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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
Leonardo Bof escreveu O rosto materno de Deus, Vozes 1999.
Organismos unicelulares de bilhões de anos de idade podem reagir a seu ambiente. Muitos, por exemplo, nadam em direção à luz. A partir desse início se desenvolveu a fase mais antiga do cérebro, o cérebro instintivo. Ele corresponde ao comportamento que está expressamente programado em nosso genoma para a sobrevivência. Centenas de milhões de anos de evolução refinaram esse instinto. Quando existiam os enormes dinossauros, seu comportamento só requeria um cérebro estúpido, não maior do que uma noz ou um damasco.
O desperdício de espírito em um deserto de desonra
É a luxúria em ação; e, enquanto não é ação, a luxúria
É perjura, homicida, sanguinária, cheia de culpa,
Selvagem, extrema, rude, cruel, traiçoeira.
Poucas descrições dos impulsos primitivos, e de como as pessoas se comportam quando o sexo supera todo o resto, seriam tão perfeitas. Se dois carneiros selvagens batendo cabeça no cio escrevessem poesia, assim descreveriam suas necessidades descontroladas. Mas, sendo humano, Shakespeare via a luxúria com remorso:
Apenas desfrutada, logo se deprecia;
Loucamente perseguida; e assim que possuída,
Loucamente odiada, como isca engolida.
Ele se compara a um animal que foi atraído a uma armadilha. A satisfação da luxúria trouxe uma nova perspectiva, uma perspectiva de autocensura. (Não temos provas de que Shakespeare tivesse uma amante, mas ele era um homem casado, com uma filha e dois gêmeos recém-nascidos, quando deixou a família em Stratford para tentar a sorte em Londres, em 1585.)
Por que a armadilha foi lançada? Shakespeare não culpa as mulheres. Diz que a armadilha foi colocada pela nossa natureza, para nos enlouquecer:
Louco na perseguição, e também na posse…
Uma felicidade na prova e, provada, uma verdadeira desgraça.
Ele saiu do cérebro instintivo para o cérebro emocional, que se desenvolveu em seguida. Os poetas elisabetanos revelavam sempre fortes paixões, fossem de amor ou ódio. Mas Shakespeare tinha se entregado demais a seus sentimentos, e agora o cérebro racional era invocado. Ele vê toda a loucura e profere uma triste moral:
Tudo isso o mundo sabe, e no entanto ninguém sabe
Evitar o céu que conduz o homem a esse inferno.
Nos momentos em que estamos divididos, o cérebro pode representar fisicamente cada aspecto de nossa guerra mental. Para Rudy, naquele momento na Times Square, a causa de medo e de desejo que controla o comportamento lhe pareceu cristalinamente clara. Os jovens descontrolados que gritavam contra o Irã e atiravam garrafas também eram ele, que se mantinha um observador passivo. O medo e o desejo os impulsionavam. Um desejo instintivo de poder e status, como qualquer bom psicólogo nos dirá, cria uma ansiedade impulsionada pelo medo da rejeição e de perda de poder. Um forte desejo de sucesso gera um medo ainda mais forte de fracasso, e, se o medo surge, pode criar o fracasso. O cérebro instintivo nos prende numa armadilha entre querer muito alguma coisa e não consegui-la.
Como qualquer outra fase do cérebro, os instintos podem se desequilibrar.
Se você é impulsivo demais, sua raiva, seu medo e seu desejo vão se descontrolar. Isso leva a atos irrefletidos e ao arrependimento posterior.
Se você controla demais seus impulsos, sua vida se torna fria e reprimida. Isso produz uma falta de laços com os outros e com os seus impulsos básicos.
Pontos essenciais: seu cérebro instintivo
• Entenda que os instintos são uma parte necessária de sua vida.
• Tenha paciência com o medo e a raiva, mas não se entregue a eles.
• Não tente discutir com seus impulsos.
• Não reprima pensamentos e sentimentos por culpa.
• Esteja consciente de seus medos e desejos. A consciência ajuda a equilibrá-los.
