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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
Embora sensível ao raciocínio de Vasco Pulido Valente, que, reflectindo, no "Público", sobre os caminhos que ficam para o Papa Francisco, concluía: "Apesar da sua imensa popularidade, e mesmo por causa dela, Francisco acabou numa velha armadilha, em que esbraceja em vão. O inquérito não o ajudará.", não creio que, desde que superemos a análise sociopolítica e nos coloquemos na perspectiva cristã, que é a sua, Francisco tenha caído numa armadilha.
Então, qual é o maior problema de Francisco? Ele é um cristão convicto. O que o move é o Evangelho enquanto notícia felicitante da parte de Deus para todos. Assim, o seu problema é que todos se convertam realmente ao Evangelho, começando pelos cardeais, continuando nos bispos e nos padres e acabando nos católicos, que devem converter-se a cristãos.
Neste sentido, não se trata de mudar o essencial da doutrina, mas de ir ao decisivo do Evangelho. Ora, o núcleo do Evangelho são as pessoas, dignas de respeito e atenção. É, pois, preciso continuar a anunciar o ideal do matrimónio cristão, mas, depois, atender às pessoas, às suas necessidades e feridas. Para isso, Francisco conta com a mediação da sensibilidade pastoral dos bispos e dos padres e dos cristãos em geral, que asseguram no concreto a aplicação do ideal.
Por outro lado, não se deve esquecer que Francisco tem uma dupla origem. Ele é ao mesmo tempo "franciscano", e, assim, humilde e próximo das pessoas, e jesuíta, portanto, com toda uma formação de procura da eficácia. Ele crê na "Igreja Povo de Deus", que é também a "santa Igreja hierárquica". Por isso, sabe consultar, no quadro de uma adelfocracia (governo de irmãos), mas também sabe que, em última instância, é a ele que compete decidir, com os outros bispos e em Igreja. Neste quadro, deixei aqui na semana passada o que me parece expectável como resultado deste inquérito, passando agora a algumas perspectivas de teor mais pessoal.
É claro que a família é uma instituição essencial, indispensável, enquanto espaço de comunhão, partilha de afectos, valorização e realização pessoal e educação das crianças. A família é a célula de base da sociedade. Mas também é claro que a pastoral familiar não pode continuar a centrar-se num catálogo de proibições e pecados, na proibição dos anticonceptivos e das relações sexuais pré-matrimoniais. O próprio Francisco já preveniu que não se pode viver obcecado com o rigorismo e o legalismo; de outro modo, "mesmo o edifício moral da Igreja corre o risco de cair como um castelo de cartas". É evidente que não vale tudo, mas a Igreja tem de reconhecer que tem tido enorme dificuldade em falar pela positiva das questões ligadas à família e ao sexo. O seu discurso nestas matérias tem de centrar-se na dignidade, liberdade, respeito e responsabilidade. Isto também significa que a valorização que se faz da família cristã não tem de ser acompanhada de ataques a outros tipos de realização e vivência de família.
Se o Papa reconhece que há também a tendência homossexual, pergunta-se se não se deve caminhar no sentido do reconhecimento do direito de actividade sexual no mesmo quadro de exigências dos heterossexuais. A adopção é diferente, pois o debate continua, mesmo entre especialistas. Embora Francisco, quando arcebispo de Buenos Aires, tenha aprovado que um casal gay adoptasse uma criança, o que significa, mais uma vez, a dialéctica entre os princípios e as pessoas na sua situação concreta.
Quanto à paternidade e maternidade responsáveis, é urgente perceber que a moral é autónoma, pertencendo, portanto, as decisões neste domínio às pessoas e aos casais, dentro da liberdade na responsabilidade.
No caso dos divorciados que voltam a casar, é claro que se exige celeridade nos processos de declaração de nulidade no casamento. Mas pergunta-se se não será necessário ir mais longe e, atendendo à fragilidade humana, invocar, como a Igreja cristã ortodoxa, o princípio da misericórdia, dando a possibilidade de outra oportunidade. Seja como for, não se pode pedir aos divorciados recasados que continuem no seu empenhamento na Igreja, mas impedindo-os da comunhão.
