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De tudo e de nada, discorrendo com divagações pessoais ou reflexões de autores consagrados. Este deverá ser considerado um ficheiro divagante, sem preconceitos ou falsos pudores, sobre os assuntos mais variados, desmi(s)tificando verdades ou dogmas.
O sistema nervoso de qualquer ser vivo se rege por um princípio da economia de estímulos. O animal procura afastar-se da estimulação, se for externa, ou fazê-la cessar se for interna. O ruído excessivo, por exemplo, é uma fonte de desconforto que se origina no exterior, e que provoca no animal o reflexo de afastar-se. O medo é uma excitação interna, que procuraremos fazer desaparecer, buscaremos qualquer coisa que nos faça parar de senti-lo. Ambos são exemplos de sensações desagradáveis, uma objetiva, a outra subjetiva.
Nelas o psiquismo trabalha no sentido de fazer cessar o estímulo e voltar o equilíbrio.
Os estímulos internos, em um animal irracional, representam as necessidades de seu corpo traduzidas pelo cérebro como sensações objetivas, como a fome e a sede. É um mecanismo bem simples, em que há poucas fontes de sensações e poucas necessidades.
Tudo o que o animal deve fazer é manter-se vivo, alimentar-se, escapar dos predadores e reproduzir-se, seguindo o comando de sua biologia, sem uma subjetividade. O subjetivo nasce à partir de um certo grau de percepção.
A emoção existe neste modelo animal, mas é menos variada e complexa que a humana. Não há possibilidade de emoções conflitantes neste sistema singelo. Assim, o nível de tensão psíquica mantém-se baixo, elevando-se apenas em situações de ameaça ou nas variações relativas a atividade sexual (que neles não se dissocia da reprodutiva).
É um sistema que mantém-se mais facilmente em equilíbrio, salvo se algo de fora vier a ameaçá-lo.
No homem, a capacidade de sentir afetos, ou seja: a emoção, ampliou-se muito. Por emoção, entende-se as percepções mais subjetivas, que se manifestam na consciência em forma de sentimentos.
Esse crescimento da emoção pode ter ocorrido graças ao prolongado e estreito contato entre os homens e suas crias. Humanos tem uma infância longa, que os faz dependentes por muitos anos dos cuidados paternos, criando um vínculo forte entre eles. Uma capacidade acentuada de sentir afetos desenvolve-se à partir dessas primeiras relações e pode-se dizer que amplia a inteligência.
Esta capacidade sensitiva, que é algo inato, dirige-se aos outros humanos, tal como o olfato se dirige aos odores.
Houve algo semelhante a uma mutação quando a emoção agregou-se às respostas possíveis na mente humana; tanto que fez surgir diferenciações fundamentais, ampliou a inteligência. Através dela adquirimos uma percepção diferenciada.
Este sentido subjetivo, cujos rudimentos existem nos irracionais, mudou a trajetória do desenvolvimento humano em direção à evolução mental.
A subjetividade pressupõe a propriedade de sentir algo como um afeto. Essa é a emoção, sentido superior só encontrado em grandes proporções no homem, transformando-se na forma de energia psíquica característica da espécie. Quando algo se liga a este tipo de energia, tem maior poder de fixação na memória. Se for acompanhada de um registro afetivo, uma vivência estará investida de energia psíquica latente. Sempre lembramos mais do que é emocionalmente significativo.
Assim, a memória humana foi se tornando um banco de dados com dimensões crescentes, a cada geração ele se amplia. As imagens dos fatos são armazenadas pela memória junto com a emoção que lhes correspondem. Cada vivência humana vai para o abstrato reino da memória acompanhada de uma determinada quantidade e qualidade de afeto, que tem uma qualidade energética. Freud chamava esse processo de catexia: o investimento da energia mental em uma idéia, imagem ou sensação.
Todos os demais sentidos presentes na experiência serão também registrados; é por esta razão que uma impressão sensorial pode despertar um correspondente afetivo.
Os estímulos encontram na memória uma cena à qual se associam, e o sentimento daquele instante vem para a consciência. Um novo investimento energético é feito naquela lembrança e ela pode despertar. Há um banco de dados formado pela soma das percepções sensoriais ( que vêm dos sentidos) a cada experiência da vida, incluindo a emoção. Ao lembrar de algo, pode-se ter a imagem, os sons, os odores, a sensação táctil, o paladar, e o sentimento correspondente.
A emoção funciona como um sentido. Ela é uma forma de percepção e registro sensorial da energia psíquica, quer provenha de fonte interna ou externa.
Após processar as percepções originárias de todos os sentidos, a mente registra sensações cujo conteúdo tem da natureza de um afeto, e à partir disso, fornece energia para os circuitos cerebrais.
A diferença fundamental entre a emoção e os demais sentidos conhecidos é que estes se dirigem à percepção de tudo o que está fora de nós, aquilo que pode estimular nosso corpo. Os cinco sentidos conhecidos dependem de estímulos físicos como o toque, o cheiro, a cor, a forma, a luz, o sabor... Chegando ao cérebro despertam sempre uma sensação objetiva. A sensibilidade que chamamos emoção, é totalmente voltada para o abstrato, ela não deriva necessariamente de um estímulo físico, embora possam participar do processo.
No total, a emoção é a resposta interior à interpretação das sensações externas.
Emoções correspondem à sensações que, na maior parte das vezes, são despertadas através da interação entre pessoas. É um sentido que percebe o Outro; está também ligada à memória e através dela percebe-se o que é interno.
Recebe estímulos desde duas fontes: o exterior e o interior do homem. Seus desejos, necessidades, experiências reais ou fantasias. Como tudo que se liga a um afeto é mais facilmente armazenado na memória, a emoção humana mais desenvolvida, torna-se responsável pela ampliação da capacidade de memorizar. Havendo mais registros na memória e estando livres as possibilidades de conexão, cresce a inteligência.
A capacidade de compreensão é ampliada, pois recorre aos registros internos para avaliar o momento presente e determinar como agir. Sem o desenvolvimento dos afetos não se desenvolve a inteligência. A emoção é uma capacidade sensitiva que cria afetos e desenvolve a inteligência através da interação com outras pessoas. Os sentimentos vão criando o ser, a personalidade.