• Só porque você é impulsivo, não aja sempre por impulso. As partes superiores do cérebro também devem ser consultadas.
(Deepak Chopra - Super Cérebro)
Na semana passada prometi contar sobre as pipiras da minha nova morada, mas aconteceu algo inusitado, e decidi escrever sobre os pregoeiros de São Luís, já que, como afirma o historiador Vicente Salles, os pregões constituem “canto de trabalho” e “voz das ruas”. E são belos!
No domingo passado, num bandeiraço/panfletagem em São José de Ribamar (MA), onde vi pela primeira vez uma linda pipira azul, tive um emocionante encontro com seu Paulo, que quis confirmar se Flávio Dino (PCdoB), candidato a governador do Maranhão, era filho do dr. Sálvio Dino (advogado, várias vezes deputado e ex-prefeito de João Lisboa (MA)).
Agora estou pensando como a vida é. Parei meu carrinho na porta do seu Paulo, que lá estava sentado numa cadeira. Pedi licença para estacionar ali, no que ele consentiu. Ao sair, de bandeira em punho, disse-lhe: “Vamos votar na mudança, não é?”. Ele riu. Nada respondeu. Não demorou muito, chegou aonde eu estava, na praça diante da casa dele, e puxou conversa: “Flávio Dino é filho do dr. Sálvio Dino, que morava na rua de Santana?”. Ao ouvir que sim, com olhos lacrimejantes, balbuciou: “Senhora, meu pai foi o camaroeiro do dr. Sálvio Dino por anos e anos! Eram muito amigos!”. E engatamos o maior papo. Ao final, ele disse: “Eu e minha família somos 15 votos. Tudo dele! Lá em casa tem água e cafezinho, não se acanhe!”.
Depois conheci a mulher e uma filha dele: “Mulher, aqui em casa todo mundo vai votar nele! Papai está muito emocionado, porque teve a certeza, hoje, de que ele é quem ele pensava. Veja se no dia em que ele vier aqui pode dar um abraço em papai, que lembra quando ele era criança”.
Pra quem não sabe ou esqueceu, na ilha de São Luís (formada por quatro municípios: Paço do Lumiar, Raposa, São José de Ribamar e São Luís), camaroeiro é o vendedor de camarão (fresco) de porta em porta, que avisa a freguesia com seu bordão/pregão de musicalidade singular: “Camaroeiro, camaroeeeeeeeeiro, olha o camaroeiro! Camarão ‘fresquim’, freguesa!”
O camaroeiro é um dos muitos pregoeiros de nossas ruas – ambulante que vende seus produtos, anunciando-os de modo peculiar, como bem descreveu Zema Ribeiro em “Canto dos Pregoeiros Maranhenses Ecoa no Rio de Janeiro” (2005): “‘Pregoeiro’ é o nome dado ao ambulante que vende seus produtos pelas ruas, gritando-os, e geralmente fazendo rimas; muito comuns em São Luís, são eles laranjeiros, verdureiros, garrafeiros, doceiros, peixeiros, entre outros”.
Beatrice Borges, em “Pregoeiros: Novo Capítulo na História de São Luís” (2014): “Os pregoeiros, que tinham esse nome porque gritavam pregões de seus produtos, se espalhavam por toda a cidade, e, com o tempo, ficavam conhecidos das donas de casa, se transformando até em amigos para a vida inteira. Os pregoeiros mais comuns de que se tem notícia, no entanto, eram: padeiro, vendedor de frutas, principalmente bananas, jornaleiro, carvoeiro, verdureiro, peixeiro, vendedor de camarão, caranguejo e siri, sorveteiro, vendedor de pamonha, vendedor de pirulitos, vendedor de juçara, além dos vendedores de utensílios como pá de lixo, penicos, lamparinas, espanadores, vassouras e ainda compradores de ferro velho e garrafeiro. Eram todos homens fortes e dispostos, porque há de se reconhecer que era (e é) um trabalho árduo. Os produtos eram levados nas mãos e, quando muito, em carros de mão, que também dependiam da força humana para chegar até seus clientes”.