(Anselmo Borges)
É normal, antes de cada Sínodo dos Bispos, auscultar os diferentes episcopados sobre a problemática a debater. Mas, desta vez, foi diferente, de tal modo que os media mundiais deram e dão imenso relevo ao tema. Que se passa?
Por um lado, o Papa Francisco não dirige o seu inquérito apenas aos cardeais, bispos, padres. Ele quer que todos sejam ouvidos, que o inquérito chegue às bases, pois, como constantemente acentua, a Igreja somos nós todos. Ele tem uma visão da Igreja enquanto um Nós, Povo de Deus. Por isso, não mantém uma concepção vertical de governo da Igreja, mas sinodal (a palavra é rica, quando se atende ao étimo grego: reunião, caminhar juntos, fazer juntos o caminho). No fim, será ele, em última instância, a decidir, mas sinodalmente, não separado dos outros bispos nem dos fiéis.
Por outro lado, sendo a próxima Assembleia do Sínodo sobre a família, Francisco quer saber o que pensam os católicos sobre esse tema fundamental e decisivo, sem ocultar as questões, mesmo que difíceis e fracturantes.
Assim, quer saber o que é que os católicos sabem da concepção da Igreja sobre a família e se essa doutrina é aceite. Que é que se pensa sobre o fundamento natural da família? Aceita-se o conceito de lei natural com relação à união entre o homem e a mulher? Como enfrentar os desafios que se colocam no caso de não praticantes ou não crentes pedirem o matrimónio? Que caminhos pastorais se tem seguido na preparação dos casamentos, no sentido da oração em família e transmissão da fé às novas gerações pelas famílias, e em relação a casais em crise?
Francisco não ignora situações matrimoniais difíceis. Por exemplo, a convivência experimental, uniões livres de facto. Como vivem os baptizados as suas irregularidades? São conscientes delas, manifestam indiferença, vivem com sofrimento a impossibilidade de receber os sacramentos? Quantas são as pessoas divorciadas e recasadas e que pedem os sacramentos da eucaristia e da reconciliação? A simplificação do processo de declaração de nulidade do vínculo matrimonial poderia ajudar nestes casos? Que pastoral existe para estas situações?
O Papa também quer saber se no respectivo país há uma lei civil que reconhece as uniões de pessoas do mesmo sexo equiparadas ao casamento. Que pastoral para as pessoas que escolheram viver segundo este tipo de uniões? Se adoptaram crianças, como comportar-se em ordem à transmissão da fé? Em geral: no quadro de situações matrimoniais irregulares, com que atitude se dirigem os pais à Igreja no sentido da educação religiosa dos filhos e que prática sacramental existe nestes casos?
Quanto à abertura dos esposos à vida: que conhecimento têm da doutrina oficial da Igreja sobre a paternidade responsável e que avaliação fazem dos diferentes métodos de regulação dos nascimentos? Que métodos naturais promove a Igreja? Que consequências tem a prática dos anticonceptivos na participação dos sacramentos, nomeadamente, na eucaristia? Como favorecer o aumento dos nascimentos? A família é um lugar privilegiado para o encontro com Cristo?
A pergunta, agora, é como procederão as Conferências Episcopais para que todos os interessados possam participar. Por exemplo, entre nós, teoricamente há pelo menos cinco milhões de católicos que poderão responder. Quem e como vai fazê-lo, para que haja na Igreja uma tomada de consciência real do que se passa?
Só dentro de dois anos saberemos as resoluções que Francisco tomará. Mas não é impossível antecipar linhas de orientação - no próximo sábado, apresentarei as minhas respostas pessoais. 1. Evidentemente, a Igreja continuará a afirmar o seu ideal de matrimónio: uma união definitiva e fiel de amor entre um homem e uma mulher, aberta à procriação. 2. Nenhuma criança será discriminada, seja qual for a sua origem. 3. Alguma abertura aos anticonceptivos, com a revisão da Humanae Vitae. 4. Admissão dos recasados, dentro de certas regras, à comunhão. 5. Maior compreensão e acolhimento dos homossexuais, mas sem admissão institucional ao casamento e à adopção.
