Os Evangelhos foram escritos por homens que estiveram entre os primeiros a ter a fé e
que queriam compartilhá-la com outros. Depois de terem conhecido na fé quem é Jesus,
puderam ver e fazer ver os traços de seu mistério em toda a sua vida terrestre. Desde os
paninhos de sua natividade até o vinagre de sua Paixão e o sudário de sua Ressurreição,
tudo na vida de Jesus é sinal de seu Mistério. Por meio de seus gestos, de seus milagres,
de suas palavras, foi revelado que "nele habita corporalmente toda a plenitude da
divindade" (Cl 2,9). Sua humanidade aparece, assim, como o "sacramento", isto é, o sinal
e o instrumento de sua divindade e da salvação que ele traz: o que havia de visível em sua
vida terrestre apontava para o mistério invisível de sua filiação divina e de sua missão
redentora.
(Catecismo da Igreja Católica)
Tudo que diz respeito à pesquisa bíblica vem acompanhado obrigatoriamente pela palavra "suposto". Há poucas evidências arqueológicas que comprovem uma história das escrituras com 100% de certeza. Apesar disso, os pesquisadores continuam a escavar e estudar resquícios antigos na Terra Santa que possam levar a um esclarecimento maior sobre o distante passado daquele pedaço do planeta.
A famosa briga entre ciência e religião já abraçou os diversos segmentos da narrativa bíblica. Um exemplo disso foram os recentes estudos conduzidos por equipes norte-americanas sobre a verdadeira origem do Sudário de Turim, o famoso pano que os fiéis acreditam ter envolvido o corpo de Jesus após a crucificação. Sobre isso a revista Planeta falou, em artigo de Paulo Urban, publicado em abril de 2001, referindo-se a um teste para comprovação da autenticidade, conduzido em outubro de 1988:
João Paulo II, crendo na antigüidade do Sudário, autorizou o teste. Na madrugada de 21 de abril de 1988, em sessão solene, foi cortado dele um fragmento de 7 cm x 1 cm. Três laboratórios de renome foram selecionados para a prova realizada com todo rigor científico. Mas os resultados foram decepcionantes para a Igreja que não viu confirmada sua crença; o Sudário não poderia ter envolvido o corpo de Cristo, era peça medieval, do século XII. Passado o impacto da notícia, desde então vários cientistas vêm pondo em dúvida a datação. As objeções são muitas. Já em 1988, o Prof. Júlio Duarte (Júlio César Teixeira Duarte, advogado e paleo-antropólogo, erudito na historiografia de Jesus) apontava que a datação não seguira o protocolo conforme estabelecido pelo Doutor Willard F. Dibb, prêmio Nobel de Química em 1960, criador do teste. Ele pede que se queime 1/6 da amostra original para que o resultado seja preciso, o que obrigaria cortar mais de lm do Sudário, razão pela qual a Igreja sempre se opusera a esta prova. Além disso, são necessários minimamente 10g de material, e as tiras de linho não pesavam sequer 50mg. "Mesmo com o aprimoramento da técnica", dizia Júlio, "a permitir que se queime um ínfimo fragmento do Sudário, temos que levar em conta que o pano sofrerá o incêndio de 1532, capaz de prejudicar um teste assim".
Sempre houve esse tipo de embate entre ciência e religião. Uns acusam os outros de serem forças opostas e, até certo ponto, canibais umas das outras. Seria possível que ciência e religião tenham algum dia o mesmo ponto de vista? Os últimos relatos de pesquisas nesse sentido parecem utilizar a tecnologia moderna quase em seu limite, porém apresenta sempre provas de que, quanto mais se corre atrás de uma evidência divina, menos se encontra.
A briga pelo sudário de Turim
O sudário mais famoso da Igreja, uma vez que não podemos esquecer que há outras relíquias religiosas que se dizem também sudários de Cristo, como o de Oviedo, na Espanha, e o de Verônica, em Manopello, na Itália, já foi alvo de controvérsias e acusações de profissionais científicos e religiosos de ambos os lados. Os defensores da fé católica acusam os cientistas de querer derrubar dogmas religiosos com suas provas de falsificação, enquanto os estudiosos afirmam que a fé cega dos crentes não os permite enxergar que podem estar frente a frente com uma farsa histórica. Vamos ver como começou essa briga de anos.
A história moderna do sudário começou em 1898, quando Secondo Pia, um advogado que era conselheiro da cidade de Turim, recebeu a incumbência de fotografar a relíquia religiosa por ocasião dos 400 anos em que o pano estava na cidade. Quando foi revelar as fotos, ele observou pasmo que os negativos mostravam uma imagem oculta que ficava mais nítida do que a observada no próprio pano. O que se revelou foi um corpo anatomicamente perfeito. De Pia vamos para um médico, Pierre Barbet, que, por volta de 1930, escreveu um livro, A paixão de Cristo segundo o cirurgião.