Na ilha de São Luís, muitos pregoeiros estão em processo de extinção, mas eu carrego na memória a musicalidade deles.
(Fátima Oliveira)
Um movimento conhecido como “nova terceira idade” está dominando a sociedade. O idoso, pela velha norma social, costumava ser passivo e triste, condenado a uma cadeira de balanço; contava–se com seu declínio físico e mental. Hoje, o contrário é verdadeiro.Pessoas mais velhas têm altas expectativas de continuar ativas com vitalidade. Com isso, a definição de velhice mudou. Uma pesquisa perguntou a pessoas nascidas no período após Segunda Guerra quando começava a velhice. A resposta foi, em média, 85 anos. À medida que as expectativas crescem, o cérebro acompanha o ritmo e se adapta à nova terceira idade. A velha teoria de um cérebro imutável e estagnado afirmava que seu envelhecimento era inevitável. Supunha-se que as células do cérebro morriam contínua e irreversivelmente à medida que a pessoa envelhecia.
Agora que sabemos que o cérebro é flexível e dinâmico, a inevitabilidade da perda celular não é mais válida. No processo de envelhecimento – que ocorre cerca de 1 por cento ao ano depois dos 30 –, não há duas pessoas que envelheçam da mesma maneira. Até gêmeos idênticos, nascidos com os mesmos genes, terão diferentes padrões de atividade genética aos 70 anos, e seus corpos podem ser radicalmente diferentes dependendo do estilo de vida escolhido. Essa escolha não aumentou ou diminuiu os genes com que nasceram, mas quase todos os aspectos da vida – dieta, atividades, estresse, relacionamentos, trabalho e o ambiente físico – mudaram a atividade desses genes. Na verdade, nenhum aspecto do envelhecimento é inevitável. Para cada função, mental ou física, podemos encontrar pessoas que melhoram o tempo todo. Existem corretores da bolsa com 90 anos que conduzem complexas transações e possuem uma memória que só melhorou com o tempo.
O problema é que muitos de nós aderimos à norma padronizada. Quando envelhecemos, tendemos a ter preguiça e apatia em relação ao aprendizado.
Qualquer mínima tensão nos perturba, e esse estresse dura muito tempo. O que costumava ser considerado uma “acomodação” natural de pessoas mais velhas, hoje está relacionado à conexão entre mente e cérebro. Às vezes o cérebro é dominante nessa parceria. Suponhamos um restaurante que esteja com dificuldades de disponibilizar mesa para seus clientes. Um jovem que está na fila de espera sente uma certa chateação, que entretanto se dissipa assim que ele se acomoda. Uma pessoa mais velha pode reagir com um ataque de raiva – e continuar chateada mesmo depois de estar na mesa. Essa é a diferença da reação de estresse pela qual o cérebro é responsável. Da mesma forma, quando pessoas idosas ficam sobrecarregadas por um excesso de estímulos sensoriais (o barulho do trânsito, uma loja de departamentos lotada etc.), seu cérebro provavelmente diminuiu a função de captar as ondas de dados do mundo agitado.
Na maior parte do tempo, porém, a mente domina a conexão entre mente e cérebro. À medida que envelhecemos, tendemos a simplificar nossas atividades mentais, muitas vezes como um mecanismo de defesa. Sentimo-nos seguros com o que sabemos e evitamos aprender qualquer coisa nova. Esse comportamento é julgado pelos mais jovens como irritabilidade e teimosia, mas sua verdadeira causa pode estar na dança entre mente e cérebro. Para muitas pessoas mais velhas, mas não para todas, o ritmo da música diminui. O mais importante é não abandonar a pista de dança, o que estaria abrindo caminho para o declínio tanto do cérebro quanto da mente. Em vez de fazer novas sinapses, o cérebro continua funcionando com as que já existem. Nessa espiral descendente de atividade mental, a pessoa idosa acabará tendo menos dendritos e sinapses por neurônio no córtex cerebral.
E quanto à irreversibilidade dos efeitos do envelhecimento? À medida que ficamos mais velhos, muitos de nós sentimos a memória falhando cada vez mais.