(Anselmo Borges)
Os figos caem das árvores, são bons e doces; ao caírem, rasga-se a sua pele rubra. Um vento do norte sou eu para os figos maduros.
No século XIX , tudo aquilo que Kierkegaard defendeu foi bombasticamente rejeitado pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Enquanto para Kierkegaard o prazer estético era a mais baixa forma de existência individual e a abnegação cristã a mais elevada, Nietzsche considerava o Cristianismo o mais baixo aviltamento do ideal humano, que tem a sua mais elevada expressão em valores puramente estéticos.
Depois de uma educação luterana pelas suas piedosas mãe e tias, Nietzsche experimentou um sentimento de libertação quando, na Universidade de Leipzig em 1865, encontrou o ateísmo de Schopenhauer. Daí em diante apresentou-se, consequentemente, como opositor do espírito cristão e da personalidade de Jesus. A sua convicção de que a arte era a mais elevada forma de actividade humana exprimiu-se no seu próprio estilo filosófico, mais poético e aforístico do que argumentativo ou dedutivo. Nomeado com 24 anos para leccionar uma cadeira de filologia em Basel, dedicou o seu primeiro livro, A Origem da Tragédia, a Richard Wagner. Neste livro traça o contraste entre dois aspectos da alma grega: as paixões selvagens irracionais personificadas por Dionísio e a beleza disciplinada e harmoniosa representada por Apolo . A grandeza da cultura grega assenta na síntese dos dois, que foi rompida pelo racionalismo de Sócrates; a Alemanha contemporânea só podia ser salva da decadência que então dominava a Grécia se procurasse a sua salvação em Wagner.
Por volta de 1876, Nietzsche cortou relações com Wagner e perdeu a admiração por Schopenhauer. Em Humano, Demasiado Humano, foi atipicamente simpático para com a moral utilitarista e pareceu valorizar mais a ciência do que a arte. Mas considerava esta fase da sua filosofia como algo que devia ser tirado como a pele de uma cobra. Depois de desistir da sua cátedra em Basel, em 1879, começou uma série de obras que afirmavam o valor da Vida e denunciavam, como elementos hostis à vida, a abnegação cristã, a ética altruísta, a política democrática e o positivismo científico. As mais famosas destas obras foram A Gaia Ciência (1882), Assim Falava Zaratustra (1883 -85), Além do Bem e do Mal (1886) e A Genealogia da Moral (1887). Por volta de 1889 começou a mostrar sinais de loucura, vivendo num isolamento senil até à sua morte em 1900.
Nietzsche pensava que a história exibe duas espécies diferentes de moralidade. Os aristocratas, sentindo que pertencem a uma ordem mais elevada do que os outros, usam palavras como «bem» para se descreverem a si mesmos, aos seus ideais e às suas características: o nascimento nobre, a riqueza, a bravura, a autenticidade e o facto de serem louros. Desprezam os outros como plebeus, vulgares, cobardes, inautênticos e morenos, e designam estas características como «mal». Esta é a moral dos senhores. Os pobres e fracos, com ressentimentos relativamente ao poder dos ricos e aristocratas, erigem o seu próprio sistema contrastante de valores, uma moral de escravos ou de rebanho que premeia traços de carácter como a humildade, a simpatia e a benevolência, que beneficiam os vencidos. Nietzsche chama «transmutação dos valores» ao estabelecimento deste sistema de valores, que atribui aos judeus.
Foram os judeus quem, em oposição à equação aristocrática (bem =
aristocrático = belo = feliz = amado pelos deuses), ousaram, com uma
lógica aterradora, sugerir a equação contrária e cravar de facto os dentes
do mais profundo ódio (o ódio da fraqueza) nesta equação contrária,
nomeadamente «só os desgraçados são bons; só os pobres, os fracos,
os humildes são bons; os que sofrem, os necessitados, os doentes,
os repugnantes são os únicos que são piedosos, os únicos que são abençoados,
a salvação é só para eles — mas vocês, por outro lado, vocês os
aristocratas, vocês os homens de poder, são para toda a eternidade o
mal, o horrível, o avaro, o insaciável, o ímpio; também eternamente
serão os não abençoados, os amaldiçoados, os condenados ao Inferno!"