Ao estudar o mecanismo da crucificação, resolveu fazer alguns experimentos com cadáveres e percebeu que a imagem do Cristo pregado na cruz pelas palmas não correspondia à realidade, pois o peso do corpo faria com que o condenado as rasgasse e caísse da cruz. Conta o artigo da revista Planeta:
Os romanos perfuravam os punhos, inserindo os pregos numa fenda anatômica hoje chamada "espaço de Destot". Com a lesão do nervo radial, ocorria a retração dos polegares para as palmas.
Esse conceito confirmava o que a foto de Pia revelara que as chagas estaria sobre os punhos. Barbet, animado com os resultados, resolveu então contar as marcas de açoite que a figura continha. Foram no total 121 marcas feitas com a utilização de um chicote romano chamado "flagrum taxilatum".
Esse instrumento apresentava bolas de chumbo nas pontas, que provocaram 600 ferimentos por todo o corpo, menos o coração, que era uma região proibida para o uso daquele chicote.
A análise da figura do Sudário concluía que se tratava de um homem com aparência de uns 35 anos, l,82m de altura, 81 quilos, e que fora chicoteado por dois carrascos, um era mais alto do que o outro. Outras conclusões da análise de Barbet incluem os hematomas espalhados por todo o corpo e rastros se sangue que, de acordo com os cadáveres que ele mesmo experimentara em cruzes modernas, eram compatíveis com essa posição. Constata a coroa de espinhos sobre a cabeça da figura e encontra lesões nos ombros que carregaram a trave horizontal da cruz, o que quebra a imagem mais tradicional de Cristo levando a cruz inteira.
Ainda há sinais de que o nariz foi fraturado, sinal de que o homem tivera quedas com o peso da trave, algo próprio de quem caminha até o Calvário. Também foram encontrados sinais de uma ferida no flanco esquerdo, feita por uma lança, localizada no "quinto espaço intercostal no tórax e daí, o coração, de onde jorrou sangue e soro, a conferir com o relato de Jo 19,34", segundo o artigo. A conclusão do pesquisador é que aquele homem morreu por asfixia.
Pulemos agora para o ano 1973. Um suíço, o doutor Max Frei Sulzer, renomado criminologista, fundador e durante vinte e cinco anos diretor do serviço científico da Polícia de Zurique, na Suíça, entrou em cena. Seu objetivo era recolher, por meio da utilização de fitas adesivas, amostras de pólen que pudessem estar fixadas no linho. Foram detectados no total 58 tipos diferentes de substâncias, entre plantas francesas, italianas e da Turquia Oriental, algumas delas extintas e que só havia na Palestina há dois mil anos.
Cinco anos depois surge um projeto da NASA, chamado STURP (Shroud of Turin Research Project [Projeto de Pesquisa do Sudário de Turim]. Vejamos uma definição:
Esse grupo era formado por 40 cientistas americanos, especializados nas mais diversas áreas: biologia, genética, química, física, entre outras. Os diversos estudos e testes realizados comprovaram em vários aspectos a autenticidade do Santo Sudário, e os resultados foram oficialmente divulgados após a reunião de encerramento, convocada em maio do ano 1981, em Nova Londres. Apenas um dos componentes do grupo afirmou que o Sudário era uma falsificação, Walter McCrone, mas seu embasamento teórico era falho e este sequer compareceu às reuniões para defender sua tese. Enfim, o Grupo STURP foi fundamental para precisar a veracidade do sangue humano encontrado no Sudário e, sendo assim, a vida e morte de Cristo.
Curiosamente, foi o STURP quem mais defendeu a autenticidade do Sudário, embora possua membros que vão pela opinião contrária. Entre aqueles que defenderam estava o doutor John Heller, um especialista em porfirinas, que são pigmentos de cor púrpura e de origem natural cuja estrutura é a razão para que seus derivados absorvam luz a um comprimento de onda próximo dos 410 nm, o que lhes dá uma cor característica.
Foi ele quem revelou que havia sangue sobre o pano, do tipo AB, característico entre o povo judeu. Claro que outros aspectos da peça foram igualmente investigados com todo o cuidado. Por exemplo, o estudo do tecido mostrou que fora "trançado como espinha de peixe, propriamente o tipo fabricado manualmente na Palestina". Nessa trama foram identificados vestígios de um algodão que, segundo os especialistas, jamais foi cultivado na Europa durante a Idade Média, o Gossypium herbaceum.
Somente esse dado derrubaria a afirmação de outros pesquisadores de que o Sudário era de origem medieval.