Não conseguimos lembrar por que entramos numa sala e brincamos, na defensiva, que isso é coisa de velho. Rudy tinha um gato maravilhoso que o seguia para todo lugar como um cão fiel. Muitas vezes, Rudy levantava de sua poltrona na sala e se dirigia à cozinha com o gato a reboque, e, quando chegavam lá, os dois se olhavam, sem saber por que tinham ido parar ali. Embora possamos dizer que esses lapsos são sinais de perda de memória relacionada ao envelhecimento, eles ocorrem, na verdade, devido à falta de aprendizado – de registrar novas informações no cérebro.
Quando não conseguimos lembrar um fato simples como onde colocamos as chaves, significa que não “aprendemos” ou gravamos o lugar onde as colocamos. Como usuários de nosso cérebro, não registramos ou consolidamos a informação sensorial em uma memória de curto prazo durante o processo de pôr as chaves num determinado lugar. Ninguém pode lembrar algo que nunca aprendeu.
Se nos mantivermos atentos, um cérebro saudável vai continuar a nos servir à medida que envelhecermos. Podemos contar com prontidão e vigor, em vez de medo da deficiência e da senilidade. Em nossa opinião – e Rudy fala com a autoridade de importante pesquisador do Alzheimer –, uma campanha pública que gerasse alarme sobre a senilidade teria um efeito danoso. As expectativas são um gatilho poderoso para o cérebro. Se alguém acha que vai perder a memória e observa cada mínimo lapso com ansiedade, está interferindo no ato natural e espontâneo de lembrar.
Biologicamente, mais de 80 por cento das pessoas acima dos 70 anos não têm perda significativa de memória. Nossas expectativas devem corresponder a essa descoberta, e não a nosso medo oculto e, em grande medida, infundado.
Se alguém se torna apático e aborrecido com a vida, ou simplesmente não sente entusiasmo por suas experiências de cada momento, é porque seu potencial de aprendizado está enfraquecido. Como evidência física disso, um neurologista pode indicar as sinapses que devem ser consolidadas na memória de curto prazo. Mas, na maioria dos casos, um acontecimento mental precedeu a evidência física: jamais aprendemos aquilo que acreditamos ter esquecido.
Nada solidifica a memória como a emoção. Quando somos crianças, aprendemos sem esforço porque temos um entusiasmo natural por aprender. Emoções de alegria e deslumbramento, mas também de horror e medo, intensificam o aprendizado. Isso guarda a memória dentro de nós, às vezes por toda a vida. (Tente lembrar seu primeiro hobby ou seu primeiro beijo. Agora tente lembrar o nome do primeiro deputado em que votou, ou a marca do carro do vizinho quando você tinha 10 anos.
Geralmente, as duas primeiras lembranças vêm facilmente, enquanto as duas últimas, não – a menos que você tivesse uma paixão precoce por política ou carros.) Às vezes, o fator de entusiasmo que ocorre com as crianças também funciona com os adultos. Uma forte emoção é quase sempre uma chave. Todos nós lembramos onde estávamos quando ocorreram os ataques de 11 de setembro, assim como os idosos americanos lembram onde estavam no dia 12 de abril de 1945, quando o presidente Roosevelt morreu de repente enquanto estava de férias em Warm Springs, no estado da Geórgia. Como a memória ainda continua inexplorada, não podemos afirmar, em termos de função cerebral, por que intensas emoções podem gerar lembranças muito detalhadas. Algumas emoções fortes podem ter o efeito contrário: em caso de abuso sexual na infância, por exemplo, o trauma é reprimido e só pode ser recuperado com intensa terapia ou hipnose. Essas questões não serão solucionadas antes que algumas perguntas básicas sejam respondidas: O que é a memória? Como o cérebro armazena as lembranças? Que tipo de sinal físico – se é que existe algum – uma lembrança deixa na célula cerebral?