Nietzsche afirmou que a revolta dos escravos, começada por Jesus, conquistara então a vitória. O ódio judeu triunfou sob a máscara do evangelho cristão do amor. Até mesmo em Roma, em tempos o protótipo da virtude aristocrática, os ho mens se inclinaram diante de quatro judeus: Jesus, Pedro, Paulo e Maria. O homem moderno, em consequência, é um simples anão, que perdeu a vontade de ser verdadeiramente homem. A vulgaridade e a mediocridade tornaram-se norma: só raramente brilha ainda uma incarnação do ideal aristocrático, como em Napoleão .
A oposição entre bem e mal é uma característica da moral dos escravos, agora dominante. Os aristocratas desprezavam o rebanho como mau, mas os escravos, com maior malevolência, condenaram os aristocratas não apenas como maus, mas como demoníacos. Devemos lutar contra a dominação da moral dos escravos: seguir em frente é transcender os limites do bem e do mal, e introduzir uma segunda transmutação dos valores. Se formos capazes de fazer isso, erguer-se-á, como síntese da tese e antítese do senhor e do escravo, o Super-Homem.
O Super-homem será a mais elevada forma de vida. As pessoas começam a aperceber-se, diz Nietzsche, de que o Cristianismo é indigno de crença e de que Deus está morto. O conceito de Deus foi o maior obstáculo à plenitude da vida humana: agora somos livres para exprimir a nossa vontade de viver. Mas a nossa vontade de viver não deve ser tal que, como a de Schopenhauer, favoreça os fracos; deve ser vontade de poder.
A vontade de poder é o segredo de toda a vida; todas as coisas vivas procuram descarregar a sua força, dar o maior alcance às suas capacidades. O conhecimento não é senão o instrumento do poder; não há verdade absoluta, apenas ficções que servem melhor ou pior para fortificar a vida. O prazer não é o objectivo da acção, mas apenas a consciência do exercício do poder. A maior realização do poder humano será a criação do Super-homem.
A humanidade é simplesmente um estádio a caminho do Superhomem, que é o sentido da Terra. No entanto, o Super-homem não será alcançado pela evolução, mas sim por um exercício de vontade. «Que a vossa vontade diga “o Super-homem deve ser o sentido da Terra”». Diz Zaratustra:
É claro que poderão criar o Super -homem ! Talvez não vocês mesmos,
meus irmãos! Mas poderão transformar-se vocês próprios em ancestrais
e antepassados do Super-homem: e que seja essa a vossa melhor criação!
A chegada do Super-homem será a perfeição do mundo; mas não será o fim da história. Porque Nietzsche defendia a doutrina do eterno retorno: a história é cíclica, e tudo o que aconteceu acontecerá outra vez, até ao mais pequeno pormenor.
É difícil avaliar Nietzsche friamente: a deslealdade biliosa das suas críticas aos outros gera no leitor uma correspondente impaciência irritável para com os seus escritos. Poder-se-ia dizer de A Genealogia da Moral, a sua última obra, o que ele mesmo disse da sua obra inicial: «Está pobremente escrita, é desajeitada, embaraçosa. As imagens são ao mesmo tempo desvairadas e confusas. Falta-lhe precisão lógica e está tão segura da sua mensagem que prescinde de qualquer tipo de prova.»
