuem as sementes das plantas, mas também clonam plantas sem sementes tendo em vista os seus frutos.
Como observam Margulis e Sagan: "As plantas, de fato, parecem muito competentes em seduzir a nós, animais, persuadindo-nos a fazer para elas uma das poucas coisas que podemos fazer e que elas não podem: mover-se."(Margulis.e Sagan (1986), p. 174)
Conquistando a Terra
Os primeiros animais evoluíram na água a partir de massas de células globulares e vermiformes. Eles ainda eram muito pequenos, mas alguns formavam comunidades que construíam, coletivamente, imensos recifes de coral com seus depósitos de cálcio.
Carecendo de quaisquer partes rígidas ou de esqueletos internos, os animais primitivos desintegravam-se completamente ao morrerem, mas, cerca de um milhão de anos mais tarde, seus descendentes produziram uma profusão de primorosas conchas e esqueletos que deixaram claras marcas em fósseis bem-preservados.
Para os animais, a adaptação à vida em terra foi uma façanha evolutiva de proporções vertiginosas, que exigiu mudanças drásticas em todos os sistemas de órgãos.
O maior problema na ausência de água era, naturalmente, a dessecação; mas havia igualmente uma multidão de outros problemas. A quantidade de oxigênio era imensamente maior na atmosfera do que nos oceanos, o que exigia diferentes órgãos para respirar; diferentes tipos de pele eram necessários para a proteção contra a luz solar não-filtrada; e músculos e ossos mais fortes foram necessários para se lidar com a gravidade, na ausência de poder de flutuação.
A fim de facilitar a transição para essas vizinhanças totalmente diferentes, os animais inventaram um estratagema bastante engenhoso. Eles levaram consigo, para os seus filhos, o seu antigo ambiente. Até hoje, o ütero animal simula a umidade, a flutuabilidade e a salinidade do velho meio ambiente marinho. Além disso, as concentrações salinas no sangue dos mamíferos e em outros de seus fluidos corporais são notavelmente semelhantes às dos oceanos. Saímos dos oceanos há mais de 400 milhões de anos, mas nunca deixamos completamente para trás a água do mar. Ainda a encontramos no nosso sangue, no nosso suor e nas nossas lágrimas.
Outra importante inovação que se tornou de importância vital para a vida na terra tem a ver com a regulação do cálcio. O cálcio desempenha um papel fundamental no metabolismo de todas as células nucleadas. Em particular, ele é fundamental para a operação dos músculos. Para esses processos metabólicos funcionarem, a quantidade de cálcio tem de ser mantida em níveis precisos, que são muito inferiores aos níveis de cálcio na água do mar. Portanto, os animais marinhos, desde o princípio, tinham de remover continuamente todo o excesso de cálcio. Os primeiros animais menores simplesmente excretavam seus resíduos de cálcio, às vezes amontoando-os em enormes recifes de coral. À medida que os animais maiores evoluíam, eles começaram a armazenar o cálcio em excesso ao seu redor e dentro deles, e esses depósitos finalmente se converteram em conchas e em esqueletos.
Assim como as bactérias azuis-verdes transformaram um poluente tóxico, o oxigênio, num ingrediente vital para sua evolução posterior, da mesma maneira os primeiros animais transformaram outro importante poluente, o cálcio, em materiais de construção para novas estruturas, que lhes deram tremendas vantagens seletivas.
Conchas e outras partes rígidas foram utilizadas para rechaçar predadores, enquanto esqueletos emergiram primeiramente em peixes, evoluindo, mais tarde, nas estruturas de apoio essenciais de todos os animais grandes.
Por volta de 580 milhões de anos atrás, no início do período Cambriano, havia tal profusão de fósseis, com belas e nítidas impressões de conchas, de peles rígidas e de esqueletos que os paleontólogos acreditaram, por longo tempo, que esses fósseis cambrianos marcassem o começo da vida. Às vezes, eram vistos até mesmo como registros dos primeiros atos da criação de Deus. Foi somente nas três últimas décadas que os traços do microcosmo se revelaram nos assim-chamados fósseis químicos.(Ibid., p. 73)
Esses fósseis mostram, de maneira conclusiva, que as origens da vida predatam o período Cambriano em quase três bilhões de anos.