Até que as respostas surjam, acreditamos que o comportamento e as expectativas sejam a chave. Quando você novamente se apaixona por aprender, como quando era criança, novos dendritos e sinapses se formam, e sua memória pode voltar a ser tão boa como era na sua juventude. Da mesma forma, quando você lembra um acontecimento antigo recuperando-o ativamente (ou seja, quando sua mente vasculha o passado com atenção), você cria novas sinapses, que fortalecem as velhas, aumentando a possibilidade de voltar a lembrar esse fato no futuro. A tarefa é sua, como líder e usuário de seu cérebro. Você não é seu cérebro; é muito mais que isso. No final, esse é o único fato que vale a pena lembrar.
(Deepak Chopra - Super Cérebro)
Dos hackers de Berlim às festas de todos, no Malecón de Havana, e a um mito que torna possível enfrentar as engrenagens do mundo |
"Não há liberdade sem liberdade de pensar. O meu direito ao conhecimento é superior às leis que privatizam o que é de todos”, dizia-me um hacker alemão, sobre a questão da propriedade intelectual, num cenário revelador: computadores empilhados. Canibalizados. Esventrados. Salvo do massacre das máquinas estava um velho Apple Lisa, de 1983. O Kaos Komputer Klub é uma organização de hacktivistas que tem sede em Kreuzberg, o bairro de que eu mais gosto do lado ocidental de Berlim: boêmia, imigração e ativismo misturados. A história está escrita nas paredes. As pinturas da resistência curda confundem-se com palavras de ordem dos autonomistas. Nas ruas de Kreuzberg estão ainda as pichagens, datadas do final dos anos 70, protestos contra o assassinato na prisão de Ulrike Meinhof e Andreas Baader, da Facção do Exército Vermelho.
À saída do KKK vemos passar um grupo de autonomistas vestidos de preto. Um amigo diz-me que o problema deles é que não querem mudar a Alemanha mas aprender espanhol para ir para a América Latina. Acham que é “lá” que “as coisas vão acontecer”. Distraído com a “movida” do bairro onde se cruza gente de lenço islâmico com punks de crista verde, no mais puro estilo Bilal, pergunto: “Acontecer o quê?” “A revolução”, garante-me, divertido.
Naquele ano, de 1992, tinha atravessado Cuba de carro, durante um mês, e aquilo que consegui ver foi que a revolução é como as paixões, com o tempo cansam-se, mas há sempre uma memória que pode dar-lhe sentido. A meio da viagem, um velho disse-me: “Camaguey é o estômago de Cuba, e este estômago está vazio.” Quase a chegar à cidade de Guantánamo falei com um camponês. A casa estava cheia de condecorações. O “herói do trabalho” tinha várias vezes ultrapassado os recordes das colheitas de cana de açúcar. Afirmava-se disposto a defender a sua pátria, de armas na mão, das ameaças dos ianques e acrescentava a sorrir: “O socialismo é a coisa mais bonita do mundo, funciona nos livros, infelizmente ainda não na realidade.”
Viviam-se os anos do “período especial”, a União Soviética tinha acabado e Cuba estava só. Tudo faltava. O turismo era um remédio que salvava e sujava. No final do Malecón, a mítica marginal de Havana, acotovelavam-se as jineteras, nome por que as prostitutas são conhecidas na ilha. O rum e a música misturavam-se nas ruas, as pessoas dançavam ao som dos NG La Banda e a sua música de homenagem às novas heroínas: “Tú te crees la mejor, tú te crees una artista / Porque vas en turitaxi por buena vista / Buscando lo imposible…”
Bebíamos no Malecón o rum do cartão de racionamento, bastante mais adstringente que o añejo do Havana Club que se consumia no Hotel Nacional. Enquanto emborcávamos as conversas multiplicavam-se. Todo o mundo ria. Gente de copos. Homens que queriam partir da ilha. Bispos. Santeiros. Membros do partido. Marginais. Médicos. Putas. Artistas. Dissidentes. Polícias. Intelectuais. Cosmonautas, se os houvesse. Cuba entranha-se na pele. Todas as pessoas são geniais. Não há ninguém no mundo que fale tanto. Mal. Bem. Contra o regime. Viva Fidel! Sobre a ciência. Deus. O sexo. E os anjos. As mulatas e os mulatos dançavam. Os turistas abanavam-se fora de tempo.