Da forma como está sendo usado, o termo emoção refere-se apenas a um potencial de sensibilidade, os afetos e a inteligência são as formas de energia psíquica que esta sensibilidade pode criar. Amor, tristeza, raiva ou quaisquer outros, são formas assumidas por essa energia básica, e dependem de como se desenrolem as relações entre as pessoas.
O desconforto subjetivo não se deve à emoção como sentido, mas ao surgimento de formas negativas dela: os sentimentos que trazem sensações desagradáveis, estão programadas de tal forma que podem ser sentidas até fisicamente.
Há quem considere a emoção algo inferior, que deva ser superado à medida que se evolui mas, não é o desaparecimento dela que deve ser desejado ou buscado. Sem a emoção não somos humanos, apenas o que se busca é manter saudáveis as percepções para sustentar um estado de equilíbrio interno. Se deixássemos de sentir emoção, teríamos que abrir mão de nossa essência: somos o que sentimos!
Este é um grande potencial, permite ao homem realizar suas mais admiráveis obras, possibilita criar, perceber a beleza e reproduzi-la, compreender o universo da matéria e traduzi-lo como ciência. A emoção não é algo inferior, embora possa manifestar-se de forma desorganizada e destrutiva, o que corresponde a um uso imaturo ou inadequado deste sentido, por deficiência na sua educação ou doença do sistema nervoso.
Educar a emoção tem sido difícil para o homem. Ela se relaciona tanto com o interno como com o externo, desta forma é um sentido que capta realidades distintas. Os cinco outros sentidos captam apenas a realidade externa, objetiva. Por captar estímulos de realidades diferentes, a emoção pode confundir-se. Há um mundo inteiramente subjetivo e outro absolutamente concreto. Cada um deles tem leis e exigências diferentes.
Além disso, se assumir duas formas distintas e conflitantes a emoção se tornará confusa. Por exemplo, quando temos sentimentos de amor e ódio pela mesma pessoa, isso gera um conflito: a mesma energia está ligada de duas maneiras opostas a um mesmo ser, ou quando precisamos fazer algo que contraria nossos sentimentos.
Quanto menos contradições entre as formas como a emoção se manifesta, melhor será o funcionamento da mente.
A emoção em si é serena, quando não está dividida em múltiplas formas, há uma sensação de calma. Acreditou-se então que, neste estado, a emoção estaria suprimida, mas está apenas integrada e saudável.
Para manter o equilíbrio e desenvolvê-lo mais, o homem inventou a disciplina mental.
Uma sensação de equilíbrio onde tudo parece calmo, relaxado, nenhuma tensão existe é um estado de plenitude, a emoção está em sua forma pura e satisfeita. Sensações de saciedade semelhantes prevalecem no momento seguinte ao orgasmo, se há entre os parceiros uma ligação abrangente.
Como sempre surgem novas necessidades na matéria viva, a inquietude sempre voltará e reduzi-la tem sido ambição humana desde o início dos tempos.
Provavelmente a emoção seja o sentido responsável pela telepatia e pela transmissão de pensamentos. Não uma emoção específica, mas a energia deste sentido. Através dele podemos sentir exatamente a mesma coisa que a outra pessoa: isto é empatia.
Ao poder sentir o mesmo que o outro, talvez possamos estabelecer contato com o que pensa, o que se passa em sua mente, incluindo imagens e sensações.
Essa seria então, a forma de sintonizarmos o mesmo canal de outra pessoa, a via de acesso ao inconsciente alheio.
Além de captar estímulos vindos da realidade externa e da interna, o sentido da emoção capta também sensações que não pertencem originalmente à nós, mas àqueles que nos cercam. É através dessa energia comum que dois seres podem comunicar-se sem o uso de qualquer linguagem criada pelo homem. É uma maneira espontânea de comunicação, já nascemos com ela.
A possível explicação sobre essa habilidade de comunicação seguramente refere-se a que, a energia psíquica assume sua forma mais potente na emoção. E, que a natureza deste tipo de energia, que compõe nosso psiquismo, não necessita de um meio físico para propagar-se. Voltaremos a este tema mais adiante.
Por representar uma porta aberta para três fontes diferentes de estímulo, a emoção é um sentido que requer especial cuidado e atenção. É fácil gerar doença e mal estar devido à excessiva quantidade de estímulos, ou à qualidade destes.
Fazer serenar as emoções, reduzindo os estímulos nocivos, ajuda a alcançar sua forma mais integrada e livre de conflitos, reduzindo a carga dentro do sistema nervoso.
Este sistema energético, representado fisicamente pelos neurônios, deve ser poupado de uma exigência além do que sua natureza aceita como agradável. Sua desorganização deve ser evitada, por isso a disciplina é usada.
(Manoelita Dias dos Santos - "A lógica da emoção, da psicanálise à física quântica")
A linguagem dos sonhos não deve ser interpretada de forma concreta, sobretudo aqueles que trazem imagens oníricas sexuais. A linguagem sexual é de natureza arcaica, cheia de analogias, sem necessariamente coincidir, todas as vezes, com um conteúdo sexual verdadeiro.(C. G. Jung, Obras Completas, Vol. VIII, par. 506.)
A maioria dos sonhos eróticos apresenta aspectos da sexualidade do sonhador que necessitam de uma melhor percepção e orientação do ego vígil. Eles são comuns e, às vezes, deixam o sonhador com uma sensação de culpa, principalmente quando causam bem estar. Há, porém, situações oníricas tão reais que provocam no sonhador sensações semelhantes a uma relação sexual, o que tende a aumentar sua libido nesse campo.
Há estudos sobre a vinculação da atividade sexual do sonhador imediatamente anterior ao sono, com seus sonhos. Foi verificada correlação entre a atividade sexual anterior ao sono e o tipo de sonho, porém sem qualquer preponderância a outras atividades normais. Os desejos sexuais desempenham um papel relevante na atividade onírica tanto quanto os outros desejos do sonhador. A fome, a ansiedade, a sede, a necessidade de descanso, o desejo de poder, etc., desempenham idêntica influência nos processos oníricos, salvo quando o sonhador lhes atribui uma particular importância específica em sua vida.