Nietzsche não oferece qualquer apresentação consistente do ponto de vista moral a partir do qual critica a moral convencional. A natureza do Super-homem é descrita de uma forma demasiado vaga para apresentar um padrão qualquer de avaliação das virtudes e vícios humanos. É difícil saber onde o próprio Nietzsche se situa numa questão como a da avaliação da crueldade. Ao denunciar a religião e o papel desempenhado pela culpa na moral dos escravos, Nietzsche descreve com eloquente injúria os sofrimentos amargos e as bárbaras torturas que os fanáticos e perseguidores infligiram. Mas, quando descreve os excessos das suas aristocráticas «bestas louras»,
que talvez provenham de um horrível ataque de assassínio, ímpeto incendiário, violação e tortura, com bravata e equanimidade moral, como se se tratasse apenas da representação de alguma selvagem peça estudantil, perfeitamente convencidos de que os poetas teriam agora um vasto tema para cantar e celebrar,
parece considerá-los um pecadilho, um escape necessário para os seus efervescentes espíritos elevados. Não seria filosófico considerar a insanidade final de Nietzsche como razão para desconsiderar a sua filosofia; mas, por outro lado, não é fácil sentir muita piedade por alguém que considerava a piedade a mais desprezível das emoções.
(Anthony Kenny - História Concisa da Filosofia Ocidental)
Assim falou Zaratustra. 3,90.
"Por que tão duro!" -falou ao diamante um dia o carvão: "não somos afinal parentes próximos?"
Por que tão frágeis? Ó meus irmãos, assim vos pergunto: vós não sois afinal - meus irmãos?
Por que tão frágeis, tão prontos a ceder e a amoldar-se? Por que há tanta negação, tanta
renegação em vossos corações? Tão pouco destino em vossos olhares?
E vós não quereis ser destino e algo inexorável: como poderíeis um dia vencer comigo?
E se as vossas durezas não querem relampejar e cortar e despedaçar: como poderíeis vós criar comigo?
Todos os criadores são em verdade duros. E venturança precisa parecer-vos imprimir a vossa marca sobre milênios como sobre cera, -
Venturança de escrever sobre a vontade de milênios como sobre bronze - como sobre algo mais duro do que o bronze. Totalmente duro solitariamente é o que há mais nobre.
Esta nova tábua, ó meus irmãos, coloco sobre vossas cabeças: tornai-vos duros! -
SENTENÇAS E SETAS
1.
O ócio é o começo de toda psicologia. Como? A psicologia seria um - vício?
2.
Mesmo o mais corajoso de nós poucas vezes tem coragem para o que propriamente sabe...
3.
Para viver sozinho, é preciso ser um animal ou um deus - diz Aristóteles. Falta ainda a terceira alternativa: é preciso ser os dois ao mesmo tempo - Filósofo...
4.
"Toda verdade é simples (unívoca)". - Isto não é duplamente uma mentira?
(Jogo de palavras praticamente intraduzível: o termo "simples" em alemão significa literalmente o que só possui um setor (ein-fach). Duplo por sua vez diz-se 'zwie-fach': o que possui dois setores. Para acompanhar minimamente o intuito do texto, inserimos o termo "unívoco" entre parênteses.)
5.
De uma vez por todas, não quero saber muitas coisas. - A sabedoria também traz consigo os limites do conhecimento.
6.
É em nossa natureza selvagem que melhor nos restabelecemos de nosso movimento antinatural, de nossa espiritualidade...
7.
Como? O homem é apenas um erro de Deus? Ou Deus apenas um erro do homem? -
8.
Da Escola de Guerra da Vida - o que não me mata torna-me mais forte.
9.
Ajuda-te a ti mesmo: assim todos te ajudarão. Princípio do amor ao próximo.
10.
Que não se venha a cometer nenhuma covardia contra as próprias ações! Que não as abandonemos em seguida! O remorso é indecente.
11.
Um asno pode ser trágico? - Há como perecer sob um peso que não se pode nem carregar, nem lançar fora?... O caso do filósofo.
12.
Quando se possui o "por quê?" da vida, então se suporta quase todo "como?". - O homem não aspira à felicidade; somente o inglês o faz.
13.
O homem criou a mulher. A partir de que porém? De uma costela de seu Deus - de seu "Ideal"...
14.
O quê? Tu procuras? Tu gostarias de te decuplicar, de te centuplicar? Tu procuras adeptos? - Procuras zeros! -
15.