Entrevistei o bispo Carlos Manuel de Cespedes, bisneto de um dos heróis da independência de Cuba, e Abel Prieto, membro do politburo do Partido Comunista Cubano. O dirigente do partido respondeu-me de uma forma apaixonada quando lhe disse que havia pessoas que estavam revoltadas e que em algumas zonas de Havana tinha havido protestos por causa dos apagones (cortes de energia). Disse-me num tom duro: “Tu acreditaste em todas essas mentiras, Nuno? Os cubanos não são covardes. Na guerra com Espanha, mais de um milhão de pessoas morreu. Se não quisessem o regime, há muito que ele teria caído. Bastava que alguém subisse acima de um palanque para que um multidão se formasse”. E olhou-me nos olhos e garantiu: “Se abríssemos as fronteiras, meio milhão de pessoas fugiria, mas essa gente não tem projetos, não quer um outro país, quer viver num outro país.”
O Homem da Igreja disse-me, em pura linguagem marxista, que quando um país muda as estruturas econômicas, legaliza o dólar, permite atividades privadas e autoriza o investimento estrangeiro, necessariamente a superstrutura da sociedade não vai ficar igual. Passaram mais de 20 anos, às vezes a história parece condenar os homens a tentar arrastar pedras montanha acima. O esforço parece sem lógica, até porque as pedras deslizam para a base da montanha, para serem novamente arrastadas. Mas a vida está presa neste gesto daqueles que acreditam ser possível transportar as pedras.
(Nuno Ramos de Almeida)
O que é que verdadeiramente queremos? Não há dúvida: ser felizes. Quanto a saber em que consiste a felicidade já não haverá unanimidade. Aristóteles escreveu: "Todos estão praticamente de acordo quanto ao bem supremo: é a felicidade. Mas quanto à natureza da felicidadejá não nos entendemos." Julgo, porém, poder dizer-se que ela tem a ver com uma vida boa, realizada, de tal modo que daí resulta o contentamento da vida e com a vida.
E, claro, sempre se foram apresentando conselhos, receitas para alcançá-la. Agora, foi o Papa Francisco, em entrevista ao diário Clarín, de Buenos Aires. O jornalista Pablo Calvo: "Queria perguntar--lhe a si que, para lá de Papa, é químico: qual é a fórmula da felicidade?"
E Francisco, depois de rir com vontade, foi dando sabiamente dez conselhos: 1) "Vive e deixa viver. Anda para diante e deixa que as pessoas andem também. Este é o primeiro passo da paz e da felicidade." 2) Dar-se aos outros. "Se alguém estagna, corre o risco de ser egoísta." 3) Mover-se com respeito, sem agitação. "A capacidade de mover-se com benevolência e humildade, o remanso da vida. Os velhos têm essa sabedoria, são a memória do seu povo, que, se não cuida dos seus velhos, não tem futuro." 4) Brincar com os filhos. "O consumismo leva-nos a essa ansiedade de perder a cultura sadia do ócio, ler, fruir a arte." E "brincar com os filhos é uma questão-chave, é uma cultura sã. É difícil, pois os pais vão trabalhar cedo e voltam por vezes quando os filhos já estão a dormir; é difícil, mas é preciso fazê-lo." 5) Partilhar os domingos com a família. Que o domingo seja dia de descanso, "é para a família." 6) Ajudar os jovens a conseguir emprego. "É preciso ser criativo com esta faixa etária". 7) "É preciso cuidar da Natureza e não estamos a fazê-lo. É um dos desafios maiores que temos." 8) Esquecer o negativo. "A necessidade de falar mal do outro é sinal de baixa auto-estima, isto é, sinto-me tão em baixo que, em vez de subir, rebaixo o outro. Esquecer rapidamente o negativo é saudável." 9) Respeitar quem pensa de modo diferente. Do pior que pode haver é "o proselitismo religioso, que paralisa: "Eu dialogo contigo para convencer-te" não é bom. A Igreja cresce por atracção, não por proselitismo." 10) Procurar activamente a paz. "Estamos a viver numa época de muita guerra. A guerra destrói. E é preciso gritar o clamor pela paz. A paz por vezes dá a ideia de quietude, mas nunca é quietude, é sempre uma paz activa."