Experimentos sobre evolução com depósitos de cálcio levaram a uma grande diversidade de formas — "seringas do mar" tubulares, com espinhas dorsais mas sem ossos, criaturas semelhantes a peixes, com couraças externas mas sem mandíbulas, peixes pulmonados que respiravam tanto na água como no ar, e muitas mais. As primeiras criaturas vertebradas com espinhas dorsais e um escudo craniano para proteger o sistema nervoso evoluíram, provavelmente, por volta de 500 milhões de anos atrás. Entre elas estava uma linhagem de peixes pulmonados, com barbatanas espessas, maxilares e uma cabeça semelhante à dos sapos, que rastejava ao longo das praias e acabou evoluindo nos primeiros anfíbios Estes — rãs, sapos, salamandras e outros anfíbios aparentados às salamandras — constituem o elo evolutivo entre animais aquáticos e terrestres. São os primeiros vertebrados terrestres, mas ainda hoje começam seu ciclo vital como girinos, que respiram na água.
Os primeiros insetos vieram à praia na mesma época que os anfíbios, e podem até mesmo ter encorajado alguns peixes a lhes dar alimento e a seguirem-nos para fora da água. Em terra, os insetos explodiram numa enorme variedade de espécies. Seu pequeno tamanho e suas altas taxas de reprodução lhes permitiam adaptar-se a quase qualquer meio ambiente, desenvolvendo uma fabulosa diversidade de estruturas somáticas e de modos de vida. Atualmente, há cerca de 750.000 espécies conhecidas de insetos, três vezes mais do que todas as outras espécies animais juntas.
Durante os 150 milhões de anos depois de deixarem o mar, os anfíbios evoluíram em répteis, dotados de várias fortes vantagens seletivas — poderosas mandíbulas, pele resistente à seca e, o que é mais importante, um novo tipo de ovos. Como os mamíferos fariam com seus úteros mais tarde, os répteis encapsularam o antigo ambiente marinho em grandes ovos, nos quais sua prole poderia se preparar plenamente para passar todo o seu ciclo de vida em terra. Com essas inovações, os répteis, rapidamente, conquistaram a terra e evoluíram em numerosas variedades. Os muitos tipos de lagartos que ainda existem hoje, incluindo as cobras, sem membros, são descendentes desses répteis antigos.
Enquanto a primeira linhagem de peixes rastejava para fora da água e se convertia em anfíbios, arbustos e árvores já estavam vicejando em terra, e quando os anfíbios evoluíram em répteis, eles viveram em luxuriantes florestas tropicais. Ao mesmo tempo, um terceiro tipo de organismo multicelular, os fungos, chegou às praias. Os fungos são fitomorfos e, não obstante, tão diferentes das plantas que são classificados como um reino separado, que exibe toda uma variedade de propriedades fascinantes.(Veja Margulis e Sagan (1995), pp. 140ss) Eles carecem de clorofila verde para a fotossíntese e não comem nem digerem, mas absorvem diretamente seus nutrientes, como substâncias químicas. Diferentemente das plantas, os fungos não têm sistemas vasculares para formar raízes, caules e folhas. Têm células muito diferenciadas, que podem conter vários núcleos e estão separadas por delgadas paredes, através das quais o fluido celular pode fluir facilmente.
Os fungos emergiram há mais de 300 milhões de anos e se expandiram em estreita co-evolução com as plantas. Praticamente todas as plantas que crescem no solo contam com minúsculos fungos em suas raízes para a absorção do nitrogênio. Numa floresta, as raízes de todas as árvores estão interconectadas por uma extensa rede fúngica, que, ocasionalmente, emerge da terra sob a forma de cogumelos. Sem os fungos, as florestas tropicais primitivas poderiam não ter existido.
Trinta milhões de anos após o aparecimento dos primeiros répteis, uma de suas linhagens evoluiu em dinossauros (termo grego que significa "lagartos terríveis"), que parecem exercer incessante fascínio sobre os seres humanos de todas as eras. Chegaram numa grande variedade de tamanhos e de formas. Alguns tinham couraças corporais e bicos córneos, como as modernas tartarugas, ou tinham chifres. Alguns eram herbívoros, outros eram carnívoros. Como os outros répteis, os dinossauros eram animais que punham ovos. Muitos construíam ninhos, e alguns até mesmo desenvolveram asas e, finalmente, por volta de 150 milhões de anos atrás, evoluíram em pássaros.
Na época dos dinossauros, a expansão dos répteis estava em plena atividade. A terra e as águas eram povoadas por cobras, lagartos e tartarugas marinhas, bem como por serpentes marinhas e por várias espécies de dinossauros. Por volta de 70 milhões de anos atrás, os dinossauros e muitas outras espécies desapareceram de súbito, muito provavelmente devido ao impacto de um meteorito gigantesco medindo cerca de 11 quilômetros de lado a lado. A explosão catastrófica gerou uma enorme nuvem de poeira, que bloqueou a luz do Sol durante um prolongado período e, drasticamente, mudou os padrões meteorológicos em todo o mundo, e por isso os enormes dinossauros não puderam sobreviver.
(Fritjof Capra - A TEIA DA VIDA)