Os homens póstumos - eu, por exemplo - são pior compreendidos do que os homens ligados ao seu próprio tempo, mas melhor ouvidos. Mais exatamente: nunca somos compreendidos e é daí que provém nossa autoridade...
16.
Entre mulheres - "A verdade? Oh, vós não conheceis a verdade! Afinal, a verdade não é um atentado contra todos os nossos pudores?" -
17.
Eis aí um artista como aprecio: modesto em suas necessidades. Só quer efetivamente duas coisas: seu pão e sua arte, - panem et Circen3...
18.
Quem não sabe colocar sua vontade nas coisas ainda insere nelas ao menos um sentido: isto é, crê que uma vontade já esteja nelas (princípio da "fé").
19.
Como? Vós escolhesses a virtude e o peito estufado, mas olhais ao mesmo tempo invejosamente para as vantagens dos inescrupulosos? Com a virtude renuncia-se contudo às "vantagens"... (escrito na porta da casa de um anti-semita.)
20.
A mulher perfeita pratica a literatura como pratica um pecadilho: a título de experiência, de passagem, olhando em torno de si para ver se alguém a nota e a fim de que alguém a note...
21.
Não devemos nos inserir senão em situações nas quais não é permitido ter nenhuma virtude aparente; nas quais, como o funâmbulo sobre a sua corda, ou caímos ou nos mantemos - ou o que vier daí...
22.
"Homens maus não possuem canções". - Como acontece de os russos possuírem canções?
23.
"O Espírito Alemão": há dezoito anos uma contradictio in adjecto.
24.
À medida que buscamos as origens, vamos nos tornando caranguejos. O historiador olha para trás; até que finalmente também acredita para trás.
25.
A satisfação protege até mesmo contra resfriados. Uma mulher que se soubesse bem vestida teria alguma vez se resfriado? Trago à baila o caso em que ela quase não estava vestida.
26.
Desconfio de todos os sistemáticos e me afasto de seus caminhos. A vontade de sistema é uma falta de retidão.
27.
Considera-se a mulher profunda. - Por quê? Porque nela nunca se chega ao fundo. A mulher não é nem mesmo rasa.
28.
Quando a mulher possui virtudes masculinas, não nos resta senão nos evadirmos; e quando ela não possui nenhuma virtude masculina, ela mesma se evade.
29.
"Outrora, quanto a consciência tinha de morder? Que bons dentes ela possuía? E hoje? Quantos lhe faltam?" Pergunta de um dentista.
30.
Raramente cometemos uma única precipitação. Na primeira precipitação faz-se sempre demais. Exatamente por isso comete-se habitualmente ainda uma segunda. - Daí por diante faz-se então muito pouco...
31.
O verme se enconcha quando é chutado. Essa é a sua astúcia. Ele diminui com isso a probabilidade de ser novamente chutado. Na língua da moral: humildade. -
32.
Há um ódio à mentira e à dissimulação que nasce de uma apreensão sensível da honra. Há um ódio exatamente como esse que nasce da covardia, visto que a mentira é proibida por um mandamento divino. Covarde demais para mentir...
33.
Quão poucas coisas são necessárias para a felicidade! O som de uma gaita. - Sem música a vida seria um erro. O alemão imagina Deus cantando canções.
34.
On ne peut penser et écríre qu'assis4 (G. Flaubert). É assim que te pego, Niilista! A pachorra é justamente o pecado contra o Espírito Santo. Só os pensamentos que surgem em movimento têm valor.
35.
Há casos em que somos como cavalos, nós psicólogos, e permanecemos inquietos: vemos nossas próprias sombras oscilando diante de nós para cima e para baixo. O psicólogo precisa abstrair-se de si, a fim de que seja acima de tudo capaz de ver.
36.
Se nós imoralistas fazemos mal à virtude? Tão pouco quanto os anarquistas fazem mal aos príncipes. Somente depois de lhes ter alvejado é que estes se sentam firmemente em seus tronos. Moral: é preciso alvejar a moral.