O receituário papal para a felicidade tem muitas coincidências com o do filósofo R. D. Precht no seu best-seller Wer bin ich und wenn ja, wie viele? 1. Actividade. Para lá do ter e do ser, é preciso agir, sem agitação. 2. A amizade, a família, são saudáveis, pois quem tem uma rede densa de relações não enfrenta sozinho a dureza da vida. 3. É preciso aprender a fruir o aqui e agora nos prazeres simples. 4. Ter expectativas realistas, sem exigir demais nem de menos de si mesmo. 5. Pensamentos positivos: "procede como se fosses feliz, e sê--lo-ás". 6. Aprender a arte de lidar com as dificuldades e o sofrimento: há crises salutares. 7. "O trabalho é a melhor das terapias."
Agora, digo eu. Também faz parte ser gratuitamente generoso com alguém. Passear à beira-mar, ouvir o silêncio da noite e a paz do brilho das estrelas. Não esquecer o horizonte do infinito: "O nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Ti", dizia Santo Agostinho a Deus.
(Anselmo Borges)
É claro que tal revelação teria que gerar alguma polêmica no mundo cristão. A idéia de que Judas teria traído Jesus a mando Deste, idéia que já foi explorada no cinema por Martin Scorsese e seu também polêmico filme A última tentação de Cristo, suscitou debates. Uma corrente de manifestantes, que já se encontravam exaltados com o assunto religião, desde que O código da Vinci, de Dan Brown, assolou as livrarias e telas de cinema do mundo com a tese de que Jesus teria sido casado com Maria Madalena.
Em uma busca simples feita na internet, encontramos diversos sites que tentam minimizar a idéia lançada pelo documento encontrado no Egito, o berço de diversos apócrifos. Em um artigo de Ricardo Westin, publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo em 8 de abril de 2006, lemos:
O chamado Evangelho de Judas é um texto autêntico, foi realmente escrito 1700 anos atrás, mas não representa uma ameaça às tradicionais bases do cristianismo, de acordo com estudiosos da religião. Por isso, Judas Iscariotes, o apóstolo renegado pelos cristãos, não deve ser alçado à condição de herói.
O autor cita também um teólogo ortodoxo russo, Andréi Kuráyev, professor da Academia Espiritual de Moscou, que afirma que o documento alardeado pela National Geographic não acrescenta conhecimentos sobre a vida de Jesus. Kuráyev lembra que no mesmo período do Evangelho de Judas havia várias correntes pseudocristãs, das quais algumas tinham por objetivo a adoração dos
personagens mais detestados da Bíblia, como os cainitas, que adoravam Caim, o primeiro assassino, que matou Abel, seu irmão, e os ofitas, que adoravam a serpente que causou a expulsão do casal Adão e Eva do Jardim do Éden.
O ponto que levanta maior suspeita é a afirmação de que o documento teria sido escrito pelo discípulo traidor. "Não pode ser obra de Judas Iscariotes, porque ele se enforcou no mesmo dia em que Jesus foi crucificado. Não pode haver nenhum Evangelho de Judas".
No mundo católico, a polêmica também se fez presente. O padre Thomas Williams, decano da Faculdade de Teologia da Universidade Regina Apostolorum de Roma, disse em entrevista à agência católica de notícias Zenit, que o Vaticano nunca se preocupou em esconder os textos apócrifos. "Basta ir a qualquer biblioteca católica e ver que esses textos também estão lá, embora saibamos que não são verdadeiros". Uma busca em livrarias católicas brasileiras também apresentou o mesmo resultado. O site O Verbo publicou uma notícia que afirmava que a descoberta do Evangelho de Judas não afeta a doutrina cristã para a igreja russa. Diz a nota:
O patriarcado ortodoxo de Moscou afirmou ontem que a descoberta do "Evangelho de Judas", cujo texto foi publicado ontem por cientistas americanos e suíços, não afeta a doutrina cristã e só tem interesse histórico. "Não podemos imaginar que a descoberta de um texto atribuído a um personagem do início do cristianismo, ou mesmo de um dos discípulos de Cristo, mude a composição da Sagrada Escritura", declarou o porta-voz do departamento de Relações Exteriores do Patriarcado de Moscou, o padre Mikhail Dudkó.