O sonhador deve sempre contar seu sonho erótico a alguém de confiança a fim de diminuir a tensão por ele provocada. Deve não ter vergonha de falar o que houve no sonho, pois se tratam de símbolos e como tais devem ser vistos. Sonhar fazendo sexo com alguém não se refere à pessoa real, mas à imagem que se tem dela.
Do ponto de vista psicológico, os sonhos eróticos geralmente representam tentativas de diminuir a distância emocional entre os que dessa forma se relacionam nas imagens oníricas. Denotam união e transformação em curso. Às vezes, referem-se a uma mudança na relação transferencial.
Às vezes podem se dar pela falta de atividade sexual do sonhador ou pela mesma atividade noturna.
Nem todo sonho erótico diz respeito à vida sexual do sonhador. Jung opinava (Quinta Conferência de Tavistock, Vol. XVIII/1, par. 331) que a fantasia erótica poderia ocorrer na relação transferencial para preencher o vazio entre o analista e o paciente quando não existissem pontos comuns entre eles. Da mesma forma, o sonho erótico poderá estar preenchendo um vazio na relação inconsciente entre analista e paciente.
Na adolescência ocorrem situações em que o sonhador é levado ao orgasmo durante o sono. Isso não deve preocupá-lo. O organismo está em fase de intensa atividade hormonal, o que pode provocar aquela reação fisiológica durante um sonho, cujas imagens apresentem conteúdo erótico.
Não seria apenas a repressão da libido o que provocaria um sonho erótico. É certo que toda repressão provoca a necessidade de uma conseqüente liberação de energia, porém a libido represada poderá acarretar um sonho erótico tanto quanto uma necessidade de estabelecer um vínculo mais íntimo com algo ou alguém.
Sonhos onde partes eróticas do corpo se apresentem nuas podem significar uma certa repressão do sonhador em relação à sua sexualidade.
É muito comum o surgimento de símbolos ou temas religiosos ao lado de imagens eróticas nos sonhos. Isso pode se dever ao mecanismo da repressão face ao papel castrador da religião como também à ligação existente, nos primórdios da humanidade, entre as duas temáticas pela conotação sagrada que se atribuía ao sexo.
Às vezes o erotismo excessivo nos sonhos pode significar uma obsessão espiritual na área do chakra genésico. O sonhador pode estar sendo vítima de espíritos perturbados e perturbadores, que tentam submetê-lo ao vício do sexo durante o sono.
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Para Freud, os sonhos são manifestações do inconsciente e se todos sonham, logo, todos têm inconsciente. |
Sonhos incestuosos
A temática do incesto é antiquíssima na Humanidade. Nas sociedades tribais primitivas era prática comum e não se constituía um problema de ordem moral como hoje. Sua passagem para essa conotação se deu lentamente em todas as culturas. As imagens incestuosas do ego onírico não devem ser tidas necessariamente com o mesmo caráter moral do ego desperto. Geralmente demonstram uma necessidade de assimilação por parte do ego desperto de atributos específicos do parceiro do contato sexual, no seu sentido arquetípico. Esses sonhos podem estar retratando, para a esfera da consciência pessoal, uma certa influência do complexo correspondente (materno ou paterno).
Sonhos homo-eróticos
É muito comum, mais do que se imagina, os sonhos apresentarem situações claras de homo-erotismo sem que o sonhador, conscientemente declare ou tenha tido qualquer comportamento que as justifique. Muitas vezes as cenas se processam com personagens familiares, parentes consangüíneos, do sonhador e, às vezes, com o próprio terapeuta do mesmo sexo, sem que a transferência tenha essa conotação consciente.
Os sonhos que apresentam imagens homo-eróticas, em que o sonhador se encontra em atitude mais íntima com uma pessoa o mesmo sexo ou na prática de um ato sexual ou algo que se lhe assemelhe, poderá estar significando:
Os sonhos homo-eróticos trazem aspectos à vida consciente referentes à percepção da relação entre o ego onírico e o Self. O mito de Narciso, (Junito Brandão, Mitologia Grega, Vol. II, p. 173, Vozes, 1995) revela-nos a paixão dele pela própria imago, sombra, sob a influência de sua ânima. Nesses sonhos, o ego vígil parece estar à procura do si-mesmo, com quem intensamente busca uma integração, impossível no campo desperto.
Tenho verificado que, em muitos sonhos homo-eróticos de pacientes homossexuais, surgem personagens ou locais ligados à religião, à semelhança dos sonhos eróticos em geral. No casos de homossexuais, creio haver uma forte semelhança das figuras oníricas e dos enredos dos sonhos, com a ligação consistente que têm com a mãe. É comum o homossexual ter uma ligação muito forte com sua mãe, cuja representação ocorre nos sonhos homoeróticos.
Há estudos (Stanley Krippner, Decifrando a Linguagem dos Sonhos, p. 128) em que se detectou diferenças significativas entre sonhos de homossexuais, transexuais e heterossexuais, onde seus relatos apresentavam aspectos referentes ao dia-a-dia, porém sem qualquer modificação inerente à preferência sexual.
Os sonhos onde o sonhador esteja mantendo relações sexuais podem significar uma tentativa de mostrar ao ego desperto o que o atrai e que se encontra representado na figura do parceiro. No caso das relações homo-eróticas, da mesma forma, podem estar mostrando aquilo que complementaria o ego desperto.
(Adenáuer Novaes - Sonhos: mensagens da alma)
Jung coloca (C. G. Jung, Obras Completas, Vol. VI, par. 1031) que “em algum lugar a alma é corpo vivo, e corpo vivo é matéria animada; de alguma forma e em algum lugar existe uma irreconhecível unidade de psique e corpo que precisaria ser pesquisada psíquica e fisicamente, isto é, tal unidade deveria ser considerada pelo pesquisador como dependente tanto do corpo quanto da psique.”