O computador V8, o mesmo usado para avaliar imagens do planeta Marte pelas naves Viking, entrou em cena para analisar o sudário. Foi então que se constatou que a imagem impressa é tridimensional, o que eliminaria qualquer teoria de conspiração que afirma ter sido pintada. Inclusive derrubaria uma tese predileta de uma das fontes em que o livro O código da Vinci foi baseado, feita pela escritora Lynn Picknett, que chegou a afirmar na obra Revelação dos templários que a imagem havia sido pintada por Leonardo da Vinci como um retrato dele mesmo.
Fotos feitas sobre o rosto revelaram mais alguns dados impressionantes. Há sobre as pálpebras moedas com inscrições que as identificam como sendo cunhadas entre 29 e 32 d.C. por ninguém menos que o famoso Pôncio Pilatos, conhecidas como "dilepton lituus". Para alguém que creia na autenticidade da peça, essas já seriam provas mais que suficientes para acreditarmos nela. Então, por que os pesquisadores insistem no estudo mais detalhado? Novamente consultemos o artigo já citado:
As provas a favor da autenticidade já são tantas e incontáveis que o C14, que restava até há pouco como único empecilho, cada vez mais perde seu prestígio. E tal exame foi há pouco fulminado pelas descobertas que trazem uma reviravolta para o caso: o bioquímico Doutor Leôncio Garça Valdez, da Universidade de San Antonio (Texas), à microscopia eletrônica examinou fibras de linho do Sudário, sobra de amostras retiradas para a datação pelo C14, e descobriu uma verdadeira "capa bioplástica" produzida por bactérias e outros contaminantes presentes no tecido, capazes de absorver o isótopo radioativo do carbono, razão suficiente para alterar o cálculo de sua idade. Indo adiante, Garça Valdez, analisando fios retirados da nuca da imagem do Sudário, além de sangue, identificou traços da madeira do patíbulo e concluiu tratar-se do roble, um tipo de carvalho, e não o pinho, como antes se pensava.
Para piorar um pouco mais a situação, entram em cena os esotéricos, pessoas que estudam os mistérios históricos e levantam teorias as mais confusas para confundir ainda mais a cabeça dos crentes.
Por exemplo, dois livros dos escritores, o norte-americano Christopher Knight e o britânico Robert Lomas, As chaves de Hiram, de autoria dos dois, e O Segundo Messias, de autoria somente de Knight. Nessas duas obras, a teoria apresentada é a de que o Santo Sudário não seria bem santo e que o pano teria enrolado o corpo de Jacques de Molay, o último grão-mestre dos templários, queimado na fogueira em 1307.
O pano teria servido para envolvê-lo alguns meses antes de sua execução. Do lado dos céticos, a coisa fica ainda mais complicada. Há algum tempo, quando o teste do carbono 14 revelou que a peça seria medieval, os religiosos que defendem sua autenticidade alegaram que um incêndio que aconteceu em 1532 e que marcou o Sudário, teria de alguma forma influenciado nos testes de autenticidade.
Essa desculpa foi combatida por uma declaração feita por um micro-químico norte-americano, o doutor Walter McCrone em artigo do site Dicionário Céptico:
A sugestão de que o incêndio de 1532 em Chambery teria alterado a data do tecido é risível. As amostras para a datação por carbono são rotineira e completamente queimadas e transformadas em C02 como parte de um bem testado procedimento de purificação. As sugestões de que contaminantes biológicos modernos seriam suficientes para modernizar a data também são ridículas. Seria necessário um peso de carbono do século 20 correspondente a duas vezes o do carbono do sudário para se alterar uma data do século 1 para o século 14 (veja o gráfico do Carbono 14). Além disso, as amostras do tecido de linho foram limpas com muito cuidado antes da análise em cada um dos laboratórios de datação por carbono.
Ele complementa sua alegação com uma explicação do motivo de, para ele, o sudário ser mesmo uma pintura. Segundo ele, a inspeção cuidadosa que ele mesmo realizara em 1979, revelou sinais de pigmentos espalhados por uma tempera de colágeno, que nos tempos medievais era produzido à base de pergaminho e usado na época para cópias de obras literárias.
E esses pigmentos são nas palavras do especialista "quimicamente e distintamente diferentes em composição do sangue humano". Nos anos seguintes uma nova série de testes foi realizada. As radiografias indicaram presença de ocre vermelho (óxido férreo, hematite), além de cinabrino, ferro, mercúrio e enxofre em várias amostras da área da imagem. Assim, os resultados obtidos pelo doutor McCrone revelariam que a imagem "foi pintada duas vezes, uma vez com ocre vermelho, seguido por cinabrino para aumentar as áreas de sangue da imagem".
(Sérgio Pereira Couto - Arquivos secretos do Vaticano)