Mais para a frente, o texto complementa:
O porta-voz da Igreja Ortodoxa Russa disse que textos relativos ao período inicial do cristianismo já foram encontrados outras vezes e continuarão sendo. Por isso, "o interesse no 'Evangelho de judas' é acima de tudo, histórico". "Não há possibilidade alguma de incorporar o livro à Sagrada Escritura. Mas ele pode revelar novos detalhes históricos", explicou Dudkó. Ele acrescentou que será necessário um minucioso estudo para determinar o verdadeiro valor histórico do documento.
Variações sobre o mesmo tema
Há uma grande quantidade de textos que querem trazer à tona uma versão diferente de Judas. Uma delas teria sua origem no Alcorão, ou Corão, o livro sagrado do Islamismo. Essa lenda diz que Judas, em algumas versões, seria Simão de Cirene ou Simão o Cireneu, o homem que ajudou Cristo a levar a cruz, teria sido crucificado no lugar de Jesus. Essa "teoria da substituição" teria como suposta fonte a seguinte passagem do Alcorão, identificada como surata 4 §:
E por os judeus dizerem: "Matamos o Messias, Jesus, filho de Maria, o Mensageiro de Alá", embora não sendo, na realidade, certo que o mataram, nem o crucificaram, senão que isso lhes íoi simulado. E aqueles que discordam, quanto a isso, estão na dúvida, porque não possuem conhecimento algum, abstraindo-se tão-somente em conjecturas; porém, o fato é que não o mataram.
A explicação mais coerente do trecho é de que os judeus seriam incapazes de se vangloriar por terem matado Jesus porque, na prática, era Deus quem estava no controle dos acontecimentos, e foi apenas por obra Dele que Jesus morreu na cruz. Essa teoria da substituição revela-se, assim, como uma maneira de suavizar a crucificação em si. Embora tal história não tenha o aval de nenhuma tradição islâmica, há uma base árabe para ela, oriunda de escritos de um cosmógrafo do século XIV.
Outra versão de Judas pode ser encontrada numa leitura realizada pelos padres da Igreja nos primeiros séculos da fé católica. Havia, segundo eles, uma analogia entre a venda de Jesus aos romanos, com a mesma situação que foi vivida por José, vendido por seu irmão, Judá, para os ismaelitas, de acordo com Genesis 37:26,27. O próprio nome, Judas, teria seu significado em hebraico como sendo "trinta". Assim, alguns intérpretes afirmam que, ao trair Jesus, Judas traiu também sua própria pessoa.
(Sérgio Pereira Couto - Os Arquivos Secretos do VATICANO)
A BÍBLIA ASSEGURA QUE OS PRIMEIROS seres humanos, Adão e Eva, viviam no Paraíso. Este, porém, não devia ser um lugar muito agradável, porque eles logo deram um jeito de ser banidos e tiveram de construir com as próprias mãos outro lugar onde morar.
Não ter tudo o que desejamos ou tudo de que necessitamos nos obriga a virar construtores. E isso é bom.
Com a arquitetura, quisemos imitar a natureza e superá-la. Será que conseguimos? Com relação à nossa época, a resposta é sim. Quanto a quem viveu há milhares de anos, não seria tão fácil responder.
Cada ser humano é arquiteto de alguma coisa: uns, de casas; outros, de planos intangíveis... SOMOS TODOS ARQUITETOS DE NOSSA PRÓPRIA VIDA. Não é possível delegar a ninguém a tarefa de desenhar essa planta. No máximo, podemos recorrer às orientações de mestres como Oscar Wilde, capazes de nos inspirar a criar o melhor projeto no papel da existência.
(Allan Percy - Oscar Wilde para pessoas inquietas)