Adam Zwig (Decifrando a Linguagem dos Sonhos, p. 81.) citando B. Siegel, em Love, Medice, and Miracles, lembra uma interpretação de Jung de um sonho de um paciente seu, em que ele vê uma lagoa e um mastodonte e é aconselhado, por Jung, a verificar se não havia algum bloqueio do fluido cérebro-espinhal.
Marie-Louise von Franz coloca (Os Sonhos e a Morte, p.120.) que alguns sonhos com cobras ou insetos, por exemplo, podem ocorrer quando há perturbações do sistema nervoso simpático e que, alguns arquétipos estão ligados a certas áreas específicas do corpo, denunciando sua situação através dos sonhos.
Sabemos que alguns sonhos eróticos em determinados indivíduos, sob certas condições, podem provocar o orgasmo, interferindo assim no organismo do sonhador. Da mesma forma, a depender do estado físico do sonhador e do tipo de sonho, ele poderá trazer ao corpo aspectos que poderão provocar doenças. Algumas doenças, inclusive, são antecipadas nos sonhos; nesse caso, eles não serão causadores, mas sinais de alerta. Podemos perguntar: – se os sonhos curam, porque eles também não poderiam causar problemas de saúde? Se eles causassem tais problemas, que mecanismo seria responsável por essa fatalidade psicossomática?
O estudo sobre a influência de sonhos traumáticos como indicadores de advertências de grave moléstia encoberta, é citado por Robert Smith no livro Decifrando a Linguagem dos Sonhos, à página 209. Para ele, esses sonhos são advertências, como uma bandeira vermelha ou sinais de perigo, do sofrimento psicológico encoberto do sonhador. Sua análise se refere a pacientes hospitalizados, não se aplicando aos sadios.
Independente das teorias sobre os sonhos, eles representam sintomas de algo que se processa num nível inacessível à consciência no instante em que ocorrem. São sintomas da atividade psíquica, como afirma Jung, quer sejam prenúncio de doenças ou não; algo ocorre, e eles avisam, abaixo do nível da consciência.
Invariavelmente os sonhos dizem mais respeito à personalidade do que ao corpo, muito embora haja aqueles que atuam como prognósticos em relação a aspectos orgânicos particulares.
Jung, no que diz respeito aos sonhos se referirem a aspectos orgânicos, escreveu (Obras Completas, Vol. III, nota 146 do par. 163.): “Os sonhos endógenos dizem respeito exclusivamente aos complexos, e os exógenos, isto é, os sonhos influenciados ou gerados por estímulos corporais que se dão durante o sono são, tanto quanto pude observar até hoje, fusões de constelações do complexo com elaborações mais ou menos simbólicas da sensação corporal.” Noutro trabalho, Jung interpreta dois sonhos de uma jovem, cujo desfecho é letal, que apresentam, segundo ele, os traços indicativos de uma doença orgânica grave, mas que não se referiam diretamente à morte, muito embora entendesse que isso pudesse ocorrer em certos sonhos. Na análise de Jung (Obras Completas, Vol. XVI, par. 343s.), vê-se a identificação, em símbolos específicos, do aspecto autodestrutivo prognosticado nos sonhos do paciente.
(Adenáuer Novaes - Sonhos: mensagens da alma)
SOMOS OS PRODUTORES DA NOSSA REALIDADE. Nós homens somos os únicos animais que fazem isso. Construir uma realidade é algo bastante ambicioso e sujeito a erros; alguém que pudesse nos ver de fora e analisar nosso comportamento como espécie bem poderia concluir que somos insanos. Que construímos para nós um imenso delírio, uma enorme fantasia da qual todos compartilhamos e passamos a chamar realidade.
A realidade única e definitiva, a que existe para todos sobre o planeta, é a natureza. Nosso mundo, nossas invenções, valores, linguagem, criações artísticas, dinheiro, tudo pertence primeiro ao imaginário depois é tornada real pela aceitação coletiva.
O que de mais real temos em nós é nossa fome, nosso instinto de defesa, instinto sexual, aquilo que provém da nossa natureza biológica. Tudo o mais é acréscimo que denominamos cultura.
A cultura nasce da interação entre nossas vivências externas e nosso complexo mundo interno. Ela está presente em ambos, mas resulta no lançamento daquilo que criamos internamente para o universo que nos cerca.
Porque o homem diferenciou-se mentalmente a ponto de fazer tudo isso? Não sabemos responder o que houve conosco. Temos hipóteses, mas não certezas.
Acredito que o desenvolvimento do cérebro, mais do que qualquer outro órgão, só pode ter derivado de uma necessidade de sobrevivência. Talvez fossemos uma espécie ameaçada da extinção pela fragilidade física e nosso caminho evolutivo tenha então encontrado esse desenvolvimento da inteligência como resposta possível. Através dela pudemos modificar o meio aumentando nossas chances de sobrevivência. Não nos adaptamos a ele através da aquisição de atributos físicos conferidos por mutações. Não desenvolvemos garras ou músculos mais fortes. Desenvolvemos, através do raciocínio e da criatividade, utensílios que os substituíssem.
A indagação mais profunda permanece: porque aconteceu desta forma? Temos exemplos de outras espécies que tem alguma sofisticação em sua organização como grupos, mas não criam como nós e tem vida efêmera.
Nossa vida é relativamente longa e o período de infância é o maior do reino animal. Os bebês homens vivem na companhia e na dependência de seus pais mais tempo que quaisquer outros filhotes. Imagino se daí não poderia ter surgido o fator que nos diferenciou.
Durante essa prolongada convivência, com tão íntima interação entre o adulto e sua cria, talvez possa ter nascido um tipo especial de laço afetivo mais profundo, que não chegue a desenvolver-se em outros animais. Tal apego a alguém, o que chamamos amor, pode ter sido razão suficiente para alterar o curso de um psiquismo primitivo que se regia apenas pelos instintos. Tal suposição baseia-se em que uma vez estabelecido um laço desta natureza, perder o objeto amado, agredi-lo ou abandoná-lo, pode ter se tornado mais penoso para nós.