37.
Tu corres à frente? Tu fazes isto como pastor? Ou como exceção? Um terceiro caso seria o desertor... Primeiro caso de consciência.
38.
Tu és autêntico? Ou apenas um ator? Um representante? Ou o próprio representado? Por fim, talvez tu não passes da imitação de um ator... Segundo caso de consciência.
39.
Fala o desiludido. Eu procurei por grandes homens, mas sempre encontrei apenas os macacos de seu ideal.
40.
Tu és alguém que observa? Ou que coloca as mãos à obra? - Ou que desvia o olhar e se põe de lado?... Terceiro caso de consciência.
41.
Tu queres acompanhar? Ou ir à frente? Ou ir por sua própria conta?... É preciso saber o que se quer e que se quer. Quarto caso de consciência.
42.
Estes eram degraus para mim. Servi-me deles para subir e precisei então passar por cima deles. Mas eles pensavam que queria aquietar-me sobre eles...
43.
O que importa que eu tenha razão?!?! Eu tenho por demais razão. E quem hoje ri melhor também ri por último.
44.
A fórmula de minha felicidade: um sim, um não, uma linha reta, uma meta...
(Nietzsche - O Crepúsculo dos Ídolos)
O martelo de Nietzsche from Espaço Ética on Vimeo.
Nesta aula, o professor Clóvis de Barros Filho explica a Filosofia do Martelo Nietzscheana. Como este autor construiu o edifício de seu pensamento, derrubando as verdades estabelecidas, em nome de um homem mais livre e senhor de si? Como ser feliz e virtuoso sem respostas prontas? Conheça o pensamento que inspirou o mais recente livro do professor Clóvis, O Executivo e o Martelo.
Os auto-retratos existem quase desde sempre mas nunca estiveram tanto na moda como agora. Isto por causa da evolução da tecnologia, ou seja, do boom dos smartphones e, claro, das redes sociais. Afinal quem é que nunca tirou uma fotografia sua e a partilhou no Facebook ou no Instagram? Ou quem é que nunca criticou quem tivesse feito isto? É que de uma maneira ou de outra, a moda veio para ficar e tem um nome: selfie, a palavra inglesa do ano 2013.
Nunca se viram tantas selfies nas redes sociais, nem nunca se falou tanto nestes auto-retratos fotográficos tirados habitualmente com um telemóvel. Passear pelo Facebook, pelo Instagram ou pelo Twitter é tropeçar nestas fotografias e, consequentemente, nesta expressão. O seu uso na Internet aumentou como nenhuma outra palavra no último ano – 17.000%. E, por isso mesmo foi ontem eleita Palavra do Ano 2013 pelos editores dos Dicionários Oxford de Inglaterra. O próximo passo é incluí-la no Dicionário de Inglês de Oxford. Para já, tem apenas uma entrada no site OxfordDictionaries.com, com o significado formal: “Uma fotografia que uma pessoa tira a si mesma, geralmente com um smartphone ou uma webcam e que depois descarrega numa rede social na Internet”.
E é exactamente esta definição que afasta o mestre holandês Rembrandt (1606-1669), pintor de alguns dos auto-retratos mais conhecidos da pintura, verdadeiras obras-primas, de Justin Bieber, o músico canadiano que para dizer olá aos milhões de fãs, que o seguem nas redes sociais, tem por hábito publicar uma foto sua (na maior parte das vezes em tronco nu). Rihanna, Ashton Kutcher, Lady Gaga, James Franco, Miley Cyrus, Madonna ou Kim Kardashian são apenas alguns dos adeptos da selfie. Ora em frente ao espelho, ora de braço esticado, ora com o telemóvel em baixo, ora a fingir que não se estão a fotografar. Ora “eu” a acordar, ora “eu” a comer, ora “eu” às compras, num concerto ou a passear com os amigos. O que não faltam nas redes sociais são “eus” a fazer tudo e nada.