A libido, que é a energia das pulsões amorosas, é um vínculo muito forte, pois se associa ao prazer. A vinculação afetiva, é a mãe do pesar. Se estamos amorosamente ligados a alguém, qualquer mal que lhe suceda ou que lhe causemos, despertará sofrimento em nós. Sentiremos sua falta ou nos colocaremos em seu lugar e haverá sentimentos desagradáveis nisto.
Suponho que passávamos muito tempo cuidando de nossas crias e tentando fazê-las sobreviver. As mães têm especial apego aos filhos e seu instinto leva-as a protegê-los até que possam cuidar de si mesmos. A mulher inventou a agricultura e isto não é difícil de entender observando de três pontos de vista:
A agricultura permitiu a fixação a um ponto geográfico, criação de uma ordem mais estável e com maiores possibilidades de sobrevivência. Os homens ficaram, porque são libidinalmente ligados à mulher. Não apenas pelo interesse sexual direto, mas porque são seus filhos e tiveram oportunidade de desenvolver com ela especial vínculo.
Acredito então, que nossa trajetória se tenha iniciado com um desenvolvimento e fixação maior da libido a uma determinada pessoa proporcionado pela estreita e longa convivência das mães com seus filhos.
A fixação à terra, com o advento da agricultura, deu inicio à vida em grupos organizados e a partir daí ao que se chama civilização. Ligar-se à terra tem uma analogia com ligar-se à mãe, à figura feminina. Fecundá-la e ser alimentado por ela.
Esta nova vida, mais fácil, deve ter permitido que o homem tivesse tempo para dedicar-se a outras atividades não diretamente ligadas à sobrevivência. Novas habilidades foram sendo adquiridas e armazenadas na memória, chegando a construir uma estrutura mental progressivamente mais complexa, até a sua forma atual, produtora da própria realidade.
(Manoelita Dias dos Santos - "A lógica da emoção, da psicanálise à física quântica")
1. Foi um convite amável e insistente. Para uma conversa com Valter Hugo Mãe. Na Universidade de Aveiro, no dia 8 de Outubro. O tema: Mal.
O que é que se diz sobre o mal? Comecei por recordar que há muitos tipos de mal: o mal físico, o mal moral, o mal metafísico, o mal fora de nós, o mal em nós..., chamando sobretudo a atenção para o facto de, se estávamos ali para essa conversa-debate, é porque nos sentíamos razoavelmente, com algum conforto e sem grandes aflições. Porque, quando o mal se abate sobre nós - um cancro, um terramoto, um tsunami, um filho que se nos morre desfeito em dores e perante a nossa impotência total, quando nos destruímos mutuamente, quando tudo se afunda sob os nossos pés, quando o futuro todo se apaga... -, aí gritamos, choramos, blasfemamos, rezamos..., não debatemos.
Ao longo do tempo, houve tentativas várias de solução para o mal, sobretudo quando nos confrontamos com Deus. Como é que Deus é compatível com todo o calvário do mundo? Lá está Epicuro: ou Deus pôde evitar o mal e não quis; então, não é bom. Ou quis e não pôde; então, não é omnipotente. Ou quis e pôde; então, donde vem o mal? Na sua justificação de Deus, Leibniz concluiu que este é o melhor dos mundos possíveis. Schopenhauer contrapôs: este mundo não passa de uma arena de seres torturados, que sobrevivem devorando-se uns aos outros, ele "é o pior dos possíveis". A solução gnóstica e dualista coloca o mal no interior da Divindade. Há quem pense que devíamos despedir-nos do Deus omnipotente e ir ao encontro do Deus sofredor e crucificado. Segundo Kant, toda a tentativa de teodiceia teórica fracassa.
Penso que é o teólogo A. Torres Queiruga que abre para uma correcta reflexão, ao exigir uma ponerologia (de ponerós, mau): tratar do mal, antes de qualquer referência a Deus, pois o mal atinge todos, crentes e não crentes. Aí, percebe-se que a raiz do mal é a finitude. O mundo é finito e, por isso, não podendo ser perfeito, tem falhas e carências, choques.
Assim, Deus é omnipotente e infinitamente bom. Mas pretender que poderia acabar com o mal no mundo, criando-o perfeito, mas não quer, é uma contradição. Não tem sentido perguntar por que é que Deus não criou um mundo perfeito, pois Deus não pode criar outro Deus. Não se diz que há algo que Deus não pode fazer, apenas se nega uma contradição. Se o mundo inevitavelmente finito não pode ser perfeito, não podemos pretender que Deus o faça.
A pergunta é outra: se o mal é inevitável, porque é que Deus o criou? Aqui começa a pisteodiceia (de pistis: justificação da fé). Há diferentes pisteodiceias, pois todos têm de enfrentar-se com o mal e cada um encontra a sua resposta. O crente religioso também tem a sua: crê em Deus como Amor e anti-Mal e espera a salvação definitiva e plena para lá da morte. Sem Deus, fica-se com o mal e sem esperança, também para as vítimas inocentes.
2. Poucos dias depois, uma jovem senhora, com uma tese académica já pronta, que acabara de sepultar o pai ainda relativamente jovem, telefona-me e eu sinto e ouço as lágrimas a correr e a voz embargada, a tremer e a suplicar, porque também uma irmã acabava de ter um AVC: "É de mais; por favor, reze, por favor reze, a razão não sabe nada, não pode nada..."
E eu lembrei-me das palavras do início em Aveiro: que, perante o sofrimento atroz, as pessoas não debatem, mas choram, gritam, blasfemam, rezam (talvez tudo isto ao mesmo tempo).
E também me lembrei do que escreveu o filósofo agnóstico J. Habermas sobre o último encontro com o filósofo ateu H. Marcuse, que tinha citado: ele "estava na sala de cuidados intensivos de um hospital de Frankfurt, rodeado de aparelhos nos dois lados da cama. Nesta ocasião, que foi o nosso último encontro filosófico, Marcuse, em conexão com a nossa discussão de dois anos atrás, disse-me: "Sabes? Agora sei em que é que se fundamentam os nossos juízos de valor mais elementares: na compaixão, no nosso sentimento pela dor dos outros"".
Estou convicto de que, nisto, quanto à compaixão, Valter Hugo Mãe estará totalmente de acordo comigo.
(Anselmo Borges)
A modernidade tem como característica fundamental a nova visão científica da realidade. A problemática é de tal modo decisiva que o filósofo e teólogo Javier Monserrat advoga a convocação de um Concílio para confrontar a fé com esse novo dado - ver Hacia el Nuevo Concilio, de onde partem as reflexões que se seguem.
Alguns resultados estão alcançados. 1. Para a ciência actual, o universo todo, incluindo a consciência, "produziu-se pelas propriedades ontológicas e dinâmicas da matéria que foi produzida no big bang com altíssima densidade e energia". 2. Estamos em presença de um mundo real e aberto. 3. Este mundo aparece-nos ordenado finalisticamente. Trata-se de uma "ordem viva" e "ordem antrópica". De qualquer modo, apresenta-se como um mundo enigmático, sendo possíveis três conjecturas metafísicas: ateísmo, agnosticismo, teísmo.
Os autores ateus "mostraram que entender a consistência eterna de um universo sem Deus é possível". A ciência pode, segundo algumas teorias, conceber a auto--suficência do universo, "a sua consistência e estabilidade dinâmica num tempo eterno, sem fim".
Perante a impossibilidade de a ciência resolver com certeza as questões últimas, de ordem metafísica, o agnosticismo assume a ausência de resposta: trata-se de "um incompromisso filosófico". Respeita tanto o ateísmo como o teísmo. Provavelmente a percentagem de agnósticos é hoje muito mais elevada do que a dos ateus.
O ateísmo não pode ser excluído como "teoria possível". Mas o ateísmo não é evidente. Se o fosse, não haveria teístas, do mesmo modo que, se o teísmo fosse uma evidência, não haveria ateus. Perante um mundo obscuro e enigmático, tanto o ateísmo como o teísmo constituem uma "fé filosófica", uma "crença".
Também o teísmo apresenta razões para argumentar a favor da existência de Deus. Já não se trata de "demonstrar", mas de mostrar que a razão científico-filosófica torna verosímil a existência de Deus: "uma certeza moral livre da existência de Deus". 1. A hipótese de um Deus transcendente e criador enquanto fundamento da consistência, estabilidade e suficiência de "um universo que começa no tempo (a grande explosão) e que previsivelmente acabará numa morte energética e na sua dissolução final" surge como a mais verosímil. É defensável a hipótese de que "o fundamento do ser, a verdadeira realidade auto-suficente em si mesma e eterna, seja um ser divino transcendente que - com intencionalidade - "cria", "funda" o universo visível no seu fluir temporal finito". 2. O universo que autonomamente produziu a ordem física e biológica, conducente à liberdade, torna verosímil um desígnio racional de Deus enquanto criador. O teísmo actual não aceita o Deus tapa-buracos, mas, precisamente ao reflectir sobre a ordem "quase-racional" constatável, e, portanto, sobre as propriedades da matéria e as leis evolutivas que permitem produzir autonomamamente a ordem psicobiofísica e a sua orientação antrópica - porquê estas propriedades e leis e não outras? - ,constata que esta ordem, congruente com um fim inteligível, "torna verosímil a hipótese de que poderia estar causada pelo "desígnio" racional de uma Inteligência Criadora." 3. Esta verosimilhança é confirmada e aprofundada, quando se constata que o processo evolutivo dá origem no seu termo a seres humanos enquanto pessoas autoconscientes e livres. Não é mais razoável e inteligível o processo, se na sua raiz e como sua Causa está o Deus transcendente e pessoal, que cria livremente por amor? O teísmo actual "assumiria a superação do dualismo e identificar-se-ia com a lógica do emergentismo, incluindo a emergência do psiquismo humano, da razão e da sua especial abertura à Divindade", "que abarca o universo e o contém criativamente no seu interior". Este universo é um "universo para a liberdade", a partir de um "desígnio para a liberdade" e, portanto, do "princípio antrópico cristão", embora não se imponha como inevitável a "solução divina".
Tanto o ateísmo como o teísmo têm na base uma crença ou uma fé, com razões, devendo, portanto, ateus, agnósticos e teístas respeitar-se e dialogar.
(Anselmo Borges)
Esta noção é normalmente compreendida como a tese de que para tudo que acontece existem condições tais que, uma vez dadas, nenhuma outra coisa poderia ter acontecido. Na influente formulação filosófica articulada por David Hume e J.S. Mill, isso aparece como teoria da regularidade determinista, ou seja, de que para cada evento x existe um conjunto de eventos y1… . yn, tais que se conjugam regularmente sob algum conjunto de descrições.