Até mesmo o Papa Francisco foi apanhado na onda e ajudou ainda a que o termo ganhasse uma maior popularidade quando em Agosto aceitou posar junto a um grupo de adolescentes numa fotografia tirada por um deles. O momento captado por um jornalista italiano, que dizia que “agora” já tinha visto tudo, rapidamente correu o mundo e multiplicou-se nas redes sociais.
Selfie, twerk e bing-watch
Graças a um sistema de pesquisa capaz de analisar 150 milhões de palavras da língua inglesa utilizadas na Internet todos os meses, os editores do Dicionários Oxford constataram “uma tendência fenomenal em 2013” no uso da palavra selfie, que ultrapassou em muito a célebre twerk, introduzida pela controversa dança da cantora norte-americana Miley Cyrus nos prémios da MTV, ou binge-watch, usada quando há visionamento múltiplo e rápido de episódios de um programa de televisão.
Em comunicado, a directora editorial do Dicionário Oxford, Judy Pearsall, explicou que selfie aparece no sítio de partilha de fotografias Flickr desde 2004, mas “o seu uso só se generalizou a partir de 2012, quando selfie passou a ser usado de forma corrente nos media”. Antes disso, já em 2002, a palavra tinha sido usada num fórum australiano quando o interveniente descrevia o seu auto-retrato, lamentando que a imagem não estivesse focada por se tratar de um selfie.
Para Judy Pearsall a influência das redes sociais na explosão do termo é clara, pelo imediatismo que é permitido. Eu tiro a fotografia agora e agora é quando os meus amigos e seguidores a podem ver e comentar. E essa ideia, segundo os especialistas, pode ser estimulante para algumas pessoas. “Uma selfie é uma expressão de uma identidade online activa, uma coisa sobre a qual tens algum controlo. Até podes tirar várias fotografias, mas publicarás só as que gostas”, explicou à BBC o psicólogo Aaron Balick.
Para a investigadora da UCLA Andrea Letamendi, “os auto-retratos permitem aos jovens adultos e aos adolescentes expressarem os seus estados de espírito e partilharem experiências importantes”, tendo um peso muito importante na sua vida. Ao publicarem estes momentos nas redes sociais, estas pessoas sentem-se parte de um mundo, que é cada vez mais digital.
Uma espécie de check-in
Ana Leorne, de 29 anos, é digital media executive e o termo selfie não lhe é nada estranho. E não é apenas pelo seu trabalho mas também como fã desta prática. “Dantes também tínhamos esta necessidade de sermos ‘amados’ enquanto crescíamos, mas agora podemos brincar às figuras públicas a imaginarmo-nos a sermos vistos e admirados por todo o mundo”, diz Leorne ao PÚBLICO, para quem a selfie “é uma forma de dizer olá a toda a gente que nos segue, uma espécie de check-in”. “E claro que é narcisista dizer ‘olha para mim no concerto X’ ou ‘comprei o vestido Y’, continua a digital media executive, acrescentando que estas selfies servem também como um diário. “Vejo as fotos mais tarde e consigo reconstruir onde estava e com quem. É ver a vida passar-nos diante dos olhos sem termos de morrer primeiro.”
Mas como em todas as modas, as críticas também são muitas. Principalmente por a selfie ter muito sucesso entre as adolescentes, que por vezes desconhecem, ou se esquecem, dos riscos da Internet. Ou se sujeitam mesmo à condenação pelos seus pares, quando estes não gostam das suas fotografias. E aqui, os especialistas alertam: é normal que os mais novos se virem para a Internet mas é preciso que saibam quais as fotografias que é aceitável que publiquem e quais as que não devem expor. De resto, “a forma como as crianças hoje pensam sobre a tecnologia, os media e a comunicação é muito diferente do que as pessoas dez anos mais velhas”, defendeu a psicóloga norte-americana Pamela Rutledge à Time. Não há nada de errado nas selfies, acredita a especialista.
Em Portugal, a Porto Editora costuma organizar uma votação para eleger a palavra do ano. A de 2013 deverá ser conhecida até Janeiro. “Entroïkado” foi a palavra de 2012, anunciada em Janeiro deste ano.