Neste século, pelo menos até bem recentemente, assumiu-se de maneira geral que isso continua sendo válido na natureza, com exceção da mecânica dos quanta (onde tudo indica ser impossível determinar simultaneamente a posição e o momentum de partículas elementares). No entanto P.T. Geach e G.E.M. Anscombe, nos anos 60, expressaram reservas a esse respeito. Nos anos 70, de forma mais sistemática, o mesmo foi feito por R. Bhaskar. Este afirmou que uma reflexão sobre as condições em que os resultados deterministas são efetivamente possíveis (a partir do que o determinismo, como tese metafísica, deriva a sua plausibilidade) indica que, com exceção de uns poucos contextos fechados especiais — estabelecidos de forma experimental ou ocorrendo naturalmente —, as leis estabelecem limites, impõem restrições ou funcionam como tendências, em vez de prescreverem resultados fixados de forma única. Em particular, têm um caráter não-empírico e de norma; e são consistentes com situações de controle dual e múltiplo, determinação múltipla e plural, complexidade, surgimento e intermediação humana (por exemplo, na atividade experimental). A partir dessa perspectiva, as leis não são efetivas ou contingentes, mas necessárias e reais — propriedades de mecanismos e não conjunções de eventos. E o único sentido no qual a ciência pressupõe o determinismo é o sentido (não-humeano, não-laplaciano) de determinismo da ubiqüidade, isto é, a ubiqüidade de causas reais (mas talvez não necessariamente inteligíveis), incluindo causas de diferenças, e daí a possibilidade (por mais remota que seja) de explicações estratificadas. O “determinismo”, como normalmente compreendido, pode portanto ser considerado uma noção que repousa em uma ontologia ingênua e factualista de leis, e em particular no erro de se supor que um evento, porque foi levado a acontecer, estava destinado a acontecer antes de ter sido causado — uma confusão entre determinação (ontológica) e predeterminação (epistemológica)). Nem é o caso de dizer que as relações de geração natural são (logicamente) transitivas. Assim, não é o caso de se dizer que, porque S1 produziu S2, e S2 produziu S3, S1 produziu S3 — se, por exemplo, S2 possui poderes emergentes, ou o sistema em que S3 se formou é aberto, ou o processo é estocástico. O desenvolvimento da teoria da catástrofe e do caos representou mais um golpe no determinismo de regularidade, ilustrando que sistemas dinâmicos não-lineares podem produzir resultados altamente irregulares (caóticos e imprevisíveis). (Ver também PREVISÃO.)
A relativa raridade de resultados deterministas e a complexidade de agentes têm implicações para a questão do livre-arbítrio. A posição predominante na primeira metade do século era a “compatibilista”, segundo a qual o livre-arbítrio pressupõe o determinismo. Sob a influência de Gilbert Ryle, John Austin, o último Wittgenstein, F. Waismann, P. Strawson e S. Hampshire, a visão do senso comum de que o determinismo representa uma ameaça aos nossos conceitos normais de mediação (ver AÇÃO E MEDIAÇÃO), escolha e responsabilidade costumava, de maneira geral, reconciliar-se com um contínuo compromisso com o determinismo no nível físico, na doutrina de que os conceitos anteriores funcionavam em um nível lógico, estrato lingüístico ou jogo lingüístico diferente. Mas uma vez descartado o factualismo, a possibilidade de uma rejustificação naturalista da mediação humana, da CAUSALIDADE de motivos e a potencial aplicabilidade do atributo “livre” aos agentes, suas ações e situações está mais uma vez aberta.
Tem havido muita controvérsia no século XX a respeito de o marxismo ser uma teoria determinista no sentido de que toma os resultados como sendo (a) inevitáveis e/ou (b) previsíveis e/ou (c) predestinados. Isso não tem como ser discutido aqui (ver o verbete “determinismo” em Bottomore et al., 1983) — a não ser para observar que existem bons motivos filosóficos e históricos para não se tratar o programa de pesquisa marxista como determinista em nenhum desses sentidos.
(William Outhwaite & Tom Bottomore - "Dicionário do pensamento social do século XX")
Os londrinos adoram seus parques. E agora, no outono, não dá para deixar de passear por eles. As folhas caindo deixam a paisagem deslumbrante.
Olhando do alto, dá para ver que as áreas verdes ocupam boa parte da capital britânica. E um bairro tem ainda mais motivos para valorizar os seus parques e praças.
Richmond é o lugar da Inglaterra com maior expectativa de vida saudável. Homens tem saúde boa ou muito boa até os 70 anos, mulheres até 72. E é também o lugar com menor percentual de doenças e onde as pessoas se consideram mais felizes. Cada morador tem sua lista de motivos. Para algumas amigas são o ar puro, o baixo número de carros e a paisagem bonita. “É a natureza, e é de graça”, lembra uma imigrante irlandesa.
Um morador orgulhoso destaca os benefícios: “Você leva o cachorro para passear e vê a beleza em volta. É bom para o coração e para a alma”, diz.
O brasileiro Guilherme mora há poucos metros de outro parque no Norte de Londres. Sempre que pode, dá uma fugida para lá.
Guilherme Carvalho, administrador: Tem um pouco mais de natureza aqui, você consegue ouvir pássaros. Então dá uma sensação um pouco de, dá a impressão que você nem tá em Londres.
Globo Repórter: Você acha que isso de alguma forma afeta a sua saúde, você se sente melhor, com mais disposição?
Guilherme: Nossa Senhora, é como se tod as preocupações fossem embora, entendeu? É como se você não tivesse mais nada.
Globo Repórter: Você é feliz aqui?
Guilherme: Oh, demais!
Mas será que passear no meio do verde tem efeito na nossa saúde ou é apenas uma impressão de bem-estar sem nenhuma consequência no nosso corpo?
O psicólogo Mathew White e a equipe dele da escola de medicina da universidade de Exeter estudaram os dados de 10 mil pessoas que foram entrevistadas anualmente durante 17 anos. Quem mora perto de áreas verdes demonstrou se sentir mais feliz e com menos problemas de saúde.
Os pesquisadores explicam que a natureza age de quatro formas para aumentar o nosso bem estar. "Esse contato com árvores, praia, reduz o batimento cardíaco e a pressão, nós nos sentimos menos estressados. Em segundo lugar, em contato com a natureza, temos mais predisposição para fazer exercícios, caminhar, andar de bicicleta. Em terceiro, fazemos tudo isso geralmente acompanhados de marido, mulher, filhos, amigos. Passar o tempo com outras pessoas é saudável. E, em último lugar, um ambiente agradável perto de onde moramos nos dá uma sensação de pertencer àquele lugar, de ser a nossa casa. E isso é outro fator muito importante para a saúde", explica Mathew White, psicólogo.
Em uma das pesquisas feita em um laboratório, os pesquisadores simularam um passeio de bicicleta na beira do mar. E concluíram que, mesmo em um ambiente controlado, com um vídeo em vez da situação real, um passeio desses faz muito bem à saúde.
Ao utilizar o repórter como cobaia para mostrar os efeitos do passeio, assim como fez com os voluntários da pesquisa, o pesquisador, primeiro, mediu a pressão do repórter.
Os batimentos cardíacos também são controlados. Não podem ser baixos, nem altos demais. Não é um exercício, é um passeio.
"Quero que você imagine que está nesse lugar, imagine os sons, os cheiros, com quem você está, o que vai fazer depois. Imagine que está na beira da praia", orienta o pesquisador.
No começo, parece pouco provável que funcione, mas o barulho do mar, a imagem das ondas batendo. E a pessoa se deixa envolver pelo vídeo. Os pesquisadores fizeram o mesmo teste em um passeio real na praia e os resultados foram semelhantes.
Depois de algum tempo pedalando, o repórter fica suado, mas bem mais tranquilo e sem tanto stress como estava antes.
Depois de descansar um pouco, o repórter teve a pressão medida novamente e ela estava um pouco mais baixa do que antes do exercício.
Um passeio tão curto não tem grande impacto na saúde de ninguém, mas - se isso for feito com frequência - haverá uma grande diferença, garantem os pesquisadores. "Fazer exercícios em contato com a natureza é mais relaxante, você perde a noção das horas e se exercita por mais tempo. E é mais provável que faça de novo, já que você curtiu o passeio", diz o pesquisador.
A pesquisa não indica que morar no meio do mato seja mais saudável do que nas cidades. A urbanização trouxe grandes benefícios para a humanidade, como acesso à água tratada, variedade de alimentos, higiene, atendimento médico. Coisas que aumentaram a longevidade. Mas é um alerta para as autoridades na hora de planejarem as cidades: criar áreas verdes é investir na saúde da população.
(Globo Repórter c/ video)
Que tal desvendar o mundo de cima? Ou de baixo em uma aventura pela floresta? Quer ver ainda mais longe? Então dê uma espiada no horizonte.
Olha só quantos barquinhos no mar. Um, dois, três, quatro... Até parece domingo, dia de folga, não é? Mas que nada, é dia de aula!
“Quem é que está sentindo cheirinho de praia? Vamos sentir cheirinho de praia?”, pergunta a professora para as crianças.
E a lição: matemática!
"Acertaram, muito bem, vocês contaram direitinho: 15 barcos”, elogia a professora, batendo palmas.
Esta aula está legal? Está! Esta aula parece mesmo uma grande brincadeira: tocar a areia, ouvir o barulho do mar, olhar as ondas... Tudo isso estimula, aguça os sentidos, visão, audição, tato. As crianças ficam assim, mais atentas, mais concentradas, e isso facilita a aprendizagem.
A professora Karine pesquisa formas de estimular a curiosidade e a criatividade das crianças. Faz mestrado na Universidade do Estado de Santa Catarina e defende a tese de que a natureza é uma excelente sala de aula.
“Num ambiente ao ar livre esta criança pergunta mais. É muito mais interessante e curioso ela olhar os barcos na praia e contar do que ela ver um desenho ou uma imagem no quadro-negro”, avalia a professora.
Aprender explorando o mundo é mesmo fascinante.
Letícia Malavazzi, 6 anos: Dá para pesquisar as plantas. Você pode olhar elas de perto, porque lá na sala não tem quase nenhuma planta.
Globo Repórter: O que você está observando aqui?
Clara: Montanhas lá bem pertinho do horizonte.
Enquanto Clara se encanta com a visão das montanhas, Larissa descobre o surpreendente mundo das florestas.
Professora: Larissa, o que você acha que as formigas estão fazendo?
Larissa: As formigas estão tentando procurar comida por aqui, mas não tem.
Será? Hoje a turma aprendeu que as folhas são um banquete para as formigas e fez até chover debaixo de sol.
Em uma escola de Florianópolis 70% das aulas para crianças de até seis anos de idade são assim: ao ar livre. Descobrir o ciclo da água brincando de faz de conta é bem mais divertido.
Globo Repórter: Você está todo molhado. Choveu hoje?
Eros Schimer dos Santos, 3 anos: Choveu de mangueira.
Globo Repórter: Hoje a chuva foi de mangueira.
Os pais dão nota 10 para este tipo de aula. Áureo diz que o filho está cada dia mais esperto.
“Está se tornando uma pessoa mais crítica, mais observadora, mais curiosa. O colégio instiga ele a aprender mais não só no colégio, mas fora do colégio também. Isso a gente percebe em casa”, avalia o pai.
O contato com a natureza não é bom só para os pequenos.
“A ciência não tem mais dúvidas do poder restaurador de um ambiente como este para a saúde humana, para o bem-estar humano”, aponta Ariane Kuhnen, professora de psicologia ambiental - UFSC.
Tanto que a ideia da pesquisadora é estimular intervalos ao ar livre nas áreas verdes da Universidade Federal de Santa Catarina.
“Então se a gente faz um intervalo com uma atividade que nos restaure mentalmente, que diminui a nossa fadiga mental, a gente volta para a sala com uma capacidade diferente”, destaca Ariane.
E isso muitos estudantes já perceberam.
Lucas Machado, estudante: Eu acho que volta mais focado, mais concentrado.
“É como se fosse dar uma bateria a mais no nosso fôlego, né?”, afirma Bruno Bistete, estudante.
O tempo que a gente deve passar em contato a natureza nem precisa ser muito longo.
“Que sejam dez minutos de uma caminhada. Isso nos traz um bem-estar que nos garante uma jornada de trabalho, de estudo, muito melhor”, garante Ariane Kuhnen.
Pode ser pouco, mas o que faz a diferença neste tempo é a intensidade da conexão com a natureza.
Você costuma passear ou correr ao ar livre? Ótimo! Mas anda acompanhado por equipamentos eletrônicos? Se você é daquele tipo que não larga o celular e até manda mensagens enquanto caminha, pode estar desperdiçando uma oportunidade e tanto. Para tirar proveito da natureza é preciso estar aqui de "corpo e alma".
“Não é só estar na natureza. Você tem que sentir que está conectado com ela. E muitas pessoas têm dificuldade até de fazer isso, né? Elas às vezes não escutam o pássaro cantando. Esta sensação de estar fazendo parte de um mundo natural, é isso que nos faz bem”, explica Ariane Kuhnen.
(Globo Repórter)